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Blogue RBE

Qui | 30.01.25

Capitalismo digital: Que consequências para a democracia?

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Este artigo é a continuação de: Na era digital, a liberdade está em crise? e A internet livre e aberta está em risco?

A pressão capitalista das empresas privadas que detêm as grandes plataformas digitais está a modificar o sistema político global:

  • Põe em risco a autonomia dos eleitores e o sistema de eleição e governação democrático, pois a parceria das grandes plataformas digitais com governos, pessoas ou organizações, inclusive de países estrangeiros, influencia resultados eleitorais comprometendo a integridade democrática;

  • Contribui para a ascensão de líderes e governos extremistas e fomenta a propagação do discurso de ódio e da polarização, pois a estrutura das redes sociais, de que são proprietários, privilegia conteúdos sensacionalistas que tendem a gerar mais cliques.

O capitalismo digital ameaça os valores democráticos fundamentais, como a transparência, a igualdade de participação e a proteção contra a manipulação externa.

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Segundo Daniel Innerarity, a própria estrutura do ambiente digital permite a propagação, de forma anónima/ irresponsável, de desinformação e ódio verbal, que não é acompanhado pelo aumento da violência. Pontos de vista que expressam desinformação e raiva circulam 6 vezes mais depressa do que os que expressam factos e moderação. Gerando mais cliques, aumentam o capital/ lucro dos proprietários das grandes plataformas.

De acordo com Innerarity, criaram-se ferramentas de verificação de factos (fact-checking), mas a sua utilização não garante que a verdade prevaleça pois, a estrutura da rede favorece a propagação.

A conversa pública baseia-se mais “nas interpretações subjetivas das pessoas” do que nos factos, dando lugar à “plataformização da democracia” (platformization of democracy): as plataformas digitais facilitam o meio de comunicação e moldam os conteúdos das conversas no domínio público
O acesso à rede filtrado por algoritmos pode gerar a ideia da possibilidade de exercício de uma liberdade individual desvinculada das obrigações/deveres sociais e formada por indivíduos autossuficientes. Porém, para responder à crise ambiental - e demais crises - teremos de sacrificar/ limitar a liberdade individual e desenvolver uma sociedade interdependente e colaborativa.

Poderá ainda haver ligação entre uma rede personalizada, gerida pelas grandes plataformas e as desigualdades e segmentação/ divisão da sociedade, a cultura identitária, o bullying e a cultura do cancelamento:

Vivemos tempos perigosos. Uma das principais armas das guerras culturais do século XXI é o cancelamento: a obliteração do interlocutor, a mordaça do ‘ou és igual a mim ou não és nada, não podes ser nada’” (Paulo Nogueira) [5]. 

Outras possíveis consequências do capitalismo digital: 

  • Perda de contacto/ligação à natureza e aumento das emissões de CO²;
  • Problemas de saúde: mental, sono, obesidade, novas dependências;
  • Perda de hábitos de leitura e escrita aprofundada, de concentração (foco/atenção plena), de escuta e argumentação: nas redes vence quem grita mais alto – em democracia, o poder exige fundamentação.

Referências 

1. Nogueira, Paulo. (2022, Jan.). Todos os Lugares São de Fala: Manifesto pela Liberdade de Expressão. Editora Guerra & Paz. 
2. Fonte da imagem 1: Kutsaiev, Rodion. (s.d.). Unsplash. https://unsplash.com/pt-br/fotografias/um-monte-de-goticulas-de-agua-em-um-fundo-azul-DiuHBovz9VQ 
3. Fonte da imagem 2: StockCake. https://stockcake.com/i/dancing-dandelion-dreams_1523101_1173250 

 

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Qua | 29.01.25

Promoção da leitura: metodologias ativas e práticas

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A leitura torna as nossas crianças mais inteligentes, mais cultas, mais criativas, mais capazes de comunicar, de estruturar os seus pensamentos e de organizar as suas afirmações. Estes benefícios podem ser observados tantos na escrita como na oralidade.
(…)A leitura de livros é essencial. (…) ou as crianças leem, e muito, ou terão de se contentar com uma linguagem empobrecida e uma inteligência parcialmente mutilada. [1]

Promover a leitura é um desafio fundamental em qualquer sistema educativo, como se tem visto nos variadíssimos estudos que vão surgindo. Para cultivar nos alunos o gosto pela leitura, não basta falar sobre livros ou recomendar títulos interessantes. É essencial que eles leiam bem e sejam postos efetivamente a ler, integrando a prática da leitura no seu quotidiano escolar e pessoal. Para tornar esta experiência significativa e envolvente, a utilização de metodologias ativas na abordagem pedagógica revela-se crucial.

A leitura na prática

Ler é uma atividade que exige prática. Assim como em qualquer outra habilidade, o desenvolvimento da competência leitora depende da exposição frequente e intencional ao ato de ler. Quando os alunos têm oportunidades regulares para ler em sala de aula, seja de forma individual ou em grupo, eles não só aperfeiçoam a sua fluência e compreensão como também têm mais possibilidades de desenvolver uma relação pessoal com os textos. Esse contato contínuo ajuda a criar hábitos de leitura, tornando-a uma atividade mais natural e prazerosa.
Sem a prática direta da leitura, os alunos podem ver os livros como algo distante ou obrigatório, sem relevância para suas vidas e, consequentemente, em que não estão implicados. A leitura tem, portanto, de ser incentivada de forma prática e integrada no dia a dia escolar, reforçando a sua aplicação em contextos diversos e interessantes.

Metodologias ativas: Um caminho para o envolvimento

As metodologias ativas colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem. Em vez de serem meros recetores passivos de informações, os alunos tornam-se participantes ativos, construindo conhecimento através de experiências significativas. No contexto da promoção da leitura, isso implica envolver os alunos em atividades que despertem a sua curiosidade, a sua motivação e a capacidade de reflexão crítica sobre os textos.

Essas metodologias ajudam a romper com o modelo tradicional de ensino, em que o professor apresenta o conteúdo de forma unidirecional. Pelo contrário, atividades interativas e colaborativas contribuem para criar um ambiente onde a leitura se torna uma experiência social e criativa.

Atividades ativas para promover a leitura

Várias atividades podem ser utilizadas para fomentar a leitura com recurso a metodologias ativas. Entre as mais eficazes estão:

  1. Círculos de Leitura: Os alunos leem um livro ou excerto e discutem em grupo, trocando ideias, interpretações e reflexões, promovendo-se assim a análise crítica e o diálogo.

  2. Dramatizações: A leitura de textos literários pode ser complementada com a dramatização de algumas cenas, o que ajuda os alunos a relacionarem-se emocionalmente com a narrativa.

  3. Projetos Interdisciplinares: Integrar a leitura com outras disciplinas, como história, artes ou ciências, ajuda a mostrar aos alunos a relevância dos textos em diversos contextos.

  4. Clubes de Leitura: Incentivar encontros regulares fora do ambiente formal da sala de aula para debater livros, com temas escolhidos pelos próprios alunos é uma forma de os envolver.

  5. Produção Criativa: Propor atividades como criar finais alternativos para histórias, reescrever textos ou produzir fanfics, que estimulam a imaginação e o envolvimento contribui para promover respostas criativas à leitura.

  6. Uso de Tecnologias: Plataformas digitais, blogs e podcasts podem ser usados para criar resenhas, partilhar leituras e interagir com autores ou outros leitores.

  7. Gamificação: Transformar a leitura num jogo, com desafios, recompensas e missões relacionadas com o conteúdo dos livros é uma estratégia que colhe benefícios da sua afeição pelos mecanismo do jugo.

