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Blogue RBE

Seg | 28.02.22

OCDE: Tendências para a educação em 2022

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O relatório Trends Shaping Education 2022 [1], apresentado a 18 de janeiro de 2022 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), alerta para o papel que a educação deve assumir num mundo que se confronta com inúmeros desafios - mudanças climáticas, pandemia, desigualdade económicas.

Os sistemas de ensino devem preparar os alunos para novas formas de viver e de trabalhar e, sobretudo, para que possam encontrar respostas a desafios que ainda não conhecemos.

O documento, que examina as principais tendências económicas, políticas, sociais e tecnológicas com impacto na educação, assume-se como uma proposta aberta que visa promover a reflexão sobre o futuro dos sistemas educativos, não só junto dos decisores políticos, mas também do público em geral.

O relatório está organizado em cinco capítulos, onde são colocadas várias questões para reflexão.

  1. Crescimento

O relatório aponta para a necessidade de apostar numa oferta de educação de elevada qualidade e ao longo da vida, que proporcione a qualificação a todos os cidadãos, independentemente da sua idade. A educação deverá ainda contribuir para o aumento da consciência ambiental e para o desenvolvimento de competências técnicas e pensamento crítico.

  1. Vida e trabalho

Neste capítulo, é destacado o aumento do trabalho flexível, nomeadamente a meio tempo e o teletrabalho. A necessidade de formar cidadãos que se adaptem a novos desafios implica a aposta em sistemas de aprendizagem ao longo da vida eficazes. É também reforçada a importância dos sistemas de reconhecimento e validação de competências.

  1. Conhecimento e poder

A relação que se estabelece entre o conhecimento e o poder é o tema deste terceiro capítulo que chama a atenção para a importância da ética, transparência, responsabilidade e inclusão na utilização do conhecimento, pois só assim será utilizado de forma eficaz, quer individual quer coletivamente. 

  1. Identidade e pertença

Num mundo cada vez mais global e diverso, as questões da identidade e pertença tornam-se prementes. Os sistemas educativos devem encontrar respostas que permitam reduzir a fragmentação e discriminação e, nesse sentido, que permitam a personalização do ensino às necessidades de diferentes alunos.

  1. Natureza em mudança

No último capítulo, são abordadas as questões relativas ao equilíbrio que se deve encontrar entre a tecnologia e o humano. Neste contexto, deve apostar-se no bem-estar individual, coletivo e planetário.

 

Referências

[1] OECD (2022). Trends Shaping Education 2022. Paris: OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/6ae8771a-en
[2] Fonte da imagem: Foto de Andrea Piacquadio no Pexels

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Sex | 25.02.22

Que papel têm os jovens na governação?

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Vivemos uma democracia e paz formal ou técnica (eleições, acordos de cessar-fogo…), simples “ritual”, diz José Saramago, que se traduz na desvalorização e desrespeito disseminado pelas instituições, em focos de violência, discriminação e atitudes de egoísmo, indiferença e apatia perante pessoas e mundo.

Nas palavras do cidadão, escritor e Nobel da Literatura português, “Interrogo-me como é que é possível assistir à injustiça, à miséria, à dor, sem sentir a obrigação moral de transformar aquilo a que estamos a assistir. Quando observamos à nossa volta vemos que as coisas não funcionam bem: gastam-se quantias exorbitantes para mandar um aparelho explorar Marte enquanto centenas de milhares de pessoas não têm nada para se alimentar. Por um certo automatismo verbal e mental, falamos de democracia quando da realidade dela não nos resta mais que um conjunto de ritos, de gestos repetidos mecanicamente. Os homens e os intelectuais, enquanto cidadãos, têm a obrigação de abrir os olhos” [1].

Para que se possa construir uma democracia e paz positivas, estruturais e mais completas, é necessário que, em todas as áreas de desenvolvimento se trabalhe de acordo com uma lógica de prevenção, inclusão e emancipação, desenvolvendo um modelo circular/ integrado/ sustentável.

Este modelo coloca no centro o cidadão e a população local que, através da sua participação - dar voz, respeitando e valorizando o lugar de fala de cada um - mediante processos de baixo para cima (bottom-up civic participation) informais, contribuem para a transformação dos contextos, de acordo com as necessidades de quem neles habita.

Esta construção aberta/ coletiva e ativa/ transformadora da democracia e paz tem lugar no contexto da Quarta Revolução Industrial em curso, ancorada na CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

Tecnologia digital, uma das principais vertentes desta Revolução, é relevante no trabalho (todos os setores e carreiras) e forma como interagimos, nos divertimos e realizamos tarefas no dia-a-dia. Gera oportunidades para as pessoas aprenderem, por si próprias e umas com as outras, ao longo da vida e cria comunidades que aprendem juntas o que necessitam. 
 
A biblioteca escolar incentiva a tendência de as pessoas trabalharem em grupos/ círculos, presenciais e na internet, nos quais partilham histórias, experiências, ideias e emoções, tendo por base leitura e currículo nas suas múltiplas ligações literárias/ científicas e à experiência de cada um.

Através do diálogo/ conversação, constroem um saber significativo e útil que envolve diversas componentes - cognitiva/ científica, emocional/ social, cultural/ artística - e confere sentido de pertença e bem-estar.

A complexidade dos problemas acentua a capacidade, vontade e necessidade interior dos cidadãos participarem nas decisões de governação que os afetam.

A utilização em massa de tecnologias digitais, designadamente redes sociais, ajuda a chamar, reunir e a trabalhar/ agir em conjunto, dando voz à participação informal de diversos atores - cidadãos, associações e organizações internacionais, movimentos inorgânicos - mediadores fundamentais da governação na era da globalização e do digital.

