Num mundo cada vez mais acelerado e digital, os contos tradicionais continuam a ser um recurso essencial para o crescimento das crianças. São histórias que atravessam gerações, despertam emoções, alimentam a imaginação e, ao mesmo tempo, ensinam, quase sem que os mais pequenos se apercebam. Para as crianças, estes contos são verdadeiros aliados na construção da linguagem, da leitura e das competências sociais e emocionais.
Tanto na escola como em casa, pais e professores podem trabalhar em conjunto para fazer com que estas histórias intemporais se transformem numa ponte entre o prazer de ler e a aprendizagem. Neste artigo mostramos como e sugerimos atividades práticas para partilhar com os seus alunos ou filhos.
Imaginação, criatividade e compreensão leitora
Os contos tradicionais transportam as crianças para universos encantados onde tudo é possível: florestas mágicas, animais que falam, gigantes, bruxas e castelos.
Esta viagem imaginativa desenvolve a capacidade de visualizar mentalmente os cenários e personagens, essencial para compreender e interpretar textos. À medida que a criança se envolve na narrativa, ativa o pensamento simbólico e começa a inferir significados e intenções, elementos centrais na leitura.
Além disso, ao recontar a história ou responder a perguntas sobre o enredo, a criança exercita a linguagem oral, organizando ideias e expressando-as com vocabulário cada vez mais rico e estruturado.
Vocabulário e consciência fonológica
As expressões rítmicas, repetições e estruturas previsíveis dos contos tradicionais são uma excelente forma de enriquecer o vocabulário e desenvolver a consciência fonológica, a capacidade de identificar e manipular sons da fala. Estas são competências fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita. Os contos expõem a criança a palavras novas em contextos compreensíveis, facilitando a sua aquisição e uso espontâneo.
Além disso, o prazer de ouvir e repetir frases como “Espelho meu, espelho meu...” ou “Quem tem medo do lobo mau?” reforça a memorização de estruturas linguísticas e o domínio da entoação e do ritmo da língua,
Estrutura narrativa
Os contos tradicionais têm uma construção clara: início, meio e fim. Esta estrutura simples e previsível ajuda a criança a compreender como se organizam os acontecimentos, a sequência temporal e a ligação entre causa e efeito. Familiarizar-se com estas estruturas narrativas contribui para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita: a criança aprende a usar conectores como “depois”, “então”, “mas”, “no fim” e a construir frases completas com sentido lógico.
Ao recontar histórias com base nessa estrutura, desenvolve também a coerência e a fluência verbal, habilidades essenciais para ler, interpretar e mais tarde escrever textos com organização e clareza.
Pensamento crítico e resolução de problemas
As personagens dos contos enfrentam dilemas e desafios que obrigam a tomar decisões. Ao refletir sobre essas escolhas e imaginar alternativas, a criança desenvolve o pensamento crítico, mas também a capacidade de verbalizar hipóteses, justificar ideias e argumentar. Este tipo de linguagem — mais elaborada e reflexiva — é uma base importante para o desenvolvimento da leitura compreensiva e da produção escrita. Ao explorar diferentes possibilidades para o enredo, a criança enriquece o seu léxico e amplia a flexibilidade na construção de frases e estruturas narrativas.
Envolvimento emocional e participação ativa
Contar e ouvir ler contos é uma experiência envolvente que estimula a escuta ativa, a atenção e a expressão emocional. As crianças reagem, imitam, repetem falas e recriam cenas; e tudo isso contribui para o desenvolvimento da linguagem oral. Quando repetem frases das personagens ou dramatizam a história, as crianças praticam a pronúncia, a articulação e a estruturação de discurso com intenção comunicativa.
Esta participação emocional reforça o vínculo com a leitura e com a linguagem, tornando o desenvolvimento linguístico mais espontâneo e prazeroso.
Relações humanas e expressão de sentimentos
Os contos abordam temas universais como o medo, a amizade, a coragem ou a perda. Estes elementos emocionais ajudam as crianças a identificar e nomear sentimentos, o que é fundamental para o desenvolvimento da linguagem emocional e para uma comunicação mais consciente e empática.
Ao conversar sobre o que sentem as personagens, as crianças desenvolvem a capacidade de usar palavras para expressar emoções e necessidades, uma competência essencial para interagir com o mundo.
Partilhar contos tradicionais com as crianças proporciona, sem dúvida, grandes momentos de lazer, mas é também uma estratégia relevante para apoiar o desenvolvimento da linguagem, da leitura e da expressão pessoal.
Estas histórias aproximam diferentes gerações, reforçam o vínculo entre família e escola e ajudam a formar leitores atentos, falantes confiantes, pequenos narradores com muito para dizer.
A biblioteca é uma aliada valiosa neste trabalho. Ajuda a selecionar materiais de leitura, produz e empresta materiais, sugere livros, organiza exposições dos trabalhos trazidos pelas famílias ou dinamiza sessões de leitura...
Este envolvimento fortalece os laços entre leitura, escola e comunidade.
Foi publicado a 18 de março de 2025 o Plano Nacional de Literacia Mediática para o período 2025 a 2029, um documento estruturante que estabelece as orientações estratégicas para o desenvolvimento de competências críticas e reflexivas sobre os media e a informação, em diversos contextos educativos e sociais, em Portugal.
Num tempo em que o acesso à informação é quase ilimitado e em que os media digitais desempenham um papel central no quotidiano das crianças e dos jovens, a escola é chamada a preparar os alunos para uma utilização crítica, responsável e ética dos media e da informação.
Neste contexto, a Rede de Bibliotecas Escolares tem-se afirmado como um dos principais agentes educativos nacionais na promoção da literacia informacional e mediática, estando inteiramente disponível para colaborar ativamente na implementação do Plano, em continuidade com o trabalho consistente, estruturado e inovador que tem vindo a desenvolver nesta área.
A RBE desenvolve, continuadamente, um conjunto integrado de ações, projetos e recursos que estruturam a intervenção das bibliotecas escolares no domínio da literacia informacional e mediática. Entre essas medidas destacam-se:
Orientações, sugestões de atividades e recursos de apoio Publicação sistemática de orientações, enquadradas no referencial Aprender com a Biblioteca Escolar, propostas de atividades para serem desenvolvidas em articulação entre as bibliotecas escolares e os docentes curriculares e disponibilização de múltiplos recursos de apoio ao trabalho das bibliotecas escolares.
Ações no âmbito dos media escolares tradicionais Participação das bibliotecas escolares nas equipas de Jornais, Rádios ou TV escolares, frequentemente coordenando-as.
ProLiteracias: Media e Informação com a biblioteca escolar Incentivo ao desenvolvimento de programas estruturados e sustentados de literacia mediática e informacional nas escolas, a partir das bibliotecas escolares, com formação, acompanhamento de proximidade e financiamento específico.
Iniciativas próprias ou em parceria, nacionais e internacionais Promoção de atividades como o Concurso Media@ção, Debaqi, Miúdos a Votos, Operação 7 dias com os media, Da tua Biblioteca ao PÚBLICO, entre outras.
Formação e autoformação Ações de formação contínua para professores bibliotecários e publicação regular de bibliografia e recursos no blogue RBE, promovendo a atualização permanente de competências.
Encontros formativos Integração do tema da literacia informacional e mediática em encontros regionais e nacionais, da responsabilidade da RBE ou nos quais se envolve como parceira.
Parcerias Cooperação com entidades como o GILM, o Plano Nacional de Cinema, o PÚBLICO na escola, a IFLA, o projeto MiúdosSegurosNa.Net e a Google, entre outras.