  8. Debates e Simulações: Após a leitura de textos argumentativos ou literários, os alunos podem participar de debates ou simulações que exploram os temas abordados, fortalecendo o pensamento crítico.

Em resumo
Para promover é preciso criar experiências que motivem e impliquem os alunos de forma prática e significativa.

Colocá-los a ler ativamente e implementar metodologias ativas são estratégias que transformam a leitura numa prática envolvente, social e relevante. Dessa forma, não só se desenvolve a competência leitora, como também se promove o gosto pela leitura e o hábito de ler ao longo da vida.


[1] Desmurget, M. (2024). Ponham-nos a ler! A leitura como antídoto para os cretinos digitais. Contraponto

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Ter | 28.01.25

JOMO: A Alegria de Perder

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Já alguma vez se sentiu pressionado para estar em todos os lugares e fazer tudo ao mesmo tempo? Para, constantemente, procurar saber que novidades lhe estão a chegar aos seus dispositivos? Essa sensação de estar a perder alguma coisa importante, conhecida como FOMO (Fear Of Missing Out), é cada vez mais comum na nossa sociedade hiperconectada e já nos debruçamos sobre ela no nosso artigo de 20 de dezembro: FOMO: O Medo de Perder Algo.

No entanto, existe um contraponto a essa ansiedade: o JOMO (Joy Of Missing Out). 

O que é JOMO?

JOMO, em tradução livre, significa "a alegria de perder". É a satisfação de não estar presente em todos os eventos, de não acompanhar todas as tendências e de não estar constantemente ligado. É a valorização do tempo presente e das experiências genuínas, em vez da busca por uma vida perfeita e constantemente ligada nas redes sociais.

Benefícios do JOMO:

  • Redução do stress: Ao diminuir a pressão de estar sempre ligado e presente em tudo, o JOMO contribui para uma vida mais tranquila e menos stressante.

  • Melhoria da qualidade de vida: Ao focar-se em atividades que realmente trazem prazer e satisfação, o JOMO contribui para uma melhor qualidade de vida.

  • Aumento da produtividade: Ao evitar distrações e abordar uma tarefa de cada vez, o JOMO aumenta a produtividade e a eficiência.

  • Fortalecimento dos relacionamentos: Ao passar mais tempo com as pessoas que amamos e desligarmo-nos das redes sociais, o JOMO contribui para fortalecer os relacionamentos interpessoais.

Assim, enquanto o FOMO gera ansiedade por se perder oportunidades, o JOMO promove a serenidade e o contentamento ao incrementar escolhas mais conscientes.

Como incorporar JOMO na vida diária:

  • Reavalie prioridades: Defina o que é realmente importante para si. Tire um tempo para pensar no que lhe traz alegria autêntica, em vez de seguir tendências ou pressões sociais.

  • Estabeleça limites: Defina horários para o uso de dispositivos eletrónicos e redes sociais.

  • Priorize o presente: Concentre-se na atividade que está a realizar em cada momento, sem se preocupar com o futuro ou o passado.

  • Aprecie a solidão: Em vez de sentir que estar sozinho é algo negativo, aprenda a valorizar esses momentos e a aproveitar bem o tempo a sós.

  • Diga não: Aprenda a dizer não a compromissos que não lhe fazem bem ou que o sobrecarregam.

  • Cultive hobbies: Dedique tempo a atividades que trazem prazer e descontração. Práticas como meditação, leitura ou hobbies criativos são alternativas saudáveis ao digital.

  • Ligue-se à natureza: Passe mais tempo ao ar livre, apreciando a natureza e desligando-se do mundo digital.

Em resumo

O JOMO é uma filosofia de vida que convida a desacelerar, a viver o momento presente e a apreciar as pequenas coisas. Ajuda a reduzir o stress e promove um bem-estar emocional mais profundo, permitindo-lhe viver de forma mais autêntica e intencional, sem se sentir sobrecarregado pelas expetativas externas.

Mas lembre-se: O JOMO não significa isolar-se ou perder oportunidades importantes. Trata-se de encontrar um equilíbrio entre a vida online e offline, priorizando o que realmente importa para si.

📷 https://www.canva.com/

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Seg | 27.01.25

Câmara Municipal promove o funcionamento pleno das Bibliotecas Escolares

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Uma aposta da Câmara Municipal da Lourinhã nos recursos humanos para o funcionamento pleno e a sustentabilidade das bibliotecas escolares do concelho

As bibliotecas escolares desempenham um papel central no acolhimento e apoio ao desenvolvimento das competências dos alunos, no acesso à informação e na promoção da leitura, da escrita  e das literacias. No entanto, a eficácia desse trabalho depende, em grande medida, da presença de uma equipa educativa diversificada e qualificada, onde se incluem os assistentes operacionais em funções nas bibliotecas, e de um trabalho em rede,  coordenado pela Biblioteca Municipal, no âmbito da Rede de Bibliotecas da Lourinhã (RBLNH).

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Reconhecendo a especificidade e a importância do trabalho desenvolvido pelas assistentes operacionais ao serviço das bibliotecas escolares, foi autorizado, em dezembro de 2024, por despacho do Vereador responsável pelos Recursos Humanos do Município, José Tomé, o processo de mobilidade interna intercarreiras para a carreira de Assistente Técnico. Esta decisão abrangeu as quatro assistentes operacionais, em exercício em quatro bibliotecas escolares,   que concluíram com sucesso a formação "Organização e Gestão de Bibliotecas Escolares", uma formação de cem horas assegurada por duas coordenadoras interconcelhias de Bibliotecas Escolares que contribuiu para a sua capacitação no sentido de uma resposta qualificada às exigências do trabalho de um assistente de biblioteca.

Esta medida constitui um reconhecimento formal por parte da autarquia do papel diferenciador que estas profissionais desempenham no apoio à organização e dinamização das bibliotecas escolares, garantindo serviços de qualidade que beneficiam diretamente a comunidade educativa.

Ser promovida a assistente técnica representou um reconhecimento muito significativo para mim, especialmente após 28 anos a desempenhar funções próprias de uma técnica. Esta mudança de categoria reforça ainda mais o meu entusiasmo por trabalhar numa biblioteca escolar, um espaço onde, ao longo dos anos, tenho testemunhado de perto o impacto positivo que a biblioteca exerce nos alunos e professores, promovendo a leitura e contribuindo para iniciativas pedagógicas enriquecedoras."
                                      Ana Marta Leitão 

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De facto, os assistentes de biblioteca são essenciais no funcionamento diário das bibliotecas, asseguram tarefas fundamentais como o tratamento técnico da coleção, o apoio aos utilizadores na pesquisa de informação e no uso de recursos digitais, bem como a organização e manutenção dos espaços. Além disso, são agentes ativos na criação de um ambiente acolhedor e inclusivo, que incentiva o bem-estar e a aprendizagem autónoma de todos os membros da comunidade escolar. Assim, a especificidade das suas funções exige formação adequada e contínua, que lhes permita responder aos desafios de uma sociedade em constante transformação e às novas necessidades da escola e dos alunos.

A Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) publicou, em 2022, o documento Assistente de biblioteca escolar, um documento orientador que define claramente as funções, as competências e a formação necessárias aos assistentes de biblioteca, para  fornecer apoio a diretores e responsáveis autárquicos no recrutamento/ seleção de assistentes de bibliotecas.

Capacitar e reconhecer os assistentes de biblioteca como elementos diferenciados da equipa educativa é uma prioridade, pois o seu papel contribui de forma inequívoca para a qualidade dos serviços prestados pela biblioteca escolar.