A participação aberta aos cidadãos exerce-se de muitas formas, inclusive através de desobediência civil: manifestações e contra manifestações de rua, abaixo-assinados, petições, cartas abertas na imprensa, greves. 
O livro do venezuelano Moisés Naím, O Fim do Poder [2] reconhece, com base em evidências, que celebramos a decadência do poder. É fácil adquiri-lo e perdê-lo, mas é difícil exercê-lo, pelo que é necessário e urgente proceder à inovação política que passa pela incorporação da participação dos cidadãos nas decisões de governação.

Em Portugal a orientação do governo de modernização da administração pública, levou-o a aderir ao Open Government Paternership [3], organização que visa o desenvolvimento de um governo aberto e a participação cívica dos cidadãos no Estado para melhorar os serviços públicos.

Neste contexto enquadra-se o Orçamento Participativo das Escolas em que as crianças e jovens criam um projeto local que o governo ajuda a financiar.

Este modelo de governação é particularmente importante em situações de crise como a pandemia, em que Estado, empresas privadas e cidadãos se unem e trabalham em conjunto para um mesmo propósito.

Neste contexto de crescente complexidade, em que ações dos cidadãos podem ter impacto e alcance indeterminado/ exponencial, a formação de cidadãos competentes, críticos e solidários é uma prioridade para a Rede de Bibliotecas Escolares. 


Sabendo que os problemas da sociedade dizem respeito a todos e à biblioteca escolar, a RBE foca o seu Quadro Estratégico [4]:
- Nas Pessoas, incentivando a capacidade, vontade e necessidade interior das crianças e jovens participarem nas decisões de governação que os afetam, em ligação aos diversos parceiros da biblioteca, pois o impacto é reduzido trabalhando-se circunscrito à sala de aula.
- Na atenção à Realidade VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity - Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade);
- Em Valores fundamentais, como liberdade, equidade e participação. 
Visa inverter as perceções dos jovens de que a sua voz e ação não são tidas em conta na sociedade, conforme destacou o último PISA (Programme for International Students Assessment) de 2018 que mostra que as perceções dos jovens sobre a possibilidade da sua ação fazer diferença na resolução de problemas globais, como mudanças climáticas, é reduzida [5].
Trabalha para que cada um encontre o seu lugar na escola e sociedade e tenha oportunidades para desenvolver as suas potencialidades, de acordo com as próprias características e condições. 

Referências
1. Costa, F. (2004, 12 de abril). “José Saramago, crítica da razão impura” [Entrevista], in: Aguilera, F. (2010). José Saramago nas suas palavras. S.l.: Editorial Caminho. https://www.fnac.pt/Jose-Saramago-Nas-Suas-Palavras-Fernando-GomezAguilera/a330039 
2. Naím, M. (2014, jan.). O Fim do Poder: Dos Conselhos de Administração aos Campos de Batalha, às Igrejas e aos Estados. Porque ter poder já não é o que era. S.l.: Gradiva. https://www.gradiva.pt/catalogo/14926/o-fim-do-poder- 
3. Agência para a Modernização Administrativa, IP (2018). Open Government Partnership Portugal. Portugal: AMA. https://ogp.eportugal.gov.pt/inicio 
4. Portugal. Rede de Bibliotecas Escolares (2021). Bibliotecas Escolares: presentes para o futuro. Programa Rede de Bibliotecas Escolares: Quadro estratégico: 2021-2027. https://rbe.mec.pt/np4/file/890/qe__21.27.pdf  
5. Neste estudo participaram 79 países e mais de 600 000 alunos (5932 alunos em Portugal). Organisation for Economic Co-operation and Development. (2021, 25 Jan.). Green at fifteen – what schools can do to support the climate. France: OECD. https://oecdedutoday.com/green-at-fifteen-schools-support-climate/ 
6. Fonte da imagem: Organisation for Economic Co-operation and Development. (2021, 25 Jan.). Green at fifteen – what schools can do to support the climate. France: OECD. https://oecdedutoday.com/green-at-fifteen-schools-support-climate/ 

 

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Qui | 24.02.22

Inteligência Artificial nas bibliotecas

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O principal objetivo da Inteligência Artificial (IA) é desenvolver tecnologias que tenham a capacidade de simular as ações humanas e de “pensar” de forma lógica, criando soluções para os mais variados aspetos da vida.

Um dos resultados práticos mais evidentes das tecnologias de IA é a modernização das empresas, no entanto nos tempos mais recentes temos assistido à sua disseminação pelos mais variados aspetos da vida, havendo a consciência de que essa penetração vai aumentar exponencialmente.

Naturalmente, a sua utilização chega também a áreas das humanidades e, como não poderia deixar de acontecer, à educação.

Em 2021, a OCDE apresentou o documento Pushing the Frontiers with Artificial Intelligence, Blockchain and Robots, que equaciona o modo como as tecnologias - incluindo inteligência artificial (IA), learning analytics, robótica e outras – podem transformar o universo educativo, tal como tem vindo a transformar, de um modo geral, as sociedades. (Blogue RBE: Inteligência Artificial, Blockchain e Robôs e outras tecnologias na transformação da educação).

Já em janeiro de 2022, com a consciência de que as tecnologias da IA estão a produzir resultados notáveis em campos altamente especializados, podendo também ajudar a combater problemas globais, mas que traz simultaneamente desafios sem precedentes, os Estados-membros da UNESCO adotam o Acordo Mundial sobre Ética da Inteligência Artificial (IA). (Blogue RBE: Estados-membros da UNESCO adotam o Acordo Mundial sobre Ética da Inteligência Artificial).