Um percurso em construção
Desde a sua criação, em 1996, a Rede de Bibliotecas Escolares reconheceu a literacia da informação como uma competência fundamental para o desenvolvimento das competências de leitura, investigação e pensamento crítico dos alunos. Com a entrada no novo milénio e a progressiva integração das tecnologias digitais no quotidiano escolar e social, o conceito de literacia alargou-se, passando a incorporar também as dimensões mediática e digital.
Ao longo de quase três décadas, a RBE tem afirmado o seu compromisso com estas áreas, através de um percurso consistente, progressivo e inovador. A sua intervenção tem-se concretizado num vasto leque de medidas estruturantes e atividades específicas que sustentam uma visão educativa centrada na capacitação crítica dos alunos. Desde os primeiros apoios a projetos locais e à partilha de boas práticas, até à criação de referenciais e programas próprios, a RBE tem vindo a construir um ecossistema de literacia sólido, plural e em permanente evolução.
Algumas etapas marcantes deste percurso:
2002-2007 Divulgação de boas práticas e criação do Blogue RBE, enquanto espaço de partilha sobre literacia da informação e dos media.
2012 (2017) Publicação do referencial Aprender com a Biblioteca Escolar, documento que estabelece os conhecimentos, capacidades, atitudes e valores a desenvolver em articulação com o currículo. Publicação revista e alargada ao Ensino Secundário em 2017.
2013-2017 Integração no GILM (Grupo Informal sobre Literacia Mediática). Realização de ações de formação específicas. Participação no estudo nacional sobre os Níveis de Literacia Mediática dos jovens do 12.º ano.
2015-2018 Disponibilização das plataformas Aprender Digital, Apps para a Educação e da ferramenta MILD – Manual de Instruções para a Literacia Digital, para apoiar o trabalho nas bibliotecas.
2019-2020 Publicação dos sítios de apoio Aprender com a Biblioteca Escolar: Atividades e Recursos e Biblioteca Escolar Digital. Estudo sobre Literacia Mediática nas Bibliotecas Escolares. Início de projetos como Da tua Biblioteca ao PÚBLICO e Debaqi.
2020-2023 Publicação de novos recursos, como o Guia Orientador para Programas de Literacia. Colaboração no estudo bYou, sobre as vivências e expressões de crianças e jovens face aos media.
2023-2025 Lançamento do programa ProLiteracias: Media e Informação com a Biblioteca Escolar e integração em projetos internacionais como Supercharged by AI e Super Searchers Portugal, reforçando o trabalho sobre os desafios da inteligência artificial e da pesquisa crítica.
Perspetivas futuras
Os desafios que se colocam às escolas e às bibliotecas escolares continuarão a ser exigentes. A complexidade do ecossistema informacional, a proliferação da desinformação, o impacto das redes sociais e da inteligência artificial tornam ainda mais relevante o trabalho das bibliotecas escolares na promoção da literacia informacional e mediática e do pensamento crítico.
Para os próximos anos, as perspetivas da RBE passam por:
Continuar a disponibilizar/ atualizar orientações, atividades e recursos de apoio dando suporte permanentemente atualizado ao trabalho das bibliotecas escolares;
Consolidar os programas de literacia mediática e informacional como parte integrante dos projetos educativos de escola, com articulação curricular e avaliação do impacto;
Reforçar a formação de professores e equipas de biblioteca, assegurando uma atualização constante face às mudanças tecnológicas e sociais;
Estimular a produção de conhecimento e investigação, em colaboração com instituições do ensino superior, para melhor compreender os contextos e necessidades das comunidades educativas;
Ampliar as parcerias nacionais e internacionais, beneficiando da diversidade de olhares e experiências;
Continuar a incentivar a voz dos alunos como produtores de informação e agentes de mudança, através de projetos colaborativos, oficinas criativas e produção de media com propósito educativo.
A Rede de Bibliotecas Escolares continuará, assim, a apresentar-se como um eixo fundamental na construção de escolas que ensinam a ler, interpretar e transformar o mundo, apostando na literacia informacional e mediática e educando para a liberdade, a cidadania e a democracia.
A escola e as bibliotecas escolares transmitem conhecimentos e formam cidadãos.
Nesta dupla missão, há um tema que raramente aborda pela dificuldade/controvérsia que representa: a migração. Este é um tema difícil e para o qual é difícil educar.
No contexto das bibliotecas escolares, porquê falar de migração?
Que mitos alimentam a opinião pública?
A importância de narrativas: factos/ evidências não bastam
Atividades com alunos
1. No contexto das bibliotecas escolares, porquê falar de migração?
Segundo Bobby Duffy [2]:
A Migração (e a religião) é o tema que mais divide as pessoas em todo o mundo, desempenhando um papel fundamental nas audiências dos media e nas tendências de voto (Brexit, eleições europeias e americanas…) e tendo efeitos no discurso de ódio/ bullying e na democracia /paz;
“As pessoas declaram percentagens muito superiores às verdadeiras” - “imigração imaginária” - (Duffy, p. 105) e, quanto maior é a sobrestimação, mais defendem políticas de restrição à migração - este é um exemplo em que as perceções transformam a realidade e a vida das pessoas, designadamente as mais vulneráveis.
No Brasil e Argentina as estimativas das pessoas é 25% mais alta do que a realidade, nos EUA 19%, em Itália 17% e na França 14% (Duffy, p. 106).
Em Portugal e, segundo dados da FFMS (2024) [3], “2 em cada 4 pessoas (43%) acham que há mais de 20% de estrangeiros no país”.
A sobrestimação consistente baseia-se numa reação emocional que reflete as nossas preocupações/medos diante do desconhecido (o estrangeiro) e a incompreensão dos factos/evidências, alimentada pelo debate político e pela comunicação social que, buscando audiências/cliques, exploram as nossas vulnerabilidades e alimentam a imagem socialmente negativa da migração (Duffy, p. 112).
Há “muito poucas reportagens sobre vidas muçulmanas comuns [e de outras comunidades de migrantes] e o impacto positivo que têm nas comunidades locais e nos países” (Duffy, p. 122). Em geral, “as informações negativas prendem mais a nossa atenção do que as positivas. Isto é consequência do nosso passado evolutivo, quando a informação negativa era quase sempre mais urgente” e a neurociência comprova, através de registos da atividade do cérebro.
2. Que mitos alimentam a opinião pública?
Hein de Haas investigou durante décadas o tema da migração, é cofundador e diretor do International Migration Institute e consultor sobre migração em organismos internacionais como a ONU, a OCDE e a UE.
O seu livro, Como Funciona Realmente a Migração organiza-se em 22 capítulos e, em cada um, desmistifica um mito, socorrendo-se de informação empírica, estatísticas, gráficos.
Segundo este sociólogo e geógrafo holandês, uma forma eficaz de abordar o tema da migração é desconstruir mitos difundidos na opinião pública. Exemplo:
Mito: Vivemos uma era de migração em massa e sem precedentes. Realidade: A percentagem de migrantes internacionais no mundo é estável.
Atualmente, apenas 3 a 3,5% da população mundial vive fora do seu país de origem, percentagem que se mantém relativamente estável desde há 50 anos e que, no início do século XX, era superior [4] - Cf. Gráfico
O que mudou foi a direção - e não a escala - da migração global:
No passado, os migrantes eram maioritariamente europeus, saindo da Europa, colonizando e povoando nações.
Atualmente, a Europa passou a ser destino, lugar de chegada e não de saída de fluxos migratórios, devido a: descolonização, aumento dos níveis de educação, envelhecimento demográfico, aumento da riqueza e escassez de mão de obra qualificada. A Europa passou a ter a mais elevada falta de mão de obra qualificada de sempre e passaram a deslocar-se para ela pessoas de outros países, sobretudo em busca de emprego.