Para além da sua capacitação, é imperativo assegurar a sua  presença nas bibliotecas escolares, de forma permanente e com estabilidade, de modo a  assegurar a continuidade dos projetos e a implementação de serviços que beneficiam não apenas os alunos, mas também professores e famílias, fortalecendo a biblioteca como um espaço estratégico para a aprendizagem ao longo da vida.

Assim, investir na formação e no reconhecimento destes profissionais é apostar no futuro das bibliotecas escolares, é assegurar um serviço de excelência ao serviço de alunos, professores e toda a comunidade educativa, é assumir o importante impacto que estas podem ter na comunidade educativa local e na sociedade em geral.

Foi e é essa a visão da Câmara Municipal da Lourinhã, que tem contribuído, de forma constante e pró-ativa,  para que as bibliotecas escolares se afirmem como espaços vivos de aprendizagem, inclusão e cultura, fundamentais para o crescimento e sucesso das gerações atuais e futuras.

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Sex | 24.01.25

DUDH: A internet livre e aberta está em risco?

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Este artigo é a continuação de: Na era digital, a liberdade está em crise?

1. Dia Internacional dos Direitos Humanos: direito ao ambiente e direitos digitais

A 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que estabelece um ideal de liberdade e justiça a ser alcançado por todos os povos e nações, através de legislação e costumes/moralidade: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Art.º 1.º da Declaração).

Decorridos 76 anos, ampliaram-se os direitos ou liberdades fundamentais. Passaram a ser considerados, não apenas os direitos civis (e.g. liberdade de expressão), políticos (e.g. ao voto) e sociais (e.g. à educação, saúde, trabalho digno), as 3 primeiras gerações de direitos, mas também o direito ao ambiente e os direitos tecnológicos para o mundo digital que, por esta ordem, formam os direitos de quarta e quinta gerações.

O direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável (ONU, 2021) corresponde a uma mudança de paradigma.  Passa-se de um modelo antropocêntrico para um modelo global e interdependente de direitos humanos, que valoriza e dignifica todas as espécies e elementos da natureza e estabelece uma ética da responsabilidade para com as futuras gerações, que devem ter os mesmos direitos.

A consagração dos direitos digitais resulta da importância crescente da liberdade de expressão e privacidade e marca um novo modelo de direitos: os direitos exercidos na vida real devem poder ser exercidos também na internet (cidadania digital). Abrangem, entre outros direitos, conetividade universal e de qualidade, internet aberta, literacia digital, transparência dos algoritmos e direito ao esquecimento. No espaço europeu foram instituídos, entre outros documentos, pela Declaração Europeia sobre os direitos e princípios digitais para a década digital (Comissão Europeia, dez. 2022) e pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (2018). Em Portugal, pela Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, Lei nº 27/2021.

2. Quais as consequências do capitalismo digital para os direitos digitais?

Quando a Rede Mundial de Computadores, World Wide Web (WWW), foi criada, em 1989, por Tim Berners-Lee, foi idealizada como um sistema global de informação acessível a todos, sem restrições e sem controle excessivo de governos ou empresas.

Vint Cerf e Bob Kahn, "pais da Internet" que transformaram uma rede militar e académica limitada (ARPANET) num sistema global e interconectado, também defendem uma internet acessível e aberta.

A World Wide Web Foundation, criada em 2009 por Berners-Lee, defende uma rede descentralizada, acessível, justa (sem discriminação), de comunicação livre (liberdade de expressão), que garante a privacidade para todos.

Este ideal está comprometido pelo controlo crescente da internet por grandes corporações, baseado num modelo personalizado de internet assente na vigilância e na pressão de lucro (capitalismo digital). As consequências são profundas para os direitos digitais, por exemplo:

  • Direito à privacidade: dados pessoais são recolhidos, tratados e vendidos, muitas vezes sem o consentimento dos seus titulares, permitindo a criação de perfis do utilizador que podem ser usados para fins comerciais e manipulação política e social, como apresentado no documentário The Great Hack - título português, Nada é Privado: O Escândalo da Cambridge Analytica;

  • Liberdade de expressão: as grandes plataformas controlam os conteúdos visíveis ou suprimidos, muitas vezes através de algoritmos pouco transparentes. As regras de moderação de conteúdos não são aplicadas de forma justa, podendo excluir vozes marginalizadas ou favorecer determinados discursos, como apresentado no documentário The Cleaners. 
    Quem controla o que vemos e pensamos? 
    Quais os critérios de eliminação e publicação (excluir… ignorar…)? 
    Esta atividade é compatível com uma democracia?

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Isto, sem falar nas desigualdades no acesso à internet devido à restrição de conteúdos ou serviços. 
O capitalismo digital põe em risco a visão original de uma rede livre, aberta e inclusiva. Superar estes desafios requer esforços coordenados dos governos, organizações e cidadãos para regular e fiscalizar as práticas destas corporações, promover a literacia digital e promover a justa participação de todos.

As bibliotecas escolares contribuem, dia a dia, nas comunidades, para esta consciencialização e para que cada um conheça os seus direitos e saiba como exercê-los, sem deixar de cumprir os deveres a que está obrigado, pois os direitos digitais são universais e reforçam-se quando o maior número de pessoas os exerce. 


Observação:
Este artigo resultou de uma comunicação, junto de alunos de Filosofia e professores, do Agrupamento de Escolas de Bonfim, Portalegre. 


Referências

  1. 📷 Bloco & Beetz, Christian & Riesewieck, Moritz. (2018). The Cleaners. https://www.youtube.com/watch?v=1h7-JyQ-JR4 
  2. Noujaim, Jehane & Amer, Karim. (2019). Nada é Privado: O Escândalo da Cambridge Analytica. https://www.netflix.com/pt/title/80117542 
  3. Pereira da Silva, Jorge. (2024). Direitos Fundamentais para o Universo Digital. FFMS. https://ffms.pt/pt-pt/livraria/direitos-fundamentais-para-o-universo-digital 

 

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Qui | 23.01.25

Celebração dos 500 anos do Poeta Maior da Língua Portuguesa

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No âmbito das Comemorações dos 500 anos do Nascimento de Luís de Camões, figura incontornável da literatura portuguesa e mundial, a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) lançou o desafio Ler Camões.

Hoje, jardins de infância e escolas em Portugal e no estrangeiro unirão esforços para realizar uma leitura simultânea de textos camonianos ou inspirados na sua obra. Esta iniciativa, além de promover a obra de Camões, visa reforçar os laços culturais entre gerações, atravessando fronteiras geográficas e linguísticas, num movimento coletivo em homenagem ao autor de Os Lusíadas.

Porquê o dia 23 de janeiro?

A escolha desta data tem fundamento científico e literário, como apresentado no webinar LER Camões: «O dia em que nasci…» organizado pela RBE, com a colaboração da Universidade de Coimbra, realizado no dia 14 de janeiro e cuja gravação já se encontra disponível.

Com efeito, num recente estudo da Universidade de Coimbra, apresentado no artigo O dia do nascimento de Camões, a professora e investigadora Carlota Simões expõe evidências de que Camões terá nascido em 23 de janeiro de 1524, como anteriormente proposto pelo investigador Mario Saa.

A pesquisa revelou que o poeta possuía um profundo conhecimento de astronomia, refletido nos seus textos, e sugere que este associou o seu nascimento a um evento astronómico singular: um eclipse solar anular visível em Portugal exatamente um ano depois, a 23 de janeiro de 1525. O poema “O dia em que eu nasci, morra e pereça” inclui uma referência a este fenómeno, reforçando a teoria da data de nascimento. Esta descoberta enriquece ainda mais a compreensão da genialidade de Camões, que no seu poema, convocando o seu conhecimento em astronomia, relaciona o seu nascimento a uma visão cósmica e simbólica do mundo.