Também em janeiro de 2022, a IFLA publicou a atualização do seu Relatório de tendências (referente a 2021), chamando a atenção para o facto de, graças à IA, a forma como se encontra a informação se revolucionar, transformando a pesquisa e tornando possível fornecer aos utilizadores resultados cada vez mais precisos. Este relatório evidencia igualmente que novos usos e aplicações de dados (estreitamente relacionados com a IA) alteram dramaticamente a vida económica e social, tornando cada vez mais essencial que as pessoas aprendam a lidar com eles. (Blogue RBE: Relatório de tendências da IFLA 2021)

A IA é, portanto, uma questão que está a alterar significativamente, também, o trabalho na área das bibliotecas e sobre a qual todos os profissionais ligados à ciência da informação devem refletir e tomar decisões. As bibliotecas escolares e os professores bibliotecários não estão dispensados dessa tarefa. A Biblioteca Nacional da Holanda (KB) já pensou sobre o assunto e conhecer os princípios que definiu pode ajudar todos os profissionais interessados.

Embora consciente de que a IA desempenha um papel cada vez mais importante na leitura, aprendizagem e investigação, atividades centrais das bibliotecas, e apreciando as grandes possibilidades que oferece para as ajudar a cumprir a sua missão de tornar os utilizadores mais inteligentes, mais criativos e mais competentes, a Biblioteca Nacional da Holanda (KB) não fecha os olhos a efeitos secundários imprevistos e indesejáveis, que podem levantar questões éticas, talvez mais do que outras formas de transformação digital.

Sentindo a sua responsabilidade na abordagem destas questões, formulou sete princípios que considera que qualquer aplicação de IA no contexto de biblioteca deve cumprir, os quais tomam como fundamento o seu potencial e os seus benefícios e, ao mesmo tempo, dão diretrizes para evitar armadilhas éticas.

O ponto de partida para definir estes princípios (sintetizados na imagem abaixo) é a premissa central da ONU que afirma que a IA pode e deve ser usada para fazer do mundo um lugar melhor, conforme definido nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que guiam muitas iniciativas e projetos que a incluem.

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  1. Acessibilidade

A biblioteca utiliza a IA principalmente para tornar a informação acessível ao público e para promover a capacitação (digital) de todos os cidadãos.

A IA é usada para ajudar a biblioteca a cumprir a sua missão de preservar a informação e tornar a maior quantidade possível acessível aos utilizadores atuais e futuros para lerem, aprenderem e pesquisarem. A aplicação de IA em bibliotecas deve apoiar os ODS, especificamente o ODS 16.10, fornecendo acesso público à informação, e o ODS 4.6 promovendo a alfabetização e a numeracia.

 

  1. Robustez

A biblioteca trabalha apenas com aplicações de IA que são robustamente concebidas e desenvolvidas e cuja utilização é fiável.

As aplicações de IA são aplicações de software que devem satisfazer padrões elevados. A sua robustez é determinada pela qualidade do design, realização, testes, manutenção e documentação. Os fornecedores de IA devem utilizar métodos comprovados, normas, estruturas e certificações de engenharia de software, complementadas com novas normas para algoritmos de aprendizagem de máquinas e conjuntos de dados para formação e testes.

 

  1. Inclusão

A biblioteca só desenvolve e utiliza conjuntos de dados e aplicações de IA que sejam inclusivas.

A biblioteca tem um papel na criação de IA inclusiva, disponibilizando conjuntos de dados para formação e testes de aplicações de IA imparciais, ou explicáveis tendo em conta a idade, etnia, religião, identidade de género, orientação sexual, origem e preferência política.

Mais importante do que prevenir o enviesamento, a que toda a IA é inerentemente suscetível, é saber onde e em que medida este ocorre, para poder ser eliminado ou compensado, mantendo assim a inclusão.

 

  1. Neutralidade

A biblioteca não desenvolve nem utiliza aplicações de IA que visem manipular o comportamento ou pensamento das pessoas.

Embora os sistemas de IA sejam concebidos para apoiar os seres humanos na tomada de decisões e escolhas, isso nunca pode ser mal utilizado, orientando os utilizadores para direções que eles não escolheriam fora do contexto da IA.

A neutralidade dos sistemas de IA pode ser influenciada por dados e algoritmos direcionados, pelo que a biblioteca deve assumir o seu papel de perito neutro e orientar os seus utilizadores, fornecendo conselhos decorrentes de dados e algoritmos neutros.

 

  1. Controle humano

A biblioteca apenas desenvolve e utiliza aplicações de IA que têm, por princípio, em pontos cruciais, alguma forma de monitorização por um humano. "Nenhum humano, nenhuma IA".

A IA serve para apoiar as atividades humanas, mas não deve atuar como um sistema de decisão independente; pode executar muitas tarefas de forma independente, mas deve, em pontos cruciais, ser controlada por pessoas que, em última análise, decidem.

 

  1. Transparência

De preferência e sempre que possível, a biblioteca só desenvolve e utiliza aplicações de IA cujos algoritmos, dados e métodos são transparentes.

A IA não pode ser uma "caixa negra" da qual nem o desenhador consegue explicar como é que se chega a uma conclusão. A transparência pode ser alcançada através da aplicação dos conhecimentos da IA Explicável (XAI). Uma premissa importante da XAI é o “direito a uma explicação” da forma como um sistema de IA chegou a determinada conclusão, especialmente se ela tiver implicações financeiras, legais, ou sociais.

 

  1. Segurança

A biblioteca apenas desenvolve e utiliza aplicações de IA sobre as quais existe a certeza de que respeitam a privacidade dos empregados e utilizadores.