Estes fatores explicam porque é que a migração contemporânea responde principalmente à procura de trabalho e à dinâmica espontânea de uma economia de mercado global, livre e sem fronteiras.
Conclusão: A narrativa alarmista de uma aceleração sem precedentes da migração ignora os dados históricos e estatísticos e é frequentemente instrumentalizada para fins políticos e mediáticos, em que perante uma (hipotética e falsa) “invasão”, o líder político se constituiria como o salvador, ao qual devemos dar o nosso voto. Esta forma de pensar, do caos ao cosmos por intervenção divina, está na essência do pensamento mítico e primitivo, oposto ao pensamento racional e não é corroborada pelos factos/ciência.
Por outro lado, difunde-se a imagem de que “a migração é uma torneira que se abre e fecha” e que há medidas políticas que permitem controlar as fronteiras, mas este é outro mito que a realidade mostra ser falso, segundo Hein de Haas.
É preciso normalizar o fenómeno: a migração faz parte da história e da identidade humana, sempre fez parte integrante da humanidade e existiu em todas as épocas, é inevitável - temos é que aprender a viver com ela.
Outro mito é que os migrantes são pobres e pouco qualificados. Segundo Hein de Haas, a migração é seletiva e tende a favorecer pessoas com mais qualificações. Nas suas palavras, “Pessoas com nível de educação superior movimentam-se mais. A migração é cara e exige uma certa mentalidade que resulta da educação. Migração é desenvolvimento”. Os migrantes internacionais são, na maioria dos casos, agentes ativos do seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento das sociedades de origem e destino.
3. A importância de narrativas: factos/ evidências não bastam
Segundo Hein de Haas (e Bobby Duffy) é fundamental que políticos, jornalistas, escritores - e professores - transformem o seu discurso para que a visão académica sobre os migrantes seja convergente com a da opinião pública, reflita a realidade e contribua para uma cidadania crítica e empática.
Em vez de se criarem debates “prós e contras” com uma lógica simplista e que aumenta a divisão/ polarização, o autor defende a necessidade de transformar estatísticas e dados em histórias humanas, ancoradas em experiências reais, capazes de criar identificação e envolvimento emocional com o público.
A mera apresentação de estatísticas não muda perceções, porque os números, quando apresentados de forma abstrata e descontextualizada, não geram empatia nem compreensão.
Histórias bem contadas têm o poder de traduzir conhecimento académico em mensagens acessíveis e impactantes e de combater a polarização para uma abordagem mais humanista e informada.
4. Atividades com alunos
A biblioteca escolar pode ajudar a transformar o discurso da opinião pública sobre migração também a partir de atividades criativas com os alunos:
Mapa/Tabela comparativa das migrações: ontem e hoje que inclua dados estatísticos, imagens e legendas explicativas, utilizando Canva, Google Earth, ou mapas interativos com Genially ou StoryMapJS;
Teatro documental: “Uma vida em movimento” que resulte da pesquisa de testemunhos de migrantes reais e da produção de vídeos, entrevistas, documentários e ajude a compreender a evolução dos fluxos migratórios e desconstruir a ideia de "migração em massa sem precedentes";
Estatísticas com histórias e emoções que resulte na criação de infográficos/cartazes com impacto humano que permitam responder à inumeracia emotiva (Paul Slovic) [Porque estamos tão iludidos sobre a realidade?], ligando dados numéricos a histórias reais - “10.000 pessoas cruzaram o Mediterrâneo este ano. Uma delas foi a Amina, de 17 anos, que fugiu da Líbia com o irmão...”;
Exposição fotográfica: Rostos de Migração que apresente o problema do Desvanecimento da Compaixão (Paul Slovic) [Porque estamos tão iludidos sobre a realidade?] perante crises em massa e que sugira estratégias de envolvimento e apoio a problemas atuais.
Referências
Hein de Haas. (2024). Como Funciona Realmente a Migração. Um guia factual sobre a questão que mais divide a política. Temas e debates
Duffy, Bobby. (2025). Os Perigos da Percepção. Zigurate
Envolvimento de Esposende nas comemorações de Camões
As atividades pensadas pela Rede de Bibliotecas Escolares do Concelho de Esposende, da qual fazem parte a Biblioteca Municipal Manuel de Boaventura e as Bibliotecas escolares do concelho, para aIV edição de Catraia de Livros, que decorre em Esposende entre 23 e 30 de Março e corresponde à Semana da Leitura daquele município, são dedicadas a Camões, tendo por mote “Sob a pena de Camões”.
A Rede de Bibliotecas Escolares é a entidade que, em articulação com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, promove as comemorações do V Centenário de Nascimento de Luís de Camões, que decorrem até 10 de junho de 2026.
Assinala-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas a 10 de junho, com a data de morte de Camões, elevando-se a cultura e a palavra a pilares identitários – baseado nesta circunstância Fernando Pessoa diz, “A minha pátria é a língua portuguesa”.
Para ajudar as escolas e as bibliotecas escolares a desenvolverem os seus programas de comemoração, a RBE lançou a iniciativa Camões, Engenho e Arte com propostas de atividades e recursos. É com regozijo que regista uma elevada adesão a este movimento global das Comemorações.
Mais do que uma homenagem, as Comemorações são uma oportunidade para redescobrir e reatualizar a obra de Camões, pondo-a ao serviço da formação plena dos alunos e assegurando que, no futuro, continuará a inspirar gerações.
A leitura em Esposende
Catraia de Livros “tem como objetivo celebrar e incentivar o prazer de ler, envolvendo toda a comunidade” para que livros e autores façam parte das conversas espontâneas e cada leitor encontre o livro que o faz ser leitor e, quando termina a leitura, lhe deixa um vazio que o faz querer voltar a ter essa experiência.
A leitura/escrita é fundamental porque funciona como gatilho para desenvolver todas as competências humanas (memória, imaginação, cálculo…). Isto é essencial porque a inteligência ou o pensamento - humano ou artificial - tem como matéria-prima a linguagem e se não a desenvolvermos perdemos autonomia, identidade, cultura e somos mais facilmente manipulados.
Como conquistar para a leitura/ escrita?
Esta é a pergunta para cuja resposta o mundo inteiro está mobilizado, face aos desaires que a avaliação internacional nos domínios da leitura tem evidenciado. Algumas estratégias passam por:
Criar mais oportunidades para as crianças e jovens (e a comunidade) poderem escolher livremente os livros que querem ler (personalização);
Valorizar a leitura por prazer, na escola e na família – a leitura por prazer cria o hábito que se estende à leitura orientada, por informação;
Gerar conversas espontâneas em que os jovens leitores - e elementos significativos da comunidade - partilhem o seu entusiasmo pelos livros e o processo que os levou a ser leitores, criando-se um efeito de contágio;
Apresentar a leitura sob formas e práticas muito diversas, compreendendo a leitura de forma alargada, com ligação às artes e ao património e na qual todos podem encontrar algo do seu agrado.
Esta vertente está bem representada no evento promovido em Esposende que:
Reúne feiras e apresentações de livros, teatro e leitura encenada, sessões de poesia, leituras entre turmas, exposições literárias, concertos comentados, espetáculo, tertúlias, debates, jogos, etc.
Tem como ponto de partida e inspiração um elemento da cultura local, a embarcação tradicional, a Catraia de Esposende, valorizando as especificidades culturais territoriais, identitárias e com história. Elas são fundamentais para uma maior diversidade/riqueza cultural e para participação de todos na cultura. Evocando a IFLA, voz que representa as bibliotecas no mundo, “Uma comunidade prospera por meio de sua herança cultural e morre sem ela”.