O dia em que eu nasci, morra e pereça
Não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao mundo e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.
                                                       Luís de Camões

Afigura-se digno de nota o facto de o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas corresponder ao dia da morte deste autor, promovendo-o a símbolo nacional. Enquanto muitos países celebram as suas datas nacionais baseando-se em acontecimentos históricos ou militares, Portugal eleva a cultura e a palavra como pilares identitários. Esta escolha enaltece a centralidade da língua e da literatura no espírito português, reforçando a ligação com as comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo. Ao celebrar Camões, Portugal reconhece a imortalidade da sua obra e reafirma-se como uma nação que valoriza a arte e o conhecimento como património universal.

Ler Camões - Uma experiência coletiva

Para assinalar Camões num dia específico, para além do dia 10 de junho, pouco favorável à mobilização da totalidade dos elementos das comunidades educativas por questões de calendário escolar, a RBE selecionou o dia 23 de janeiro, na sequência do estudo referido.

Assim, lançou a iniciativa Ler Camões, cujo principal objetivo é partilhar a obra de Camões envolvendo todas as faixas etárias, através de ações simultâneas de leitura e apreciação. Trata-se de um movimento que transcende a dimensão escolar, convidando alunos, professores e outros elementos das comunidades educativas a explorarem o legado deste poeta maior. Ao envolver escolas, bibliotecas e espaços públicos, esta celebração enriquece o tecido cultural e promove uma ligação viva com a história, a literatura e o pensamento ainda interpelante de Camões.
Para dinamizar esta celebração, a RBE estruturou o programa em quatro grandes ações:

1. Ler Camões: Juntos na Escola

Esta primeira ação propõe que as escolas transformem os seus espaços – desde a sala de aula até à biblioteca da escola– em palcos de leitura simultânea. Em diferentes horários (mas preferencialmente entre as 10:30h – 12:30h) e locais, alunos, professores, assistentes e encarregados de educação juntar-se-ão para dar voz às palavras de Camões, recriando momentos da sua obra e refletindo sobre os seus temas universais, num ambiente de partilha e pertença que amplia a perspetiva sobre o legado camoniano.

2. Ler Camões: Sinfonia Multilingue

Camões é um poeta universal, a sua obra ultrapassou barreiras de tempo e espaço. Inspirada por essa universalidade, a RBE propôs  “Sinfonia Multilingue”, como forma de, por meio da leitura de textos camonianos, celebrar o encontro de línguas e culturas que se verifica nas nossas escolas, onde a diversidade linguística é um valor a celebrar.

No contexto desta iniciativa, os textos camonianos são lidos em diferentes idiomas, promovendo o diálogo intercultural e valorizando a diversidade linguística. Seja em português, inglês, espanhol, mandarim…, cada leitura contribui para uma sinfonia que enaltece a riqueza da obra de Camões e o seu alcance global.

3. Ler Camões: Arruada de Leitura

Com esta ação, a obra de Camões sai à rua, transformada em palco de leitura itinerante por grupos de alunos, professores e membros da comunidade que percorrem espaços públicos, levando a voz e o pensamento de Camões para além das paredes da escola e tornando-a acessível a um público mais amplo.

4. Ler Camões: Em Movimento

Numa performance coletiva com um toque contemporâneo, através da organização de um flashmob de leitura, alunos, professores, encarregados de educação… reúnem-se em locais públicos para partilhar leituras de textos camonianos, de forma dinâmica e memorável, dando visibilidade à sua obra de forma inovadora. 

Ler Camões - Mobilização em grande escala

Desde o lançamento do desafio “Ler Camões” no dia 23 de janeiro de 2023, verificou-se uma adesão extraordinária por todo o país e além-fronteiras. Na página oficial da iniciativa, disponível em LER Camões - Programa , encontra-se a programação definida e reportada pelas escolas, num espaço que é atualizado regularmente com novos contributos e que vale bem a pena explorar para compreender a criatividade e adesão das escolas. Salienta-se que se estima o envolvimento de mais de 100 000 alunos.

Ainda para este dia, a Rede de Bibliotecas Escolares desafiou as escolas, dirigentes do Ministério da Educação e outras personalidades para gravarem pequenos vídeos com leituras da obra camoniana. Mais uma vez a resposta foi clara e ficará visível ao longo do dia de hoje no Facebook RBE. Para quem não tenha paciência para esperar, os mais de 100 vídeos que gentilmente nos enviaram, e serão publicados ao longo do dia entre as 10:30h e  as 22:30h, estão publicados na página Ler Camões – Na Web.

Além das atividades que irão decorrer no dia 23 de janeiro, a Celebração do V Centenário do nascimento de Camões estende-se ao longo do presente ano letivo e do próximo, em articulação com o trabalho curricular e extracurricular. Estão planeadas inúmeras atividades inter e transdisciplinares, ancoradas em diferentes vertentes da obra de Camões. Estas iniciativas refletem um esforço criativo e colaborativo, amplificando as potencialidades da obra e o seu diálogo com as outras artes no espaço escolar. 

Camões: um desígnio coletivo de memória e futuro

Ler Camões é mais do que uma homenagem:  é uma oportunidade para redescobrir e reatualizar a obra camoniana, pondo-a ao serviço da formação plena dos alunos, assegurando que continua a inspirar gerações. Através das quatro ações propostas, a RBE desafia as escolas a envolverem as comunidades educativas num movimento coletivo global que valoriza o passado, enquanto olha para o presente e perspetiva o futuro.

Hoje, o legado camoniano ecoa de norte a sul do país, unindo escolas, comunidades e outras instituições e culturas, numa celebração memorável que cantará “por toda a parte”, “com engenho e arte”, a língua, a cultura e a literatura portuguesas.

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Qua | 22.01.25

Lourinhã: um investimento contínuo que faz a diferença

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A Câmara Municipal da Lourinhã tem vindo a demonstrar, de forma consistente, o seu compromisso com a promoção da leitura, da escrita e da palavra,  contribuindo para o fortalecimento das bibliotecas escolares, através de uma prática inspiradora que merece destaque: a atribuição anual de um orçamento específico para o reforço das coleções das bibliotecas  dos agrupamentos de escolas do concelho.

Este ano não foi exceção, com a atribuição de 2000,00 euros a cada agrupamento, um investimento fundamental que permite dotar as bibliotecas escolares de livros atualizados, diversificados e cativantes/atraentes. Este financiamento contribui para a  melhoria contínua da oferta disponível, dando resposta às necessidades e interesses sempre em evolução/dinâmicos, da comunidade educativa, fomentando o gosto pela leitura/ pelos livros e contribuindo para a formação de leitores.

A Rede de Bibliotecas da Lourinhã (RBLNH) reúne  a Biblioteca Municipal e as bibliotecas das escolas do Agrupamento  D. Lourenço Vicente e do Agrupamento de Escolas da Lourinhã, visando um trabalho colaborativo para promover o acesso ao conhecimento, à leitura e às literacias em todas as suas formas. Oficializada  com base num  Protocolo de Cooperação em 2019,  a RBLNH aposta na partilha de recursos e na criação de atividades e serviços inovadores que beneficiam toda a comunidade.