Existe uma extensa legislação sobre privacidade, sobretudo no contexto dos sistemas informáticos, que se aplica também aos sistemas de IA. Existe uma preocupação social substancial, compreensível e justificável, sobre a privacidade em relação à IA. O papel das bibliotecas não é minimizar estas preocupações, mas, pelo contrário, ser um porto seguro, um lugar onde tudo o que é privado é respeitado e protegido.

Referência

Van Wessel, Jan Willem.AI in Libraries: Seven Principles. Zenodo, 2020. https://zenodo.org/record/3865344#.YhXwhujP23A

 

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Qua | 23.02.22

História(s) do Convento em Mafra

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Para José Saramago a História é uma construção do passado numa perspetiva parcial/ ideológica dos homens que tiveram voz/ poder e parcelar/ fragmentada dos grandes acontecimentos e figuras notáveis. 

Questionando estes pontos de vista, nos seus romances Saramago dá visibilidade - e vida - a pessoas anónimas e sem voz/ silenciadas e contextualiza e integra os acontecimentos históricos - “A minha intenção é a procura do que ficou no esquecimento da História” (Aguilera [p. 273]) [1].

Através da imaginação e ficção criadora expande o discurso histórico oficial, apresentando outros pontos de vista/ versões que agregam e suprimem factos, alteram protagonistas, ficcionam o que ficou por contar/ não-dito, expressam o fortuito e mistério.

Esta desconstrução da História convencional é evidenciada no romance Memorial do Convento (1982), cujos protagonistas são Blimunda, mulher que vê o interior das pessoas em jejum e capta as vontades para construir a passarola e Baltazar, soldado que perdeu uma mão na guerra. Vivem uma história de amor abençoada pelo padre Bartolomeu Gusmão, cujo sonho é voar numa passarola. Estas personagens inventadas cruzam-se com o faustoso reinado de D. João V, rei caprichoso que promete erguer um convento em Mafra caso a rainha D. Josefa lhe dê herdeiro para o trono e a gente anónima e oprimida que constrói este convento. 

Ao acrescentar significado ao discurso histórico consolidado, Saramago projeta, para o presente, acontecimentos passados - “Eu entendo a História num sentido sincrónico, onde tudo acontece simultaneamente […]. Para mim, tudo o que ocorreu está a ocorrer. E isto é novo, como afirmava Benedetto Croce ao escrever: ‘Toda a história é história contemporânea’” (Aguilera [pp. 272, 273]).

A literatura pode completar a História, integrando-a no contexto e acrescentando-lhe outros pontos de vista? 

Há acontecimentos históricos – e símbolos - que devem ser revistos/ contextualizados à luz dos valores e visão do mundo da sociedade cosmopolita em que vivemos, para todos reconheçam a História como sua?

História(s) por resgatar e construir [2] é uma atividade proposta pela Rede de Bibliotecas Escolares que desafia crianças e jovens a construírem, através da literatura ou outras disciplinas, uma visão partilhada da História que integre pessoas e culturas que tenham permanecido na sombra do poder/ discurso oficial e que proporcione sentido de pertença e enraizamento. 

Referências

  1. Aguilera, F. (2010, nov.). José Saramago nas suas palavras (2,ª Ed., p. 13). Alfragide: Editorial Caminho.
  2. Rede de Bibliotecas Escolares. (2022). História(s) por resgatar e construir. Lisboa: RBE. https://www.rbe.mec.pt/np4/1980.html
  3. Fonte da imagem: Câmara Municipal de Loures, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa 2020.  (2021). Rota memorial do convento. CML, CML, Lisboa 2020.  https://www.rotamemorialdoconvento.pt/pt/#pll_switcher

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Ter | 22.02.22

Literacia da Informação e dos Media ao serviço do bem público

Literacia da informação e dos media, uma emergência educativa

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Capacitar para utilizar conteúdos de internet, incluindo informação, para o bem da sociedade e para apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é um objetivo chave da Literacia da Informação e dos Media.

Estas competências dos cidadãos permitem assegurar acesso público à informação e dizem respeito a todos os ODS, incluindo à realização do objetivo (16.10), sendo absolutamente necessário dominar um conjunto de competências que possibilitam a sensibilização e a participação, assim como a compreensão dos contextos sociais dos conteúdos.

Ao aprenderem a descodificar e construir mensagens através de uma ampla gama de fornecedores de conteúdos, os cidadãos podem ter uma melhor compreensão do modo como o acesso à informação e às liberdades fundamentais podem ajudar a garantir que as suas sociedades sejam seguras, resilientes e sustentáveis.

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Para ser possível colocar a Literacia da Informação e dos Media ao serviço do bem público, é necessário:

  • Compreender que esta implica uma combinação de competências relativas a conteúdos, instituições (como as empresas de meios de comunicação e de Internet) e saber fazer digital, as quais incluem conhecimentos e capacidades, atitudes e valores;

  • Reconhecer que os cidadãos precisam de conhecimentos para encontrarem, utilizarem e criarem informação dentro da enorme massa de outros tipos de conteúdos;

  • Assegurar que todas as gerações, assim como as mulheres, homens e grupos marginalizados, tais como pessoas que vivem com deficiência, povos indígenas ou minorias, devem ter igual acesso a essas competências;

  • Entender a Literacia da Informação e dos Media como uma ajuda essencial para o diálogo intercultural, a compreensão mútua e a literacia cultural;

  • Desenvolver políticas e estratégias nacionais para tornar a Literacia da Informação e dos Media uma realidade em todas as sociedades.

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Com a consciência da vocação tradicional das bibliotecas para proporcionar acesso à informação, seja através da disponibilização de recursos (hoje tanto físicos como digitais), seja através da capacitação dos seus utilizadores para o uso dessa informação, a Rede de Bibliotecas Escolares tem recorrentemente apelado ao trabalho das bibliotecas nesta área que, hoje, mescla a informação e o uso competente dos media de forma indissociável.