O poder da leitura/escrita Para que serve a leitura/escrita? Ajuda a:
Amar/ Revelar a vida, a liberdade, o prazer - “Sob a pena de Camões” há paixão, cravos, limões; Em “As Plantas na Obra Poética de Luiz Vaz de Camões” [programação] observa-se que a natureza guarda memória dos versos de Camões;
Traduzir em sentimentos e ideias o que procuramos – “Sob a pena”, escrevendo, criamos sentido (e construímos uma casa/lugar só nosso) e compreendemos com profundidade;
Participar criticamente, ter uma voz, assumir uma agência e, intencionalmente, a deixar uma pegada cívica - A “pena de Camões” é uma arma que re-clama/grita, resiste no “mar tempestuoso” de notícias e da vida do dia a dia. Enquanto houver guerra e não for alcançada a ambição de “não deixar ninguém para trás”, é preciso ler/ escrever, para que a paz e a humanismo existam (nas palavras, nos sonhos/imaginação);
Celebrar juntos – “Sob a pena de Camões” reconta/canta/dança-se… deixando viva a memória e firmando entre as gentes alianças e amizades como a que unem a Rede de Bibliotecas Escolares, a Rede de Bibliotecas do Concelho, a Biblioteca e Câmara Municipal e a comunidade leitora de Esposende.
NOTA:Este texto corresponde à comunicação feita na sessão de abertura do festival, no dia 21.03.2025.
Na sequência das candidaturas à 13.ª edição do Concurso Todos Contam [Prémio Escola e Prémio Professor(a)], os vencedores das diferentes categorias foram anunciados formalmente na Sessão Solene da Semana da Formação Financeira, em simultâneo com a Global Money Week.
Nas instalações da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), decorreu no dia 19 de março a sessão solene de divulgação e entrega de prémios às escolas que se distinguiram pela persistência e pela qualidade dos projetos na área da formação financeira.
Dos 72 projetos submetidos a concurso, 8 candidataram-se à subcategoria da educação pré-escolar, 14 à do 1.º ciclo do ensino básico, 9 à do 2.º ciclo do ensino básico, 13 à do 3.º ciclo do ensino básico e 28 à do ensino secundário.
Durante as intervenções dos membros responsáveis e dos colaboradores do Plano Nacional da Formação Financeira, foi referido o incremento da excelência dos projetos a concurso. Para além da atribuição dos prémios nas categorias previstas, houve ainda lugar a seis menções honrosas.
A Rede de Bibliotecas Escolares, parceira neste projeto nacional, esteve presente na sessão. Foi com grande satisfação que se constatou o papel cada vez mais interventivo das bibliotecas escolares na conceção e implementação dos projetos na área da literacia financeira, uma realidade salientada pela presidente do júri, Dra. Isabel Alçada. Este facto constitui, inequivocamente, um incentivo para a continuação e o reforço da colaboração inestimável dos professores bibliotecários.
A informação sobre os resultados do concurso pode ser consultada através do website oficial Todos Contam.
Estão ainda disponíveis informações mais detalhadas sobre a participação das escolas a nível nacional no microsite Semana da Formação Financeira.
Nos dias de hoje, é quase impossível navegar pelas redes sociais sem nos depararmos com imagens aparentemente perfeitas. Rosto impecável, pele sem marcas, olhos grandes e brilhantes, nariz afilado e lábios volumosos. Estas características, potencializadas pelos filtros de beleza e aplicações de edição de imagem, estão a criar um novo fenómeno psicológico preocupante: a dismorfia da selfie.
O que é a dismorfia da selfie?
É um transtorno em que as pessoas desenvolvem uma perceção distorcida da sua aparência, influenciada pelos padrões irreais impostos pelos filtros e editores digitais. Este fenómeno está relacionado com o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), uma condição psicológica que leva à obsessão com supostos defeitos na aparência física.
A exposição constante a imagens editadas faz com que muitas pessoas comecem a ver-se de forma negativa no mundo real, comparando-se não apenas a influenciadores e celebridades, mas também às versões irreais de si mesmas criadas pelos filtros. O impacto destas comparações pode ser devastador para a autoestima e a perceção da própria imagem corporal.
O impacto na autoestima e na saúde mental
A busca incessante pela "perfeição digital" pode levar a diversos problemas psicológicos, incluindo:
Baixa autoestima: A pessoa passa a sentir-se inadequada e insatisfeita com a sua aparência real, uma vez que nunca consegue atingir o padrão artificial criado pelos filtros.
Ansiedade social: O medo de não corresponder à imagem idealizada pode levar ao isolamento social, ao receio de se expor em ambientes públicos e até à recusa de encontros presenciais.
Depressão: A frustração constante por não atingir padrões inatingíveis pode resultar em sintomas depressivos, agravando o bem-estar emocional.
Aumento do suicídio juvenil: Estudos indicam que a pressão estética e a insatisfação corporal estão entre os fatores de risco para o aumento de taxas de suicídio entre os jovens, especialmente entre as adolescentes, que são o grupo mais vulnerável a estas influências. O impacto da comparação digital e a constante exposição a imagens inatingíveis contribuem para sentimentos de desespero e inadequação, levando alguns jovens a desenvolverem transtornos psicológicos graves.
Busca excessiva por procedimentos estéticos: Muitas pessoas recorrem a cirurgias plásticas e procedimentos invasivos para tentarem replicar a imagem filtrada na vida real, o que pode gerar arrependimento, complicações de saúde e dependência de alterações corporais constantes.
Os grupos mais afetados por esta problemática incluem adolescentes, especialmente raparigas, que estão mais expostas à pressão estética e à comparação social nas redes. Além disso, indivíduos com transtornos de ansiedade, baixa autoestima ou propensão a problemas de imagem corporal são particularmente vulneráveis. A comunidade LGBTQ+ também enfrenta desafios adicionais, devido às expectativas irreais impostas sobre a aparência e a aceitação social no ambiente digital.
A influência das redes sociais e a responsabilidade das plataformas
As redes sociais desempenham um papel fundamental na propagação destes padrões irreais. O uso de filtros tornou-se tão comum que, em muitos casos, é difícil distinguir uma foto editada de uma imagem natural. Além disso, o algoritmo das redes favorece conteúdos visualmente "perfeitos", reforçando a ideia de que só quem se encaixa nestes padrões recebe atenção e validação.
Algumas plataformas já começaram a tomar medidas para reduzir este impacto negativo, como o Instagram, que removeu certos filtros que simulavam procedimentos estéticos. No entanto, estas mudanças ainda são insuficientes, pois as aplicações de edição continuam acessíveis e amplamente utilizadas.
A responsabilidade também recai sobre os utilizadores, que devem praticar um consumo consciente de conteúdo e questionar os padrões irreais impostos pelo mundo digital.
A educação para a literacia mediática e a consciência dos efeitos psicológicos destas imagens são essenciais para mitigar os danos causados por esta tendência.
Como combater a desmorfia da selfie?
Praticar a autoestima real: Aceitar a própria aparência e valorizar características autênticas, reconhecendo que a beleza não está apenas na perfeição física, mas na individualidade.
Reduzir o uso de filtros: Evitar a dependência de edição extrema nas fotos, promovendo uma imagem mais realista e natural de si mesmo.
Seguir conteúdo positivo: Acompanhar perfis que promovem a autoaceitação e a diversidade de corpos, em vez de apenas aqueles que reforçam padrões inalcançáveis.
Fomentar um ambiente digital mais saudável: Partilhar imagens reais e incentivar conversas sobre os perigos da edição excessiva.