Entre os serviços disponíveis, destaca-se, a implementação do Cartão Único de Utilizador, que acompanha o leitor até ao final da vida e através do qual, pode requisitar nas diversas bibliotecas da Rede de Bibliotecas da Lourinhã, mas também, caso pretendam, da Rede Intermunicipal de Bibliotecas do Oeste (RIBO). Salienta-se, também, a disponibilização em linha do catálogo coletivo, que permite aos utilizadores aceder a um vasto leque de recursos documentais e de serviços de forma integrada e eficiente.

A Rede de Bibliotecas da Lourinhã conta, ainda, com o Serviço de Apoio às Bibliotecas Escolares (SABE), que tem como missão apoiar, auxiliar e realizar projetos em parceria com as Bibliotecas Escolares do Concelho, assegurando a gestão do software Biblionet, usado em todas as bibliotecas do concelho, e o tratamento documental dos recursos do pré-escolar e primeiro ciclo.

Um dos momentos altos para a promoção do livro e da leitura no concelho é o evento anual Livros a Oeste - Festival do Leitor, organizado pela Câmara Municipal da Lourinhã. Este momento cultural, que reúne escritores, ilustradores e outros agentes literários, é uma oportunidade única para as bibliotecas da rede dinamizarem atividades, fortalecerem a sua ligação com a comunidade e inspirarem leitores de todas as idades. Para além da leitura, promove a escrita por meio do concurso de escrita de contos, subordinado, este ano, ao tema “De Camões à Net”.

A par do festival, que é representativo da aposta do município no sentido de fomentar hábitos de leitura e escrita e enriquecer a oferta cultural do concelho,  a RBLNH desenvolve outras iniciativas em parceria, como o Concurso “Lourinhã a Ler” e as “Montras Literárias”.  

Estas ações concertadas, a que se junta a atribuição de uma verba anual às bibliotecas escolares para reforço das coleções com aquisição de fundo documental, traduzem uma visão  estratégica da autarquia, que assume as bibliotecas escolares como espaços que se querem atrativos e dinâmicos, que respondam  às demandas da comunidade educativa local, promovendo o acesso equitativo ao conhecimento e à cultura.

Em suma, a Lourinhã é um concelho que assume que investir nas bibliotecas é investir na educação, na criação de cidadãos mais informados e participativos e num futuro mais sustentável. 

 

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Seg | 20.01.25

Destaque à obra de Joana Bértholo, talentosa escritora portuguesa

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Iniciamos este novo ano, dando destaque à obra de Joana Bértholo [1], uma talentosa escritora portuguesa. Cada livro [2] desta jovem escritora é uma surpresa, das inesquecíveis. A sua escrita percorre diferentes géneros: romances, livros infantis, peças de teatro, ensaio, entre outros. A sua escrita rompe com o cânone tradicional, misturando diferentes estilos narrativos, tempos e espaços, oferecendo ao leitor uma experiência ímpar de leitura.

Talvez estas sejam boas razões para justificar a presença da obra de Joana Bértholo nas bibliotecas escolares. Os seus livros devem saltar das estantes e circular de mão em mão, dando o mote a diálogos filosóficos, clubes de leitura, debates ou sendo fonte de inspiração para ateliês de escrita ou para ler, simplesmente, pelo gosto de ler.

Os jovens leitores e os leitores mais entusiastas, beneficiam em conhecer esta inovadora forma de narrativa, de ficcionar e de questionar o mundo que nos rodeia.

Aos professores bibliotecários que não conhecem a obra desta escritora sugerimos que a descubram e que se deixem encantar; aos que já a conhecem sugerimos que divulguem os diferentes títulos, incluam nas sugestões de leitura e nas atividades da biblioteca.

A leitura, a palavra e as bibliotecas habitam nas variadíssimas páginas escritas por Joana Bértholo, vejamos este excerto:

“Nestes livros, cheios de ideias grandes, deleitava-me. Menos atraentes eram os romances. Mesmo assim, esforcei-me por lê-los, pois percebi que era por estes que o Bibliotecário guardava mais apreço. Empregava a palavra «literatura» como se fosse um bem maior.”

O bibliotecário é tratado com apreço, com muita estima:

“(…) O Bibliotecário fazia perguntas, e o que eu respondia informava a sua sugestão seguinte, ou várias sugestões depois, quando eu já me tinha esquecido. Às vezes, antecipava-se. Percebia o que eu queria mesmo antes de eu o saber. O Bibliotecário era um farol.” 

Estes excetos fazem parte deste precioso pequeno, grande livro:

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Ler Joana Bértolo é abraçar as palavras - desafio; escuta; pensamento e criatividade.
img2.jpgHaverá maior repto do que escrever um livro de pequenos contos onde todos começam com a palavra “Havia” ? 

HAVIA é uma compilação de contos curtos e frequentemente absurdos, divertidos e bem-humorados. De falam estes contos? Dos mais variados assuntos. De temas mais existenciais aos mais mundanos sempre de forma singular.


“Havia uma história circular que queria ser reta. Portanto, arranjemos-lhe um fim diferente: 
Quando ele parou de ler e pousou o livro na mesa de cabeceira apercebeu-se de que lá fora tinha escurecido. “ 

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Ousaríamos sugerir que este é um bom livro para divulgar junto de alunos que gostam de contos divertidos, mas também dos alunos que não apreciam leituras longas

Ousaríamos mais!

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Ousaríamos sugerir que nos clubes de escrita, que possivelmente existem nas bibliotecas, convide os alunos a escrever contos curtos… inspirados no Havia. E se todos os contos começassem por “Houve” ou se todos os inícios fossem “Possivelmente” ou …. [Dê asas à sua imaginação!]

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 Museu do Pensamento [3] é um livro perguntador. Um livro indutor de muitos diálogos e reflexões. 
Já tentaste não pensar? O que aconteceu? Pensas mais sobre o passado ou o futuro? O que fazes com os pensamentos feios? E o sonho, é uma forma de pensar? Para que servem os círculos quadrados?

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É um livro graficamente bonito. Belo. Talvez fosse uma boa ideia divulgar as ilustrações, pela biblioteca, e solicitar que a partir delas se fizessem perguntas, afinal perguntar é uma arte que nos ajuda a escutar o pulsar do mundo e do nosso pensamento. Vamos transformar as nossas bibliotecas em verdadeiros espaços perguntadores? 

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A propósito de perguntas: Sabem o que é Cavalo-Marinho? O que sabem a sobre estes magníficos animais? “Sabias que troca de cor para se confundir com as algas e com os corais? Que, quando acasalam, macho e fêmea gostam de enrolar a cauda um no outro? E que é o macho que fica grávido?” Talvez na biblioteca escolar se encontre disponível este precioso livro Pequeno e Precioso. O Cavalo-Marinho.  

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E se convidássemos os professores de ciências e alunos a pesquisarem sobre este maravilhoso animal, o Cavalo-Marinho? 

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E se convidássemos os professores de educação visual e respetivos alunos a observarem e a desenharem cavalos-marinhos? E se no final, todos os desenhos fossem expostos na biblioteca? 

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Talvez este seja o livro mais conhecido de Joana Bértholo. 

“- Mãe, as palavras têm prazo de validade?
- Que eu saiba não, ainda não.
- Em breve vão ter, não vão? Porque as palavras agora são coisas e a maioria das coisas tem um prazo de validade. […]
- Ó mãe, e o que vamos fazer quando uma palavra expirar?
- Sei lá. Terás de comprar uma mais recente.”
Joana Bértholo, Ecologia

Ecologia é um livro reflexivo, incómodo, complexo, assustador, questionador, provocador e inovador.  Mas também irónico, corrosivo, amargo e divertido. Numa só palavra: brilhante! As histórias cruzadas, as personagens dispersas, mas entrelaçadas, a mescla de estilos narrativos e diferentes artes, a reflexão sobre os limites da linguagem e as questões da incomunicabilidade fazem com que este livro se torne numa experiência ímpar de leitura.  São partilhadas com o leitor citações, informações, segredos escondidos em códigos QR que vão surgindo ao longo das páginas, induzindo uma oscilação nos ritmos de leitura e afirmando formas de comunicar distintas.