Em 2012, foi publicado um documento estruturante do trabalho das bibliotecas escolares, o referencial Aprender com a biblioteca escolar, que orienta o trabalho das bibliotecas escolares nas áreas da leitura, da informação e dos media, competências indispensáveis à vida e participação plenas. Este documento tem vindo a ser desenvolvido; teve uma segunda edição em 2017 e conta presentemente com um sítio de apoio, Aprender com a biblioteca escolar: atividades e recursos, e, recentemente, com um Guia Orientador - Aprender com a biblioteca escolar: programa para o desenvolvimento de literacias.
O Quadro Estratégico da RBE, define este trabalho como umas das áreas estratégicas a exigir atenção das bibliotecas escolares entre 2021 e 2027. 

É tempo de agir!
Tal como se tem demonstrado nesta série de artigos que hoje se encerra, os tempos atuais vêm mostrando a urgência do desenvolvimento destas competências sob pena de não se cumprir verdadeiramente a função da escola. É por isso que as bibliotecas, como historicamente sempre fizeram, têm que se colocar na vanguarda desta luta e, primeiro, convencer as suas comunidades desta emergência e, depois, colaborar com elas no desenho de programas estruturados e sistemáticos de Literacia da informação e dos Media e na implementação desses programas. Sem isso, o nosso trabalho ficará muito aquém do necessário.

Este artigo foi adaptado de: Media and Information Literacy: The time to act is now! [2]


Leia os outros artigos da série Literacia da Informação e dos Media, uma emergência educativa:
Criação e uso de conteúdos online: evolução e importância
O desafio de verificar e avaliar a informação
A importância da Informação e dos Media na vida quotidiana
Lutar contra os estereótipos e pelo direito à igualdade
O poder da Inteligência Artificial

Referências

  1. Portugal. Rede de Bibliotecas Escolares (2021). Bibliotecas Escolares: presentes para o futuro. Programa Rede de Bibliotecas Escolares: Quadro estratégico: 2021-2027https://rbe.mec.pt/np4/file/890/qe__21.27.pdf
  2. UNESCO (2021). Media and Information Literacy: The time to act is now! https://en.unesco.org/sites/default/files/mil_curriculum_second_edition_summary_en.pdf

  3. Fonte da imagem: UNESCO (2021). Media and Information Literacy: The time to act is now! https://en.unesco.org/sites/default/files/mil_curriculum_second_edition_summary_en.pdf

 

 

 

 

 

 

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Seg | 21.02.22

“Uivemos, disse o cão – Livro das Vozes”

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José Saramago tem uma visão crítica do jornalismo e media, decorrente da sua profunda experiência, vida inteira ligada à imprensa escrita:

- Entre 1968 e 1978 publicou crónicas literárias e políticas, principalmente em A Capital, Jornal do Fundão e Diário de Lisboa [1];
- Exerceu funções de editorialista (Diário de Lisboa, 1973) e de diretor-adjunto (Diário de Notícias, 1975);
- Deu inúmeras entrevistas em todo o mundo: “Creio que me fizeram todas as perguntas possíveis. Eu próprio, se fosse jornalista, não saberia o que perguntar-me” [2].

Por nunca ter trabalhado exclusivamente como jornalista de redação, considera que “nunca fui um verdadeiro jornalista. Nunca escrevi uma notícia, nunca fiz uma entrevista, nunca fiz uma reportagem.” (Aguilera, 2010 [p. 85]).

O romance Ensaio sobre a Lucidez aborda jornalismo e media num cenário distópico: a maioria da população vota em branco.
Trata-se de uma reflexão crítica sobre a sociedade atual que levanta questões:
- Questões sobre a natureza egoísta, passiva e indiferente do ser humano: “votei [em branco] como me apeteceu dentro da lei, agora vocês que se amanhem” [3]:
Quando todos os candidatos às eleições não têm qualidade para o cargo que pretendem vir a ocupar, é lúcido votar-se?
Não se respeitando e cumprindo um direito (por exemplo, ao voto), através do dever respetivo, esse direito continua a existir?
Os direitos humanos são individuais e formais?
Que estratégias devemos adotar para a valorização da vida política e instituições?
A participação política (dar voz) integrada/ multidimensional dos cidadãos, através da discussão de problemas de âmbito local, fortalece a democracia?

“Movidos pela compreensível ansiedade de disparar e caçar em todas as direções, houve jornais que pensaram poder lutar contra o absentismo dos compradores salpicando as suas páginas de corpos despidos em novos jardins das delícias [… mas os leitores] continuaram pelo alheamento, pela indiferença e até mesmo pela náusea, a fazer descer tiragens e vendas.” (Saramago, 2020 [p. 49]).
Como é que pode haver interesse pelo jornalismo quando as empresas jornalísticas…
… Vivem da procura de audiências/ likes, através do sensacionalismo e da polémica?
“Os títulos de abertura atraíam a atenção dos curiosos, eram enormes, garrafais, outros, nas páginas interiores, de tamanho normal, mas todos pareciam ter nascido da cabeça de um mesmo génio da síntese titulativa” (Saramago, 2020 [p. 109]).
… Através da publicação de informação inútil e de entretenimento, impedem o leitor de focar-se e pensar criticamente os problemas, a realidade?
“Precisamente o que, arrebatados por entusiasmo profissional e de imparável ansiedade informativa, já andam a fazer os jornalistas da imprensa, da rádio e da televisão, correndo de um lado para o outro, metendo gravadores e microfones à cara das pessoas, perguntando, Que foi que o fez sair de casa às quatro horas para ir votar, não lhe parece incrível que toda a gente tenha descido à rua ao mesmo tempo, ouvindo respostas secas ou agressivas como […] Quanto lhe pagam para fazer perguntas estúpidas” (Saramago, 2020 [p. 23]).
“[…] o que importa é que a notícia da comunicação ao país seja anunciada já e repetida minuto a minuto” (Saramago, 2020 [p. 168]).
Estas estratégias, a par da desinformação (fake news), são novas formas de censura - controlo, manipulação e silenciamento?
Como tornar os jornalistas responsáveis pela denuncia dos problemas sociais e melhoria do planeta?