Procurar ajuda psicológica: Se a insatisfação com a aparência está a afetar a saúde mental, procurar um profissional é essencial; os psicólogos podem ter uma ação decisiva para trabalhar questões de autoimagem e autoestima.
O papel das bibliotecas escolares no combate à dismorfia da selfie
As bibliotecas escolares podem desempenhar um papel fundamental na promoção de uma relação mais saudável com a autoimagem e o mundo digital. Algumas formas através das quais as bibliotecas podem ajudar incluem:
Educação para a literacia mediática: Promover sessões e workshops sobre o impacto dos filtros e da edição de imagem, ajudando os alunos a compreenderem o modo como as redes sociais podem distorcer a perceção da realidade.
Criação de espaços de reflexão: Disponibilizar materiais e livros que abordem temas como autoestima, imagem corporal e os perigos da comparação digital.
Promoção de debates e campanhas de consciencialização: Organizar palestras com especialistas em psicologia e mediação digital para discutir a influência das redes sociais na perceção da autoimagem. Incentivar os alunos a criarem campanhas de sensibilização sobre o assunto.
Incentivo à representação realista da imagem corporal: Dinamizar sessões de leitura de livros e conteúdos que apresentem diversidade de corpos e narrativas que valorizem a aceitação do próprio corpo, complementadas com debates e reflexões.
Parcerias com professores e pais: Criar programas educativos que incentivem o diálogo entre alunos, professores e famílias sobre os desafios do mundo digital e a necessidade de um consumo consciente de redes sociais.
A dismorfia da selfie é um problema crescente que merece atenção. Num mundo onde a aparência digital pode ser facilmente manipulada, é fundamental reforçar que a verdadeira beleza está na autenticidade e na autoaceitação. O primeiro passo para combater este fenómeno é levar a reconhecer que não são necessários filtros para se ser belo na vida real.
Nos ambientes educativos em que nos movemos, é crucial promover um ecossistema digital mais saudável e encorajar uma relação mais equilibrada com a própria imagem. Passar a mensagem de que a beleza real é aquela que reflete quem realmente somos, sem a pressão de nos encaixarmos em padrões artificiais e inalcançáveis deve estar, também, nos objetivos das bibliotecas escolares.
Ao investirem na literacia mediática e na promoção de uma autoestima saudável, elas tornam-se agentes da prevenção da dismorfia da selfie e contribuem para o desenvolvimento de uma geração mais crítica e equilibrada em relação à sua imagem.
As nossas opiniões ou pontos de vista erróneos não decorrem apenas, nem principalmente, de desinformação, mas do modo como pensamos (razões internas) e da nossa ignorância. São estruturais, profundas e eternas e podem transformar a realidade, tendo consequências na vida das pessoas.
Este artigo propõe-se abordar as nossas opiniões erróneas a partir de um ponto de vista amplo, do qual a desinformação transmitida pela comunicação social ou redes sociais, uma das razões externas de estarmos enganados, é uma parte.
Analisa 3 das principais causas das nossas crenças ou opiniões enganosas e baseia-se no livro Os Perigos da Perceção. Talvez estejamos errados acerca de quase tudo. E há quem saiba aproveitar-se disso de Bobby Duffy, publicado pela primeira vez em 2018 e editado em 2025 em Portugal pela Zigurate.*
1. A importância de emoções e histórias
As nossas emoções influenciam o que vemos/lemos, decidem de que lado estamos e modificam o pensamento. É importante aceitar e tomar consciência do seu importante papel nas nossas opiniões sobre a realidade, sugerindo-se que as identifiquemos e escrevamos sobre elas.
Por exemplo, quando estamos muito preocupados com um problema, como o da migração, isso faz com que o sobrestimemos, considerando que tem uma maior dimensão do que a que os factos mostram. Este princípio está na base da inumeracia emotiva, conceito atribuído ao psicólogo e economista Paul Slovic que designa a nossa incapacidade natural de responder adequadamente a dados numéricos ou estatísticos.
Outro exemplo, a empatia e a nossa preocupação e ação tende a diminuir se o número de pessoas que precisam de ajuda ou morreram aumenta. Este preconceito cognitivo Slovic designou-o Desvanecimento da Compaixão/ Compassion Fade e traduz-se num entorpecimento mental perante crises em massa.
Apresentarmos números ou estatísticas e promovermos a literacia numérica não garante uma visão objetiva e racional da realidade. Segundo Slovic, para transmitir o verdadeiro significado de catástrofes e motivar para a sua prevenção, é necessário acrescentar uma componente emocional que decorre da apresentação de histórias sobre pessoas concretas.
Segundo Bobby Duffy, os estudos do Instituto IPSOS mostram que temos falta de competências matemáticas e estatísticas básicas e que damos mais importância às palavras do que aos números. Consequentemente, recomenda que, para abordar temas difíceis ou fraturantes, as histórias - mais do que a informação estatística - contribuem para modificar crenças e comportamentos. Retornando ao exemplo dos migrantes, devemos “apresentar exemplos reais envolvendo indivíduos reais, que calhou serem imigrantes, para alterar a imagem mental estereotipada dessas pessoas”. (p. 250).
Conclui, afirmando que “não há contradição entre factos e histórias (…) O poder das histórias sobre nós implica termos de levar as pessoas a interessarem-se por ambos” (p. 250).
2. Pensamos mal dos outros e que somos a norma
Quando há demasiada informação e proliferam os pontos de vista contraditórios, tendemos a considerar que nós, e os nossos amigos, correspondem ao padrão e que a maioria pensa como nós.
E somos “em geral, indevidamente negativos na nossa avaliação dos outros, temos uma tendência natural a pensar o pior dos outros - em geral, atrai-nos informação negativa. Significa isto que sofremos de um ‘viés da superioridade ilusória’, tendemos a achar que somos superiores ao cidadão médio” (p. 57). E sugere que tenhamos em mente que “As coisas não estão tão mal quanto pensamos” (p. 240)
Temos “tendência natural para procurarmos informação que confirme as nossas opiniões e evitarmos a que não o faz, lançando-nos para os braços de especialistas que corroboram as nossas opiniões preexistentes” (p. 235).
Evitamos a dissonância cognitiva, mas consultar diferentes fontes e perspetivas evita opiniões enganosas. Atualmente diversos jornais apresentam para uma pergunta dois lados da resposta e este é um exercício que as bibliotecas escolares podem solicitar às crianças e jovens.
A app Read Across the Aisle/ Ler o lado de lá [3] ajuda a escapar ao viés de confirmação e a abandonar a ideia de que os nossos pontos de vista são os dominantes e os corretos, constituindo um remédio para a polarização e o discurso de ódio.
3. O cérebro tende a simplificar e a exagerar
A paisagem mediática, na sua busca por audiências, visualizações, likes e lucro, tende a apresentar mensagens simples, fáceis de captar. E “os próprios investigadores, académicos e autores (incluindo eu mesmo!) têm motivos para simplificar as coisas: mensagens contundentes atraem mais atenção, mais financiamento e geram mais vendas de livros!” (p. 12). Perante um problema, o nosso cérebro detesta ficar na dúvida e tem apetência natural para a simplicidade, respostas únicas/soluções e arranjar culpados.
Segundo Duffy, temos uma fixação natural por exemplos extremos, generalizações/ estereótipos, que não são representativos da realidade. A comunicação social e redes sociais exploram esta vulnerabilidade - “Drama, tragédia e horror atrai a atenção”. Evocando Evan Davis, autor do livro Post-true, “Primeiro simplifica-se, depois exagera-se”. “É muito mais fácil ser-se arrastado para esta armadilha muitíssimo comum do que por qualquer coisa que envolva fake news” (p. 242).
