O Gabinete Executivo do Secretário-Geral está a publicar uma série de Resumos de Políticas (Policy Briefs) [2] temáticos para informar os processos d’ A Nossa Agenda Comum/ Our Common Agenda (NU, 2021), relatório que propõe 12 compromissos para acelerar a realização da Agenda 2030.
Estes Resumos ajudam à preparação da Cimeira do Futuro/ Summit of the Future de setembro de 2024, da qual deverá resultar um Pacto para o Futuro [3]. Até lá, terá lugar a Cimeira dos ODS/ SDG Summit, a 18 e 19 setembro (Nova Iorque, 2023), que assinala metade do tempo decorrido da Agenda 2030 (2015-2030).
2. Abordagem
A 25 de maio de 2023, o Gabinete publicou o seu quinto resumo político sobre o Pacto Digital Global [4].
Liderado por dois co-facilitadores dos Estados-Membros, Suécia e Ruanda, o Pacto Digital Global é um processo intergovernamental que pretende, de acordo com o seu Resumo de Políticas, “’moldar uma visão partilhada sobre a cooperação digital’, fornecendo um quadro global inclusivo” (p. 2).
Baseia-se no Roteiro para a Cooperação Digital [5] do Secretário-Geral e no relatório A Nossa Agenda Comum e deverá fazer parte do Pacto para o Futuro.
Policy Brief 5: A Global Digital Compact adota uma abordagem de baixo para cima (bottom-up approach), de escuta democrática. Resultou de vasta consulta multilateral e em linha, entre junho de 2022 e abril de 2023. Participaram mais de 6000 entidades e de 160 governos [6].
As contribuições foram no âmbito das sete áreas temáticas do Pacto: conectividade, evitar fragmentação da internet, proteção de dados, prestação de contas/ responsabilização (accountability) por conteúdo na internet, regulação de IA e bens comuns digitais.
Será na Cimeira do Futuro que o Pacto Digital Global deverá ser acordado.
3. Implementação multilateral e com multi-stakeholders
O Resumo de Políticas sobre o Pacto Digital Global mostra profunda preocupação com a rapidez do progresso tecnológico – e.g. a transformação de IA em armas, deepfake, bioengenharia - e com serem aqueles que desenvolvem IA e que mais beneficiam com ela, quem apela a medidas de governação. Para o SGNU a cooperação digital ancorada em direitos humanos, governada por e para humanos é a visão que protege dos riscos digitais. Neste contexto, apresenta a proposta de:
Criar um órgão consultivo de alto nível para a IA no âmbito do Pacto Global para os Dados. Este órgão poderia incluir peritos dos Estados-Membros, entidades competentes das Nações Unidas, representantes da indústria, instituições académicas e grupos da sociedade civil. (p. 17)
Este órgão para a IA estaria incumbido de apresentar recomendações sobre a forma de governação internacional da IA, alinhando as potencialidades da IA com os direitos humanos e o Estado de Direito.
O Pacto Digital Global propõe ainda a criação de um Fórum de Cooperação Digital multilateral “para acompanhar a evolução tecnológica”, que envolveria empresas de tecnologias digitais, para aproveitar o seu potencial e promover a sua aplicação responsável e evidenciar lacunas (p. 20).
Conforme o artigo anterior, o resumo em português do Relatório de Monitoramento Global da Educação (Global Education Monitoring – GEM) 2023 da UNESCO [2] destaca que “as competências digitais se tornaram parte de um pacote de competências básicas” - como ler, escrever e contar - e podem melhorar a qualidade do ensino e aprendizagem “Em determinados contextos, e para alguns tipos de aprendizagem” (p. 35).
No entanto e, perante a escassez de estudos e evidências sólidas e imparciais sobre os efeitos do uso de tecnologias nas aprendizagens, adverte os decisores para determinados riscos, que exemplificamos.
TIC e desempenho escolar
As melhores evidências disponíveis mostram que “a tecnologia pode ter um impacto negativo se for inadequada ou excessiva”.
Por exemplo, os resultados do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA) “sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e o desempenho académico. Descobriu-se que a simples proximidade de um telemóvel era capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem em 14 países” (Resumo GEM 2023, p. 8).
Referindo os resultados do Estudo Internacional sobre Literacia Informática e da Informação (International Computer and Information Literacy Study - ICILS) 2018, o Relatório refere que, para os professores, a tecnologia, para além do efeito distrativo (em sala de aula e em casa), “prejudica a gestão da sala de aula” e “pode colocar os estudantes com menor desempenho e os mais novos em risco cada vez maior de abandono escolar” (Resumo GEM 2023, p. 15).
Alguns dos aspetos mais “negativos e prejudiciais do uso de tecnologia digital na educação e na sociedade incluem o risco de distração e a falta de interação humana”, bem como a invasão na privacidade, a disseminação da polarização e do discurso de ódio e da desinformação na internet, que pode pôr em risco a democracia e os direitos humanos em que se baseiam a nossa civilização (Resumo GEM 2023, p. 10).