Ensaio sobre a Lucidez (2004) tem por cenário a cidade de Ensaio sobre a Cegueira (1995), inclui personagens comuns, como a Mulher do Médico e os seus acontecimentos ocorrem quatro anos depois da situação de cegueira branca, apesar de ter sido escrito nove anos mais tarde.


“Uivemos, diz o cão” é a epígrafe do Ensaio sobre a Lucidez retirada de um livro imaginário, o Livro das Vozes, que instiga o leitor à reflexão e envolvimento.

Referências
1. As crónicas de José Saramago estão reunidas nos livros: Deste Mundo e do Outro (1971), A Bagagem do Viajante (1973), As Opiniões que o DL Teve (1974), Os Apontamentos (1976), Folhas Políticas (1999).
2. Aguilera, F. (2010, nov.). José Saramago nas suas palavras (2,ª Ed., p. 13). Alfragide: Editorial Caminho.
3. Saramago, J. (2020). Ensaio sobre a Lucidez (6.ª Ed., p. 133). Lisboa: Porto Editora.
4. Welsh, D. (2019, 17 nov.). Unsplash. https://unsplash.com/photos/zBU8dMscx4M

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Sex | 18.02.22

A informação objetiva é uma impossibilidade

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“Da informação objetiva pode dizer-se o mesmo que da quadratura do círculo (redução a um quadrado de área equivalente): que é uma impossibilidade”, afirma José Saramago num seminário organizado pela Universidade Menéndez Pelayo e a EFE, agência de notícias internacional [1].

Fazem sentido as expressões “uma imagem vale mil palavras” ou “factos são factos”?

Imagens podem ser modificadas, na sua criação e partilha: “a luz, o ângulo de focagem ou a lente utilizada, podem subjetivar o que nos está a ser mostrado”, pelo que “necessitam muitas vezes de um texto que as explique” e contextualize.

Cada facto/ efeito é consequência de factos anteriores e causa de acontecimentos futuros, pertencendo a uma rede de causas e efeitos que seria importante identificar e compreender, mas que ultrapassa os limites da razão humana, ainda que ampliada auxiliada com tecnologia digital.

A linguagem é um instrumento de expressão e comunicação subjetivo. Está condicionada por ideologia (política, religiosa…), classe social, interesses corporativos ligados à profissão ou grupo a que pertence, costumes, cultura, sentimentos e contexto histórico.

“Considero o ponto de vista como uma questão fundamental em tudo quanto se refere à informação”, pois “Ao mudar o ponto donde se vê, mudará igualmente aquilo que é visto.” Segundo Saramago, ponto de vista de cada um é marcado pela visão do mundo e linguagem partilhada pela comunidade, pois “não podemos pensar [ou percecionar/ imaginar] fora do pensado”.

Consequentemente, “Toda a informação é subjetiva e não pode evitar sê-lo”, na origem, transmissão, receção.

Neste seminário Saramago questiona o caráter aparente e ilusório das “retas objetividades” da informação, tal como da sua neutralidade - é um ideal “impossível de alcançar”, bem como da liberdade ou independência do jornalismo - as relações de cumplicidade (“cordão umbilical ”) que o jornalismo estabelece com os partidos políticos e governo e os grandes grupos económicos e banca, justificam “a velha frase que diz que os jornais servem para vender clientes [os leitores] aos anunciantes” que financiam os jornais a troco de publicidade: “a simples ameaça de retirada da publicidade é suficiente para que nenhum jornal ouse denunciar abusos notórios”.

Destaca a possibilidade da imprensa e televisão manipularem a opinião dos leitores com base em duas tendências em crescente expansão:

- A dos fazedores de opinião (opinion makers), novos oráculos - politólogos, comentadores, influenciadores… - que retiram ao leitor/ consumidor de informação liberdade para construir ideias e sentimentos a partir da realidade. Os seus pontos de vista resultam, à partida, “da ação de penetração que os denominados criadores de opinião vieram operando no seu espírito”, confundindo-se facto com opinião;

- As “mil possibilidades [de repetição e ampliação de notícias através] da técnica, vimo-lo com zoom, sem zoom, em plongée, em contre-plongée, de um ângulo, do ângulo oposto, em travelling, de frente, de perfil. E também, interminável, ao ralenti…” transformam a sensibilidade do leitor, distanciando-o da realidade e tornando-o indiferente e passivo, cego, perante os problemas da sociedade. Diante do espetáculo/ superficialidade do mundo que a televisão transmite, inclusive nos telejornais, o espetador adota a atitude de cinéfilo, alienando-se do essencial das pessoas e realidade.

A internet amplia: o distanciamento do cibernauta perante os outros seres humanos; a desumanização, tornando a informação absurda, destituída de propósito; a ignorância porque o acesso ao labirinto de informação depende exclusivamente da habilidade técnica ou funcional de pesquisa, através de múltiplas plataformas/ ferramentas digitais. A informação não transforma o ser humano, tornando-o mais sábio, próximo ou solidário em relação aos outros seres humanos e planeta – “Vemos concretizar-se o cenário de pesadelo anunciado pela ficção-científica: alguém encerrado no seu apartamento, isolado de todos e de tudo, na mais angustiosa solidão, mas ligado por internet e em comunicação com todo o planeta.”