Concluindo
Pontos de vista erróneos não se corrigem com mais informação, mas refletindo sobre como pensamos. A educação e o diálogo baseado em exemplos reais da Psicologia e da Neurociência facilitam este processo.
“Apesar da nossa visão do mundo baseada na realidade estar cada vez mais em risco, há coisas que podemos fazer” (p. 252), como:
Cultivar um saudável ceticismo, duvidando e desconfiando das primeiras impressões;
Cultivar uma certa inércia, não correndo atrás da última novidade, cuja informação não foi estabilizada;
Consumir notícias transitando da recetividade passiva para a reflexão ativa (quem, o quê, onde, quando, para quê esta notícia?), desenvolvendo a leitura lateral usada pelos verificadores de factos.
Exercitar um pensamento/ação lento, com consciência e intenção. O pensamento rápido, instintivo, não é confiável, pois tende a multiplicar os erros cognitivos. O livro Pensar Depressa e Devagar de Daniel Kahneman demonstra que a rapidez modifica a forma como compreendemos o mundo, definimos as nossas prioridades e nos comportamos e é prejudicial para o desenvolvimento.
É importante tomar consciência de que os cérebros humanos são típicos, previsíveis e que estas são ilusões sistemáticas e que há pessoas que intencionalmente as exploram para as manipular e retirar benefício próprio. Estas pessoas “constituem um risco real para a sociedade” (p. 13) porque nos afastam de uma visão objetiva e rigorosa da realidade, de um pensamento e ação livres. Entre elas destacam-se os programadores de tecnologias digitais, redes socais e IA, os influenciadores e os políticos. O uso contínuo de ferramentas digitais e IA alimenta automática e exponencialmente este sistema natural de ilusões, sem disso termos consciência, pelo que urge intervirmos.
* Sobre o autor
Duffy é professor de políticas públicas e diretor do Policy Institute no King's College de Londres. Anteriormente foi diretor de pesquisa global do IPSOS [1], Instituto com 50 anos de história e líder mundial em investigação social que publica anualmente e em acesso livre Os Perigos da Perceção/Perils of Perception e o Índice de Confiança Global/Global Trustworthiness Index, entre outros estudos.
Nos últimos anos, a gamificação tornou-se uma estratégia popular no ensino/ aprendizagem e em ambientes corporativos. A sua promessa de tornar as tarefas mais envolventes através de elementos de jogo, como recompensas, desafios e sistemas de pontos, levou a uma ampla utilização desta abordagem. No entanto, presentemente, muitos educadores e especialistas começaram a notar sinais de "fadiga da gamificação", um fenómeno em que o impacto motivacional inicial diminui com o tempo. Como alternativa, a aprendizagem baseada em jogos surge como uma abordagem mais sustentável e eficaz para o desenvolvimento de competências e a aquisição de conhecimento.
O Que é a Gamificação?
A gamificação refere-se à aplicação de elementos típicos dos jogos em contextos não lúdicos. No ensino, isto pode incluir a atribuição de pontos por completar tarefas, a criação de tabelas de classificação para incentivar a competição entre alunos ou até o uso de desafios e níveis para estruturar a aprendizagem. Os elementos típicos de jogo utilizados na gamificação incluem:
Sistemas de recompensa: Pontos, medalhas e emblemas são frequentemente utilizados para incentivar a participação e premiar conquistas.
Níveis e progressão: A estruturação da aprendizagem por níveis dá aos alunos um sentido de progresso e objetivos claros a atingir.
Tabelas de classificação: Criam um ambiente competitivo onde os alunos podem comparar o seu desempenho com o dos colegas.
Missões e desafios: Proporcionam objetivos específicos e estimulam o pensamento estratégico e a resolução de problemas.
Narrativas e temas: Inserir o conteúdo educativo numa história envolvente pode aumentar o envolvimento e tornar a aprendizagem mais significativa.
Feedback imediato: A possibilidade de os alunos receberem respostas instantâneas sobre o seu desempenho ajuda na aprendizagem e adaptação das estratégias.
O objetivo do uso de estratégias de motivação é tornar o processo educativo mais motivador e envolvente, proporcionando aos alunos experiências que favorecem a participação ativa e o desenvolvimento de competências transversais.
Os limites da gamificação
No entanto, a gamificação muitas vezes foca-se mais nos mecanismos externos de motivação do que na motivação intrínseca. Embora os sistemas de recompensas possam funcionar a curto prazo, não garantem um envolvimento profundo ou uma retenção significativa do conhecimento.
Em muitos casos, os alunos tornam-se dependentes das recompensas e, quando estas perdem o seu apelo, a motivação diminui. Isso resulta no que se pode designar por "fadiga da gamificação", processo em que o entusiasmo inicial se esgota e o envolvimento com a aprendizagem diminui drasticamente.
Assim, embora a gamificação possa ser eficaz em algumas situações, apresenta limitações significativas:
Dependência de recompensas extrínsecas: Muitos sistemas de gamificação baseiam-se em incentivos externos, como prémios ou classificações. Quando estas recompensas desaparecem, a motivação dos alunos tende a diminuir.
Foco na competição em detrimento da colaboração: As tabelas de classificação podem gerar um ambiente excessivamente competitivo, que pode ser desmotivador para alguns alunos.
Dissociação da aprendizagem significativa: Muitas abordagens gamificadas concentram-se no cumprimento de tarefas e na obtenção de recompensas, em vez de promover uma compreensão profunda dos conteúdos.
Saturação e fadiga: Quando os alunos se habituam a sistemas de pontos e desafios repetitivos, estes podem perder o seu apelo, tornando-se previsíveis e aborrecidos.
Face este desenvolvimento, muitos educadores começam a procurar alternativas que garantam um envolvimento mais autêntico e duradouro. A aprendizagem baseada em jogos surge como uma solução eficaz.
Diferença entre gamificação e aprendizagem baseada em jogos
A principal diferença entre gamificação e aprendizagem baseada em jogos reside na forma como os elementos do jogo são aplicados ao ensino/aprendizagem, uma vez que atividades similares podem constituir gamificação ou aprendizagem baseada em jogo, consoante a forma é desenvolvida e implementada.
A gamificação introduz mecânicas típicas dos jogos em contextos educativos sem alterar fundamentalmente a estrutura da aprendizagem. Ou seja, o conteúdo continua a ser transmitido de forma tradicional, mas são adicionados incentivos como pontuações, tabelas de classificação e recompensas para aumentar a motivação dos alunos. No entanto, este método tende a depender demasiado de recompensas extrínsecas, podendo perder eficácia a longo prazo.
Por outro lado, a aprendizagem baseada em jogos utiliza jogos completos como estratégia, sendo o próprio jogo a experiência de aprendizagem.
Nesta metodologia, os jogos deixam de ser apenas um complemento e passam a ser o próprio recurso de aprendizagem. Os alunos aprendem através da experiência de jogo, enfrentando desafios, tomando decisões e observando as consequências das suas ações.
Com esta abordagem, promove-se claramente a aprendizagem ativa, desafiando-se os alunos a resolverem problemas, tomarem decisões e aplicarem conhecimentos de forma prática e imersiva. Em vez de se limitarem a cumprirem tarefas para ganharem recompensas, os alunos desenvolvem competências através da interação com o jogo e das suas mecânicas, conseguindo-se deste modo um envolvimento mais profundo e significativo.
Benefícios da aprendizagem baseada em jogos
A utilização de jogos educativos apresenta várias vantagens em relação à gamificação tradicional:
Envolvimento profundo: Jogos bem concebidos proporcionam uma experiência imersiva, mantendo os alunos motivados e interessados.