Ecologia é um romance (será mesmo um romance?) singular, inovador, e primorosamente desenhado. Exibe uma estrutura completamente diferente das habituais. O fio condutor, sempre presente, mesmo quando ao leitor parece inexistente, revela vários cenários, diferentes vidas, olhares distintos que se entrelaçam, criando uma narrativa una.

O poder totalitário, a inovação tecnológica, os sonhos, os medos, a humanidade, os dilemas surgem como assuntos de reflexão, mas é a palavra que desempenha o papel principal. É de palavras que se fala em Ecologia.  Palavras que ecoam num novo tipo de sociedade – de cariz económico, onde tudo se compra e vende, até as palavras. Terão as palavras prazo de validade? Conseguirá o dinheiro comprar palavras? Será possível a “privatização da linguagem”? Serão as palavras privatizáveis? Afinal, qual o poder das palavras?

Ecologia é livro que induz o pensamento crítico, estimula o pensamento e a construção de argumentos e aguça a curiosidade. É um livro perguntador, que nos inquieta e que nos coloca perguntas. Muitas. Imensas. Assinalamos algumas: "Sentimos emoções para as quais não temos nome? ", “O mundo ia ser diferente se eu aprendesse palavras diferentes para as mesmas coisas?"

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O que faremos com tantas perguntas? – Oferecemos, sugerindo que reflitam. Levamos para a aula de Filosofia. Ou para a aula de Português – haverá melhor local para refletir sobre a questão: “Uma língua órfã pode ser adotada? “, "Como se diz uma palavra impronunciável? “

A propósito da aula de Língua Portuguesa, recordemos o último título escrito pela Joana Bértholo:

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Imaginem que dão a conhecer a obra de Agustina Bessa Luís, mas esta não desperta muito interesse e curiosidade. Nesta situação, talvez fosse bom experimentar dar a conhecer Augusta B., a jovem de 22 anos que nunca tinha lido Agustina, mas esta foi decisiva para a sua vida pessoal.

Curioso é descobrir que a força e a singularidade de Agustina são descobertas não pela literatura, mas pela sua vida. Talvez por detalhes da sua vida, mas que fizeram a diferença. Nesta novela, conhecemos duas mulheres em tempos dissemelhantes, mas em espaços idênticos. E, se estas mulheres se cruzassem? Que diriam uma à outra?

Não será este o poder da literatura? De cruzar tempos e espaços, oferecer múltiplas leituras, fomentar a reflexão e ampliar os nossos horizontes? 

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E, se a nossa escola tiver a disciplina de Teatro? Ou integrar a rede de escolas do Plano Nacional das Artes? Nesse caso aconselharíamos que lessem, explorassem e descobrissem com atenção estes dois títulos.

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“Ella Bouhart, coreógrafa consagrada, vive num sexagésimo quarto andar, no centro de uma metrópole, de onde avista um enorme jardim, ao fundo do palco, observa a cada dia as diferentes tonalidades de um lago. Esse lago representa o seu horizonte, até onde não é capaz de ir, os territórios da sua vida que se sente incapaz de ocupar. Isso, e o seu avesso.” O Lago Avesso

Inventário do Pó é um livro singular. “A cada um dos 18 temas do álbum de música eletrónica "Um Argentino no Deserto", de René Bertholo, corresponde um conto. Os contos começam quando o pintor começa, em 1935, e seguem uma cronologia que se aproxima e afasta da vida dele, das pessoas em torno dele, das obras que criou, das obras que o marcaram, e dos momentos coletivos que a sua história individual intercetou. Os contos acabam quando o pintor acaba, e a música para de tocar, mas o legado do que nos deixou, perdura. Perdura também a memória do seu brincar, nas narrativas dos amigos próximos com quem a autora conversou. É isso, arte e amizade, o que continuará a dar origem a outras coisas. Este livro é uma dessas outras coisas.” 

A sua escola  é uma Escola aLer mais e melhor?

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Sugira que a disciplina de Educação Física e/ ou o Clube da Saúde contribuam para elevar os índices de leitura e fomentem momentos de reflexão com a leitura deste pequeno ensaio sobre o desporto.

O treino. “Madrugar, treinar, suportar as dores musculares, testar e superar limites, treinar mais e mais, para, talvez um dia, subir ao pódio. Quando os melhores desportistas portugueses competem a nível internacional, carregam nos ombros as expectativas de todos e, no entanto, poucos conhecem as exigências do seu quotidiano e o avesso das suas glórias.

A partir das memórias de uma ex-atleta de natação e triatlo, este livro retrata experiências comuns, positivas e negativas, dos desportistas de alta competição, dos anos 1990 até hoje. O eixo destas vivências é o treinador, que dita tarefas, tempos e objetivos, numa relação formativa, por vezes também destrutiva, que visa a auto-superação e, sempre, o máximo de rendimento e ambição.” 

Outros livros de Joana Bértholo:

   img10.jpgimg11 (1).jpgimg12.jpgimg13.jpg

Notas

  1. Joana Bértholo nasceu em Lisboa, em 1982. Estudou design gráfico em Lisboa e estudos culturais na Universidade Europeia Viadrina em Frankfurt (Oder). Foi voluntária da Eloisa Cartonera em Buenos Aires e participou em diversos países em performances ligadas à literatura, arte do livro, ecologia e design.

  2. Em 2010 publicou o seu primeiro romance, Diálogos para o Fim do Mundo, a que se seguiu Havia em 2012, adaptado várias vezes para teatro no Brasil, e o romance O Lago Avesso em 2013. Seguiu-se Inventário do Pó, livro de contos. Em 2018, O Museu do Pensamento foi eleito Melhor Livro Infantil pela Sociedade Portuguesa de Autores. O seu romance, Ecologia, foi finalista dos mais prestigiados prémios em língua portuguesa (Associação Portuguesa de Autores, PEN clube, Correntes D’Escritas, DST; e semi-finalista do Prémio Oceanos), seguiram-se outros títulos.

  3. Este livro nasce de uma peça de teatro escrita para as Chapelarias Azevedo Rua na edição de 2014 do Festival Teatro das Compras, com Giacomo Scalisi e Miguel Fragata. Foi vencedor do Prémio da Sociedade portuguesa de Autores 2018 para melhor livro infanto-juvenil e vencedor do Prémio de Literatura infanto-juvenil do festival literário de Fátima.

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* Júlia Martins

Acredita no poder da leitura. Dar a ler é um desafio que gosta de abraçar. É leitora e frequenta, de forma assídua, Clubes de Leitura. Saiba mais

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Sex | 17.01.25

Livros p'à troca no mercado de Alcobaça - novos leitores, novas vidas para os livros 

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A Rede de Bibliotecas do Concelho de Alcobaça (RBCA) integra as bibliotecas escolares dos Agrupamentos da Benedita, de Cister e de S. Martinho, a Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Cister (EPADRC), o Instituto Nossa Senhora da Encarnação (Externato Cooperativo da Benedita), a Biblioteca Municipal de Alcobaça e o Centro de Estudos Superiores da Universidade de Coimbra em Alcobaça (CESUCA), um pólo de extensão da Universidade de Coimbra (UC), que articula as polivalências dessa instituição com as necessidades da região.