Como é que a biblioteca escolar consciencializa crianças e jovens e a comunidade sobre os limites do jornalismo e da informação?

As notícias dos media (imprensa, televisão, internet) são construções subjetivas de palavras, representações e não factos/ realidade?

Empresas e partidos políticos controlam a informação?

No contexto da biblioteca, a literatura e crónicas (subgénero), por exemplo de Saramago, é fonte de discussão e consciencialização sobre o trabalho dos jornalistas na atualidade?

 

Referências

1. Saramago, J. Universidade Menéndez Pelayo & EFE (Org.). (2004). A quadratura do círculo. Santander (Espanha): Jornalismo & Jornalistas [Revista], in: Clube dos Jornalistas (2010, 30 jun.) Saramago, o jornalismo e a quadratura do círculo. Portugal: CJ. https://www.clubedejornalistas.pt/?p=2860

2. Fonte da imagem: Wikipedia. (2022). Quadratura do círculo. https://pt.wikipedia.org/wiki/Quadratura_do_c%C3%ADrculo

 

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Qui | 17.02.22

O poder da Inteligência Artificial

Literacia da informação e dos media, uma emergência educativa

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A Inteligência Artificial (IA) traz toda uma série de benefícios para o dia-a-dia das nossas vidas, através de assistentes virtuais que podem responder a grande número de perguntas, de aplicações que ajudam as organizações a obter recursos de emergência para pessoas com necessidades extremas, entre vários outros instrumentos. No entanto, também suscita muitas dúvidas quanto aos seus riscos.

Entre os riscos da IA estão a dependência de conjuntos de dados que refletem, unilateralmente, uma seleção limitada de seres humanos, mas que depois conduzem a decisões aplicadas a todos.  Da mesma forma, os algoritmos podem ser enviesados por visões limitadas do mundo ou por agendas comerciais, que dão prioridade desproporcionada a alguns resultados do processamento de dados (por exemplo, carros pessoais autoconduzidos) em vez de outros (por exemplo, melhorias públicas nos transportes).

Quando se trata de publicidade, os avanços em IA e análise de dados significam que as empresas podem utilizar a nossa pegada digital para nos interpretar e nos orientar com base na nossa psicografia, por vezes mesmo antes de nós próprios tomarmos consciência. Isto é ampliado quando as pessoas, consciente ou inconscientemente, disponibilizam os seus dados para usufruírem de serviços ou ofertas "grátis" de empresas digitais e aplicações de software.

A IA é cada vez mais utilizada na publicidade digital e na definição de prioridades para o que recebemos em destaque nas redes sociais e nos resultados da pesquisa. Historicamente, a preocupação era que a publicidade pudesse enviesar o conteúdo de notícias e desfocar os aspetos editoriais e comerciais de empresas de comunicação social. No ambiente digital, esta preocupação agrava-se, pois as distinções entre notícias, publicidade, conteúdo patrocinado e outros tipos de conteúdo são menos óbvias, inclusivamente nos resultados de pesquisa.

Além disso, não só a publicidade, mas também outros conteúdos são cada vez mais micro orientados, com base nos perfis dos públicos que, por sua vez, se fundamentam nos dados pessoais que são recolhidos, trocados e monitorizados.

Atualmente, as empresas são chamadas a ser transparentes quando a IA é utilizada, seja para remover ou etiquetar publicações e pede-se-lhes para mostrarem mais cuidado com a sua utilização. Porém, simultaneamente, permitem-se leilões automatizados que podem gerar receitas publicitárias para os produtores de conteúdos de desinformação e ódio.

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Atentas ao modo como o a vida online começa a determinar a vida (online, offline, individual, coletiva…), as bibliotecas escolares apostam fortemente na capacitação dos alunos em Literacia da Informação e dos Media. Para isso, elaboram e implementam programas de literacias que, com abordagens estruturadas, metódicas, articuladas e abrangentes, desenvolvem efetivamente estas competências necessárias para a vida.

Para a elaboração destes programas de literacias, além dos recursos de apoio de que já dispunham, as bibliotecas podem contar com um Guia Orientador, disponibilizado hoje pela Rede de Bibliotecas Escolares, e que irá ajudar aquelas que ainda não os elaboraram a definirem a sua estratégia.

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Qua | 16.02.22

Concurso Nacional de Leitura em Voz Alta

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O Concurso Nacional de Leitura em Voz Alta, da Sertã, lançou a sua segunda edição, em 2022.  Esta iniciativa, organizada pela Biblioteca Municipal Padre Manuel Antunes e pela empresa Palser, no âmbito da Maratona da Leitura, conta com a colaboração da Rede de Bibliotecas Escolares.

Dirige-se às bibliotecas escolares portuguesas, do ensino público ou privado, regular ou profissional e tem como objetivo estimular o gosto pela leitura em voz alta e promover hábitos de leitura.

O concurso convida os alunos, com idade igual ou superior a 12 anos, a selecionar um trecho de uma obra literária do seu agrado e a gravar um áudio da sua leitura em voz alta. Os trabalhos devem ser enviados, para a organização, até ao dia 8 de abril de 2022.

Normas de participação

Mais informações

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Ter | 15.02.22

Contra a discriminação e racismo na escola: referências

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Os problemas da sociedade global/ cosmopolita pertencem à biblioteca escolar que, estando atenta à realidade e às pessoas, deve contribuir para a sua consciencialização e resolução:

- Capacitando “os jovens com saberes e valores para a construção de uma sociedade mais justa, centrada na pessoa, na dignidade humana e na ação sobre o mundo enquanto bem comum a preservar”, conforme estabelece o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória;

- Educando para a igualdade das “relações interpessoais, na integração da diferença, no respeito pelos Direitos Humanos e na valorização de conceitos e valores de cidadania democrática”, como prevê a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania.