Motivação intrínseca: Em vez de depender de recompensas externas, os jogos incentivam a curiosidade e o desejo de explorar e resolver problemas.
Aprendizagem experimental: Os jogos permitem que os alunos aprendam através da prática e da experimentação, reforçando conceitos de maneira mais eficaz.
Desenvolvimento de competências transversais: Além do conhecimento académico, os jogos podem desenvolver competências brandas como resolução de problemas, pensamento crítico, colaboração e criatividade.
Feedback imediato: Os jogos fornecem feedback instantâneo sobre as ações dos alunos, permitindo-lhes aprender com os erros e ajustar as suas estratégias.
O futuro da educação lúdica
O debate entre gamificação e aprendizagem baseada em jogos destaca a importância de se adotarem metodologias que efetivamente envolvam os alunos de forma significativa. Embora a gamificação tenha o seu valor em certos contextos, a aprendizagem baseada em jogos oferece um potencial maior para o desenvolvimento de competências e retenção de conhecimento a longo prazo.
A fadiga da gamificação é um reflexo das limitações de sistemas que dependem excessivamente de recompensas extrínsecas. Para criar experiências de aprendizagem mais eficazes e duradouras, os educadores devem considerar a transição para a aprendizagem baseada em jogos. Ao integrar jogos de forma intencional e pedagógica, combinando-os com metodologias de aprendizagem ativa, é possível tornar a aprendizagem mais dinâmica, interativa e, acima de tudo, significativa para os alunos.
Assim, em vez de apenas adicionar elementos de jogo ao processo educativo, é necessário repensar o modo como os jogos podem ser uma parte fundamental da aprendizagem, proporcionando desafios autênticos e experiências envolventes que preparam os alunos para o mundo real.
por Jorge Morgado, Diretor do AE de de Airães, Felgueiras
Neste momento, estarão a interrogar-se que livro de biografia terá o diretor Jorge Morgado na biblioteca? Ou questionarão se a biblioteca tem a biografia do diretor, este dito ilustre deve ser importante, por que motivo o será? Uma biografia do diretor na biblioteca, qual a razão? Discussões à parte, ficaremos com o título até ao fim do artigo e o(a) caro(a) leitor(a) irá compreender a sublimidade de tal presunção.
Nos dias de invernos a tilintar e nos sóis tórridos de verão, lembro com nostalgia, nas faldas da serrania, a aldeia da minha infância, onde, quinzenalmente, vinha uma carrinha com tons de cinza, num metal ondulado, design desconchavado, com uma porta lateral que deslizava mostrando-me, pela primeira vez, uma biblioteca. Com um nome pomposo escrito na lateral, somente anos mais tarde consegui soletrar e compreender a magnitude da denominação e ação da Fundação Calouste Gulbenkian. A biblioteca itinerante deslocava-se ao lugar do cruzeiro (centro) da aldeia e eu podia consultar e levar para casa, durante um período estipulado, o livro escolhido. Os bibliotecários, por sua vez, duas figuras masculinas com um ar de poucos amigos e sempre sisudos, não fossem os catraios levar algum livro sem autorização, registavam os procedimentos do empréstimo e devolução.
Por sua vez, a Escola Primária conseguiu, a muito custo, evidenciar um pequeno armário, carcomido pelas traças ou bichos da madeira, patenteando nos pés as lavagens sem fim ao soalho carcomido, mas a que, ingenuamente, chamávamos “biblioteca escolar”. Se, na desengonçada biblioteca itinerante, podia escolher os livros com figuras atraentes, assuntos diversificados, com capas duras e coloridas, por sua vez, na modesta e pequeno protótipo de biblioteca da escola, os minúsculos e poucos livros equilibravam-se heroicamente em duas prateleiras, com assuntos vincados ao teor escolar, amarelados pelos anos de vida e esbatidos pelo uso e fumo das casas de acolhimento.
No meu percurso escolar seguinte, já no 2.º e 3.º ciclos, guardo a recordação da biblioteca como o espaço de excelência da escola, com um ambiente tranquilo, aconchegante e disponível. Sentia-me bem naquele espaço de mobiliário cuidado, mas confesso que a descoberta dos livros de banda desenhada, de aventuras do Lucky Luke e do Astérix e Obélix, consumia-me as horas vagas, os ditos “furos”. Não sei precisar a ordem de adesão e de qual das obras gostei mais: tenho simplesmente a certeza e convicção que aprimorei competências na leitura e no conhecimento das realidades esbatidas nos livros.
Por sua vez, no ensino secundário, retenho da biblioteca a imagem de resposta à necessidade da procura seletiva de livros de leitura obrigatória e do folhear de compêndios, os vastos e fartos volumes da Enciclopédia Luso Brasileira - os meus motores de pesquisa google - para serem a referência e citação das pesquisas para os ditos “trabalhos”. O espaço tornou-se mais frio e distante, devido às exigências académicas, e o processo deixou de ser inato - para colmatar os tempos livres na adolescência, convertendo-se numa necessidade - para preenchimento e resposta ao processo de aprendizagem. A mais simples pesquisa web aparece, de modo muito incipiente, apenas no fim do meu crescimento universitário.
Compreendo agora a minha biografia na biblioteca: ajudou-me a crescer e a ser quem sou hoje. Virtualmente, não podemos “bibliotecar”, nem aprimorar os cinco sentidos e as vivências. “Bibliotecar” é sentir a vida a transformar-se com a(s) biblioteca(s) da nossa vida, que são referências sensoriais e de aprendizagens tão diversas e não podem impregnar-se em nós apenas pelo digital.
Hodiernamente, a minha biografia na biblioteca cultiva em mim a referência ao passado, é certo, mas impulsiona-me, no presente, a abrir as portas das bibliotecas nas escolas, a criar tendas de saber, a cultivar sensações e a identificar talento nas crianças e alunos que soletram silabas para formar palavras, sempre aLer mais e melhor, ainda que com o estímulo das imagens e dos chips.
Como diretor de um agrupamento, priorizo e estimo o espaço da biblioteca como lugar acolhedor e aprazível, sala de estar para as aprendizagens e sala de ser para os valores democráticos. Certamente que as consultas e pesquisas não são efetuadas no folhear da Enciclopédia Luso Brasileira, antes num motor de busca, mas nas bibliotecas do agrupamento, pela mão e sentido de rigor da professora bibliotecária, com ar muito mais caloroso e empático, deixo a responsabilidade de impregnar os cinco sentidos de crianças, jovens e agentes parceiros de aventuras de ensino e aprendizagens para a vida. Que se transformem em vivências significativas para todos!
Compreende agora o/a leitor(a) a importância de todos termos uma biografia na biblioteca, porque se em cada fase da vida crescemos com uma, mesmo sem sabermos que faz parte da nossa vida, admiravelmente a vida se encarrega de escrever, com muitas mais palavras, a nossa história. Termino de forma simples e cordial, face ao perplexo título e introdução atribulada, jurando que está mais completa a minha biografia na biblioteca.
E a do(a) leitor(a) como vai?
Agrupamento de Escolas de Airães, 10 de dezembro de 2024
Este artigo baseia-se no capítulo “O terramoto da educação”, do livro recém-publicado Artificial: a nova inteligência e a fronteira do humano de Mariano Sigman, físico e especialista de neurociência cognitiva da aprendizagem e Santiago Bilinkis, economista e especialista em tecnologia, IA e neurociência.
Com o advento das IA generativas o que devemos manter e mudar na escola?
1. É fundamental exercitar a manuscrita e cultivar a memória
Escrever à mão “tem repercussões no desenvolvimento cognitivo e na motricidade e, inclusivamente, na aquisição das competências de leitura (…) aspetos essenciais da educação”.