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Constituída formalmente em 2014 com o propósito de potenciar o papel das bibliotecas na formação e no processo de aprendizagem ao longo da vida, esta Rede tem um Plano Anual de Atividades de Cooperação, subordinado ao lema Juntos, continuamos a ler, que proporciona múltiplas oportunidades de acesso ao livro e à leitura, à informação, ao conhecimento e à cultura.

Entre as diversas atividades previstas no plano anual concelhio, destaca-se o projeto Livros p'à troca, uma iniciativa que visa incentivar o livro e a leitura e promover a sustentabilidade através da troca de livros usados. Ademais, responde a uma das tarefas mais difíceis de um bibliotecário - o desbaste da coleção -, operação fulcral para manter uma coleção atualizada que satisfaça os interesses e necessidades dos utilizadores. O desbaste minimiza o “ruído” no acesso aos recursos e implica, frequentemente, o abate, termo da biblioteconomia que corresponde a uma situação penosa para muitos bibliotecários, bibliófilos assumidos.

A iniciativa Livros p'à troca é um projeto comunitário que proporciona muitas vidas aos livros, permitindo que pessoas/ leitores de todas as idades compartilhem as suas leituras com outros leitores, descubram novos autores e títulos e contribuam para a redução do desperdício de papel.

Como funciona Livros p’à troca?

Esta iniciativa realiza-se todos os anos, no final do primeiro período, no Mercado Municipal de Alcobaça, onde, no passado sábado, dia 14 de dezembro, os membros da comunidade tiveram a oportunidade de se abastecer de "iguarias" não alimentares, mas que nem por isso são menos saciantes, trocando livros e partilhando leituras.

O funcionamento é simples: todas as bibliotecas da Rede reúnem, nesse dia, os livros que foram objeto de desbaste, ou que foram doados mas não incorporados na coleção, por não corresponderam às necessidades das respetivas comunidades educativas, e montam, num espaço cedido pelo município no mercado, a sua banca. Os visitantes, os transeuntes, os clientes habituais, munidos ou não de livros, são interpelados e mobilizados para escolherem livros.

Sendo a iniciativa divulgada nas redes sociais das bibliotecas e na Rádio Cister, muitos acorrem ao mercado de livro em mão, para deixarem livros que já leram e trocar por outros disponíveis no acervo da iniciativa. Cada livro doado recebe um crédito que pode ser usado para adquirir outro livro. Dessa forma, os leitores têm a oportunidade de renovar as suas bibliotecas pessoais sem custo adicional, enquanto os livros ganham uma nova vida nas mãos de novos leitores. 

Benefícios da iniciativa Livros p’à troca

1. Acessibilidade: A troca de livros torna a leitura acessível a todos, independentemente da sua situação financeira. Quem não vai munido de livro para trocar pode, ainda assim, escolher de entre a variada oferta e fazer, posteriormente e se puder, uma entrega numa das bibliotecas da rede.

2. Sustentabilidade: A reutilização de livros é uma iniciativa que contribui para a redução do consumo de papel e a preservação do meio ambiente. Cada livro trocado é um livro a menos que precisa ser produzido, economizando recursos naturais.

3. Comunidade e conexão: A troca de livros promove a interação social e a construção de uma comunidade de leitores. São momentos em que leitores de todas as idades e geografias se encontram e, de modo informal, trocam impressões e experiências de leitura, fazem recomendações…

4. Diversidade literária: Os participantes têm a oportunidade de escolher livros de entre uma variedade de géneros e autores que talvez não encontrassem de outra forma, pois não há segmentação de públicos, o que enriquece a sua experiência de leitura e amplia os seus horizontes culturais dos leitores.

Em entrevista à Rádio Cister, Helena Guimarães, professora bibliotecária do Agrupamento de Escolas de Cister,  salientou a importância desta iniciativa, que existe há uma década e que, todos os anos, tem mobilizado e fidelizado mais leitores, fortalecendo os laços comunitários. 


Livros p'à troca é uma iniciativa que evidencia que a RBCA continua empenhada em promover o livro, a leitura e o acesso à cultura, reforçando a importância das bibliotecas como espaços de aprendizagem e desenvolvimento pessoal, dentro e fora dos seus muros.

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Qui | 16.01.25

Na era digital, a liberdade está em crise?

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1. O que é a liberdade?

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A liberdade é o poder – e o direito - para cada um decidir o seu destino de acordo com a própria vontade (autonomia).

O exercício da liberdade exige a tomada de consciência sobre os fatores que nela interferem e as metas a alcançar e a vontade em percorrer o caminho. 

Perdida na floresta, “Alice perguntou: Gato Cheshire... pode dizer-me qual o caminho que eu devo tomar? Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato. Eu não sei para onde ir! – disse Alice. Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve” [2].

Na era digital/global parte substancial do exercício da liberdade ocorre na internet. É mediada por algoritmos, bots, cookies, avatares… que se alimentam de dados pessoais e foram desenvolvidos por empresas privadas de escala quase universal. 

2. Capitalismo digital de vigilância

A internet, como a experienciamos hoje, é um modelo de negócio baseado na extração e tratamento de dados pessoais.

Através da agregação sistemática de informação (internet personalizada), as plataformas digitais têm possibilidade de construir um perfil de cada utilizador/consumidor e de vigiar todos os seus comportamentos e preferências pessoais, em todos os domínios.

O capitalismo digital atual é, em boa parte, desmaterializado e invisível. Estrutura-se com base num modelo de personalização e de vigilância que tem no Google/Alphabet um dos seus primeiros e grandes representantes. Estamos longe do capitalismo industrial, representado pelo modelo de produção em série de Henry Ford. 
É importante esta consciencialização para que se abandone a falsa ideia da neutralidade das ferramentas e plataformas digitais.

Qual é a estrutura deste capitalismo?

Imagem2.pngFonte das imagens [3].

2.1. Grupos empresariais

Utilizado em 70% de dispositivos móveis, o Google/Alphabet dispõe, de forma integrada, de uma rede de empresas em todos os setores: correio (Gmail), mapas (Google Maps), tradução (Google Translate), jornalismo (Google News), filmes e entretenimento (YouTube), armazenamento na nuvem (Cloud), estatísticas (Google Analytics), relógios inteligentes (Fibit), saúde e longevidade (Verify, Calico), publicidade (DoubleClick), eletrodomésticos inteligentes (Verify Life), etc., etc.

Estas empresas operam, em simultâneo, em múltiplas áreas de negócio para conhecer melhor os seus clientes e recolher a maior quantidade de dados.

O capital na bolsa do Google/Alphabet é de 2,143 triliões de dólares, valor muitíssimo superior ao PIB de Portugal -  27,832.655 milhões de dólares – e da maioria dos países [4].

O Google/Alphabet é uma DDDN (Data Driven Digital Networks/Rede Digital Movida por Dados) que oferece gratuitamente uma série de serviços a troco dos dados de todos seus clientes/utilizadores que conhece de modo profundo, personalizado/pessoal, quase íntimo.

Este conhecimento permite-lhe oferecer conteúdos à medida e aumentar os lucros deste modelo de negócio de internet personalizada, perpetuando-o.

Os dados dos clientes/utilizadores são recolhidos através:

  • de navegação no motor de busca;
  • do cruzamento com a utilização dos demais serviços de todas as empresas que detém e é parceira.

2.2. Redes Sociais

Também as redes sociais contribuem para amplificar este negócio.

A comunidade de cada uma das principais redes sociais é muito superior ao total de habitantes dos países: Facebook – 3 bilhões, YouTube – 2,5 bilhões, Instagram – 2 bilhões, Portugal - 10 milhões de habitantes.