As orientações da Rede de Bibliotecas Escolares estão alinhadas com valores e visões de instituições de referência, nacionais e internacionais:

- Conselho Nacional de Educação que emitiu, em 2020, uma Recomendação que visa o combate à discriminação e racismo, propondo um conjunto de medidas, designadamente inclusão nos currículos de uma visão abrangente e não etnocêntrica e discussão alargada de temas históricos como Expansão Portuguesa e Colonialismo, bem como recolha de dados sobre raça e etnia dos alunos, formação contínua e contratação de mediadores de grupos étnicos/ raciais [1].

- IASL [2] e IFLA [3], bem como ALA [4] e APA, responsável pelo estilo de referenciação bibliográfica [5] e, muitas outras instituições que representam bibliotecas, expandiram serviços e coleções nesta área, sobretudo como resposta ao movimento Black Lives Matter nas bibliotecas de todo o mundo;

- Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) [6] que, no último relatório sobre Portugal destaca progressos no reconhecimento de direitos e combate à discriminação por parte das autoridades nacionais, mas sublinha:

  • 90% das crianças ciganas abandona a escola cedo, frequentemente entre os 10 e 12 anos;
  • O “abandono escolar das crianças afrodescendentes é três vezes maior e existem cinco vezes menos alunos de origem africana na universidade”;
  • Deveria reforçar-se a “educação em matéria de direitos humanos” e “informação sobre os direitos e os recursos que estão disponíveis em caso de discriminação e discurso de ódio e ajudar os média a prevenir e erradicar o discurso de ódio, particularmente na Internet”;

- Comissão Europeia cuja ambição de uma União para a Igualdade inclui diversas medidas, entre as quais:

  • Plano de ação da UE contra o racismo 2025 [7];
  • Quadro estratégico da UE para a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos 2030 [8];
  • Estratégia para a Igualdade de Género 2025 [9];
  • Estratégia sobre a igualdade LGBT 2025 [10];
  • Plano de ação para a integração e inclusão 2027 [11].

O Site Europeu sobre Integração [12] divulga as medidas que visam operacionalizar o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação 2021 – 2025 em Portugal.

O Quadro Estratégico 2027 da Rede de Bibliotecas Escolares promove a atenção ao outro e à realidade e o cultivo de uma cidadania ativa, baseada nos valores da liberdade, responsabilidade e bem comum, bem como na informação e conhecimento. Disponibilizar títulos diversos e realizar atividades pedagógicas que promovam o enraizamento e ligação entre culturas e previnam o racismo, preconceito e discriminação, sob todas as suas formas, faz parte do seu desígnio.

Gostaríamos que partilhasse connosco ações e recursos que, em 2022, vão trabalhar com as crianças e jovens na biblioteca escolar, para que possam inspirar outros a agir.

 

Referências

1. Conselho Nacional de Educação. (2020, nov.). Recomendação Cidadania e Educação Antirracista. CNE. https://www.cnedu.pt/content/deliberacoes/recomendacoes/REC_Cidadania_Educacao_Antirracista.pdf

2. International Association of School Librarianship. (2020). IASL Statement against racism, prejudice, and discrimination. IASL. https://iasl-online.org/IASL-Statement-against-racism-prejudice-and-discrimination

3. International Federation of Library Associations and Institutions. (2021). Black Lives Matter: Statements & Resources. IFLA. https://blogs.ifla.org/cpdwl/2020/06/16/black-lives-matter-statements-resources/

4. American Library Association. (2021). Disrupting Whiteness in Libraries and Librarianship: A Reading List. ALA. https://www.library.wisc.edu/gwslibrarian/bibliographies/disrupting-whiteness-in-libraries/

5. American Psychological Association. (2022). Recursos sobre racismo, preconceito e discriminação. APA. https://www.apa.org/topics/racism-bias-discrimination

6. Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância. (2018). Relatório da ECRI sobre Portugal. CE. https://rm.coe.int/fifth-report-on-portugal-portuguese-translation-/16808de7db

7. Comissão Europeia. (2020). Plano de ação anti-racismo da EU. CE. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_1654]

8. Comissão Europeia. (2020). Igualdade, inclusão e participação dos ciganos na EU. CE. https://ec.europa.eu/info/policies/justice-and-fundamental-rights/combatting-discrimination/roma-eu/roma-equality-inclusion-and-participation-eu_pt

9. Comissão Europeia. (2020). Estratégia de Igualdade de Gênero. CE. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_358

10. Comissão Europeia. (2020). União da Igualdade: A Comissão apresenta a sua primeira estratégia sobre a igualdade LGBTIQ na EU. CE. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_2068

11. Comissão Europeia. (2022). Plano de ação para a integração e inclusão. CE. https://ec.europa.eu/home-affairs/policies/migration-and-asylum/legal-migration-and-integration/integration/action-plan-integration-and-inclusion_en

O Plano reconhece, por exemplo, que os jovens migrantes (18-24 anos) nascidos fora da UE têm probabilidade muito maior (21 %) do que os jovens autóctones (12,5 %) de “não trabalharem, não estudarem nem seguirem qualquer formação”, sobretudo raparigas e jovens mulheres migrantes (25,9 %).

12. Comissão Europeia. (2022). Site Europeu sobre Integração. CE. https://ec.europa.eu/migrant-integration/news/portugal-national-plan-combat-racism-and-discrimination-2021-2025_en

13. Black Lives Matter at School. (2020). Black Lives Matter At School. BLM at School https://www.blacklivesmatteratschool.com/

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