Por outro lado, “Sem memória, não há pensamento ou inteligência, nem artificial nem humana” e não há identidade, individual ou coletiva, nem cultura.
A inteligência, humana ou artificial, é cumulativa, desenvolve-se na base da agregação de informações e competências anteriores.
A memória é fundamental para recuperar informação e estabelecer relações entre os conhecimentos prévios e a nova informação, mantendo a coerência e a coesão narrativa - “O ‘não é preciso aprender dados de memória porque estão no Google’ assemelha-se ao ‘não é preciso somar ou multiplicar porque temos calculadoras”.
A ideia não é aprender a dizer de cor os rios de Portugal ou da Europa, mas compor uma pequena lista de rios e compreender quais são as localidades que atravessam, as populações que dividem, as atividades económicas que possibilitam, os riscos ambientais que sofrem e como se ligam e influenciam outros cursos de água, acrescentando camadas de informação e estabelecendo associações entre diferentes áreas de conhecimento.
“Este tipo de exercício intelectual exige prática e implica esforço”, mas dá lugar a uma aprendizagem profunda, que permanece de forma duradoura e na qual o aluno tem papel ativo, convocando a sua experiência e conhecimento anterior.
2. O desafio do sedentarismo intelectual
A atual utilização intensiva de IA generativas implica que corremos o risco de perder capacidades que são essenciais para a nossa autonomia/ liberdade, como “a capacidade de nos concentrarmos, as competências de leitura, o devido uso da linguagem e o pensamento lógico e matemático”.
Este retrocesso pode ser consequência “de um fenómeno a que chamamos sedentarismo cognitivo”.
É importante usar IA para potenciar e não anular as capacidades humanas. Delegar excessivamente aptidões cruciais para o nosso processo de pensamento é perder a autonomia em aspetos essenciais da vida diária e do desenvolvimento pessoal e profissional e tornarmo-nos dependentes da ferramenta.
3. É preciso mudar a avaliação na escola
O modo como se ensina e avalia tem implicações no que os alunos aprendem. Focando-nos na avaliação, ela comunica “aquilo que é preciso exercitar. É a ‘função de valor’ da rede neuronal de um estudante” e, é a partir dela, que estruturamos o que aprendemos e desenvolvemos capacidades intelectuais.
Na era das IA generativas precisamos de adotar diferentes estratégias avaliativas:
A.Recuperar o exame escrito sem consulta; B.Recuperar a oralidade, conforme propõe o psicólogo experimental Dan Ariely.
O professor entrega, no início do ano letivo, uma lista detalhada das perguntas que podem fazer parte do exame final, permite que se estude usando todas as ferramentas e, no final, o exame é oral, sem ajuda externa.
A oralidade exercita a memória, a criatividade e o pensamento, estando presente em expressões artísticas como o rap ou o trap;
C. Solicitar ao aluno uma composição ou ensaio, carregar o ChatGPT com o trabalho realizado e solicitar-lhe que o corrija.
O trabalho a avaliar pelo professor corresponde à revisão crítica, por parte do aluno, de cada uma das correções apresentadas pelo ChatGPT, justificando, uma a uma, se são relevantes e devem ser aceites. Esta é uma estratégia de cooperação entre a IA e a inteligência humana que deve ser incentivada.
4. É preciso mudar as estratégias pedagógicas
D.Conversar com o ChatGPT, tirando partido da capacidade que as IA têm de apresentar conteúdos na perspetiva de um protagonista:
‘Luís de Camões, quais são os momentos mais marcantes da expansão marítima do século XVI?’
‘Maria Antonieta, rainha de França, explica a Revolução Francesa a uma criança de 10 anos.’;
E.Recuperar o valor das perguntas, tão valorizado no diálogo socrático da Grécia Antiga.
Tradicionalmente, o foco da educação é treinar para produzir respostas e agora deve valorizar-se a construção de prompts específicas.
F.Usar o ChatGPT para autoavaliação, solicitando-lhe que gere pequenas provas escritas.
G.Aprender a desenvolver boas conversas que, segundo o ensaio Arte da Conversação de Montaigne, devem: ter em conta a ordem das ideias e argumentos, o julgamento das próprias ideias e a dúvida de si próprio, ir ao encontro do interlocutor, refletir sobre o que aprendemos com ele, manter um espírito crítico e evitar preconceitos e generalizações.
A conversa e o debate de ieias está na essência da intervenção cívica e da democracia.
H.Tirar partido da IA ligando os conteúdos aos interesses e conhecimentos prévios dos alunos:
‘Explica-me a Teoria da Relatividade de Einstein usando metáforas e exemplos do futebol’.
A estratégia H desenvolve a criatividade e a memorização e aumenta a motivação para aprender.
“A motivação é o ingrediente indispensável para ativar os mecanismos químicos cerebrais que possibilitam a aprendizagem” - sem este elemento químico, a aprendizagem não é eficaz.
A mera repetição de um estímulo, como ouvir a matéria sobre um tópico do currículo, não transforma as sinapses do cérebro, conforme descobriu o neurofisiólogo Michael Merzenich. É necessário que se produza e irrigue o cérebro com dopamina, para que este “se torne plástico e a exposição a um estímulo possa transformar os seus circuitos sinápticos”.
I.A ferramenta também está preparada para apresentar tarefas que respeitem a “zona de desenvolvimento próximo”, conceito introduzido pelo psicólogo russo Lev Vygotsky e que designa, a justa diferença entre o que aluno consegue fazer autonomamente e aquilo para o qual precisa de um tutor/mentor – sempre que se verifica esta pequena diferença a aprendizagem é mais motivadora e eficaz.
J.As IA também contribuem para uma educação personalizada que favorece a inclusão. Pode-se “Usar a IA como um tutor pode indicar ao professor em tempo real o que cada aluno está a compreender e em que aspeto particular de cada tema se sente bloqueado”. Com base nesse diagnóstico, pode propor conteúdos e exercícios diferenciados para cada aluno.
Contudo, esta ideia só será possível no futuro, pois estas plataformas só funcionam a curto prazo e para um objetivo específico – o seu contexto ou memória de curto prazo é muito reduzido - “nos dias de hoje não se pode esperar que o ChatGPT saiba o que conversou com um aluno semanas antes”.
5. As competências sociais
Na definição ampla de Jean Piaget, “a inteligência é a arte de saber o que fazer quando não sabemos o que fazer”.
Corresponde à capacidade de adaptação flexível à realidade e de resolução de problemas. Para além do raciocínio lógico, inclui capacidades sociais, emocionais e aspetos ligados à própria relação com o corpo.
É fundamental a escola criar oportunidades para desenvolver a inteligência predominantemente humana, nas quais “as crianças aprendam a estar juntas e adquiram aptidões sociais fundamentais, como partilhar, ajudar o outro ou tolerar a diferença e a frustração”, desenvolvendo resiliência social e aprendendo a gerir emoções em grupo.
É deste equilíbrio que resulta o valor da educação pública que permite a cada criança escolher livremente o seu caminho.
Uma última palavra para as bibliotecas escolares.
A linguagem é a matéria de que é feita a inteligência ou o pensamento humano, permitindo combinar todas as faculdades humanas. Representa a especificidade dos humanos em relação aos outros animais. As IA generativas marcam uma revolução porque conseguem simular este processo usando a mesma matéria-prima.
Neste contexto, como é que, no seu dia a dia, as bibliotecas escolares trabalham a oralidade e a escrita?
[1] Sigman, Mariano & Bilinkis, Santiago. (2024, nov.). Artificial - A Nova Inteligência e a Fronteira do Humano. Temas & Debates.