Considerando que há, no mundo inteiro, cerca de 8 bilhões de habitantes, só a rede social Facebook tem quase um terço dos habitantes do planeta. 
 Imagem3.pngFonte da imagem [5].

As redes sociais são um modelo de negócio alimentado pela publicidade e baseado na quantidade de acessos e de tempo e de atenção e de envolvimento que os clientes/utilizadores passam ligados. A sua lógica é: quanto mais e mais rapidamente se comunica/consome, melhor. A quantidade é um fim em si, incentivando o pensamento impulsivo, que reage e protesta sem refletir e argumentar, como qualquer consumidor e espetador [“democracia de espetadores”, Innerarity ].

Os especialistas que trabalharam na criação de ferramentas das redes sociais alertam: “O que [os utilizadores] não percebem é que há equipas de engenheiros cujo trabalho é usar a nossa psicologia [e vulnerabilidades] contra nós”.

Notificações, reticências, likes, imagens, gamificação… são estratégias eficazes para aprisionarem a nossa atenção e autonomia. Segundo eles, “Todas as nossas ações são monitorizadas e registadas” [6].

2.3. Internet of Things (IoT)

Na era digital, não somos apenas nós que estamos ligados à rede, também as nossas coisas:

  • Em casa, através de assistentes de voz (e.g. Alexa da Amazon), eletrodomésticos inteligentes…
  • Na rua, através de smartwatches, veículos inteligentes…

Os dados que as coisas recolhem e comunicam, automaticamente e em tempo real, às empresas que as fabricam, são os nossos dados pessoais: localização; número de passos; velocidade com que corremos; horas acordados, a ver televisão ou a conduzir; peso (evolução); ritmo cardíaco; velocidade de leitura…

2.4. IA

A IA (Inteligência artificial) automatiza versões agregadas de competências humanas com valor, usadas para ler, conhecer, expressar e influenciar/manipular.

Alimenta-se de grande quantidade de dados e tem a capacidade de processá-los rapidamente e de aprender com essas operações.

A sua evolução tem sido veloz, pelo que, na maioria destas competências, a IA ultrapassou o desempenho humano e está na posse de um número muito reduzido de empresas privadas e de países.

3. Omnipresença e invisibilidade do digital

Um pouco por todo o planeta, as tecnologias digitais tornam-se omnipresentes, operando de forma invisível, sem termos delas consciência.

Em muitas províncias da China recolhem-se dados biométricos, sensíveis, para pagamento, transporte, depósito de lixo e outras ações do dia a dia e em Xinjiang, a empresa SenseNets implantou 6,7 milhões de rastreadores para monitorizar os movimentos de 2,5 milhões de pessoas das minorias uigur e cazaque [7].

Em Portugal, o aeroporto de Lisboa dispõe de embarque de passageiros com recurso a leitura biométrica [rosto e impressão digital – dados sensíveis] e a inteligência artificial, mediante adesão voluntária para adultos - Biometrics Experience [8].

4. A inteligência do sistema digital

Qual é a estrutura do algoritmo?

Na internet aquilo a que os utilizadores têm acesso resulta da aplicação de um algoritmo que, em primeiro lugar, recomenda conteúdos patrocinados e, depois, prioriza os conteúdos disponíveis de acordo com: 

1. Os interesses do utilizador definidos no seu perfil; 
2. O desempenho que esse conteúdo está a ter; 
3. A novidade do conteúdo. 

O sucesso de um conteúdo na internet não depende da sua qualidade, como mostra o vídeo Também é uma alface do Lidl?

A sujeição dos nossos comportamentos aos algoritmos faz com que, segundo Eli Pariser, na internet, os utilizadores ficam menos expostos a pontos de vista diversos, tendem a permanecer, isolados, nas suas bolhas ("filter bubble") ideológicas e culturais, recebem principalmente notícias agradáveis e familiares, que confirmam as suas crenças e pontos de vista.

Segundo John Scruggs (1998), a internet funciona como uma câmara de eco: informações, ideias ou crenças, quando comunicadas e repetidas dentro de um determinado sistema, reforçam-se, amplificam-se. "Quanto mais uma visão ou uma informação particular 'ecoa' ou ressoa através deste grupo, maior é o seu impacto” [9].

Como estes filtros são invisíveis e silenciosos, o ser humano supõe-se livre. Como os prisioneiros da Alegoria da Caverna de Platão, vivemos na caverna: ouvimos os ecos e vemos as sombras na parede e julgamos que essa é a verdadeira realidade.

A estrutura da rede digital é fragmentada, não corresponde a um espaço público, comum a todos. A informação circula entre espaços privados fechados e homogéneos.

A inteligência/ eficácia do sistema digital é que o indivíduo se oferece voluntariamente, deixando abertura para as perguntas:

Queremos …ser livres? …agir? …ser responsáveis?

5. O papel da biblioteca escolar

A liberdade (da ignorância/manipulação, opressão…) é um caminho/conquista (a posteri) que resulta de literacia digital, da informação e media e da leitura, por prazer e no âmbito de todas as áreas do saber.

No seu dia a dia a biblioteca escolar contribui para que todas as pessoas possam, em plena consciência e liberdade, decidir o seu destino. 

Observação:
Este artigo resultou de uma comunicação, junto de alunos de Filosofia e professores, do Agrupamento de Escolas de Bonfim, Portalegre. 
 
Bibliografia

  1. Innerarity, Daniel. (2024). A liberdade democrática. Relógio d’Água.
  2. Pereira da Silva, Jorge. (2024). Direitos Fundamentais para o Universo Digital. FFMS
  3. Han, Byung-Chul. (2017). Psicopolítica. Relógio d'Água

Referências

  1. Alice-in-Wonderland.net. (2024). Alice’s Adventures in Wonderland pictures. https://www.alice-in-wonderland.net/resources/pictures/alices-adventures-in-wonderland/ 
  2. Carroll, Lewis. (1865). Alice no País das Maravilhas.
  3. Morellec, Guillaume. (2024). 1984 - George Orwell. Bèhance. https://www.behance.net/gallery/33546269/1984-George-Orwell?locale=pt_BR 
    StockCake. (n.d.). Morning Light Shadow. https://stockcake.com/i/morning-light-shadow_1505677_1170017 
  4. Market capitalization of Alphabet (Google). https://companiesmarketcap.com/alphabet-google/marketcap/ 
    Portugal Pib Per Capita. https://www.ceicdata.com/pt/indicator/portugal/gdp-per-capita 
  5. Statista. (2024). Redes sociais mais populares no mundo em abril de 2024, por número de utilizadores ativos mensais [em bilhões]. https://www.statista.com/statistics/272014/global-social-networks-ranked-by-number-of-users/ 
  6. Netflix. (2020). O Dilema das Redes Sociais. https://www.netflix.com/pt/title/81254224 
  7. Matthys, Máximo. (2021). 2091: O Ministério da Privacidade. Bienal 21. https://bienal21.bienalfotografiaporto.pt/en/exhibitions/the-horizon-is-moving-nearer/2091-the-ministry-of-privacy/ 
  8. Expresso. (2024). Cidadãos de fora do espaço Schengen que entrem em Portugal obrigados a recolha de dados biométricos [Agência Lusa]. https://expresso.pt/sociedade/2024-09-26-cidadaos-de-fora-do-espaco-schengen-que-entrem-em-portugal-obrigados-a-recolha-de-dados-biometricos-57b4ef3c 
  9. Wikipedia. (2024). Câmara de Eco. https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_de_eco 

 

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