TIC e desigualdade
A maior parte do conteúdo digital disponível é monolingue – idioma inglês – e criado por grupos historicamente privilegiados, reforçando a desigualdade no acesso e na criação de conteúdos e perpetuando preconceitos e estereótipos:
“Quase 90% do conteúdo disponível em repositórios de educação superior com coleções de recursos de educação aberta foi criado na Europa e na América do Norte; 92% do conteúdo da biblioteca global OER Commons está em inglês. Os cursos abertos online e massivos (Massive Open Online Courses – MOOCs) beneficiam principalmente estudantes instruídos e de países mais ricos” (Resumo GEM 2023, p. 8).
O Relatório levanta ainda a questão sobre se a tecnologia “ameaça a democracia ao permitir que alguns poucos selecionados controlem as informações?” (Resumo GEM 2023, p. 35) e admite a possibilidade de poder piorar as desigualdades.
TIC e segurança, bem-estar e sustentabilidade
GEM 2023 alerta para os “impactos adversos na saúde física e mental” de uma maior exposição a ecrãs que o reforço na educação digital pode trazer (Resumo GEM 2023, p. 11). Evidencia que “89% dos 163 produtos de tecnologia recomendados durante a pandemia tinham a capacidade de recolher dados de crianças. Ademais, 39 dos 42 governos que ofereceram educação online durante a pandemia acomodavam usos que colocavam em risco ou infringiam os direitos das crianças” (Resumo GEM 2023, p. 7). Para garantir o bem-estar das crianças, agora “Quase um quarto dos países proibiram os smartphones nas escolas” (Resumo GEM 2023, p. 7).
Também ao nível da saúde do planeta, a rápida substituição de equipamentos, o consumo energético a que o seu uso contínuo obriga e a reduzida reciclagem de lixo eletrónico - altamente poluente (alumínio, arsénio, berílio, chumbo, cobre, platina, plástico) - tem efeitos substanciais no aumento das emissões de CO2 e exemplifica: na Europa, aumentar por um ano o tempo de vida útil dos computadores é o equivalente a tirar de circulação 1 milhão de carros (Resumo GEM 2023, p. 7).
Investimento em TIC pode atrasar o alcance do ODS 4 em alguns países
Em países – ou regiões - de renda baixa a média-baixa, o dispêndio de recursos em tecnologia, muitas vezes onerosa, “em vez de em sala de aula, professores e livros didáticos” a que as crianças e jovens não têm acesso pode, depois da pandemia Covid-19, colocar “o mundo numa posição ainda mais distante de alcançar o objetivo mundial de educação” (Resumo GEM 2023, p. 9).
Quando ponderamos a introdução de tecnologia digital na educação, é fundamental garantir:
Todos os direitos a todas as crianças, o superior interesse da criança (“estrutura baseada em direitos”);
Resultados/ Outputs de aprendizagem (“não [nos focarmos] nos insumos digitais”);
Contacto com o professor - “a tecnologia digital não deve substituir, e sim complementar a interação presencial com os professores” (Resumo GEM 2023, p. 23).
Para garantir que a tecnologia contribui para uma educação justa e sustentável, apresenta recomendações aos governos, por exemplo:
“Estabelecer organismos para avaliar a tecnologia educacional”, de forma “independente e imparcial” e com critérios objetivos;
“Realizar projetos-piloto” com estudantes marginalizados;
“Garantir a transparência dos gastos públicos”, monitorizando todos os custos, de instalação, de manutenção [e ambientais];
“Estabelecer um currículo e uma estrutura de avaliação de competências digitais que sejam amplos, não vinculados a uma tecnologia específica”;
“Adotar e implementar legislação, normas e boas práticas” protetoras dos direitos humanos, do bem-estar e da segurança;
Evitar “soluções que não sejam sustentáveis quanto a requisitos de energia e materiais” (Resumo GEM 2023, pp. 24, 25);
Incentivar a educação digital universal e gratuita e a criação de “Bens públicos digitais”, que incluem REA - Recursos Educacionais Abertos (Resumo GEM 2023, p. 24).
Pode gostar de ler GEM 2020 sobre Inclusão e Educação.
Referências
Fonte da imagem: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). GEM Report: Technology in education: A tool on whose terms [vídeo]. UNESCO. https://www.youtube.com/watch?v=1SOySp8QJtk
Resumo do Relatório em Português: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? (p. 3). UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por
No cenário caótico da desinformação, onde a sabedoria é escassa e as verdades obscurecidas, mergulhamos nas entrelinhas da literacia dos media e da informação, vislumbrando o seu valor crucial na batalha contra a distorção da realidade. Destacamos a importância da colaboração entre docentes e professores bibliotecários, que devem preservar o conhecimento, confrontar as narrativas manipuladoras e contribuir para uma sociedade informada e crítica. Este artigo é o quarto de um conjunto de cinco, a publicar semanalmente.
Na complexa estrutura da escola, a colaboração entre docentes e professores bibliotecários desempenha um papel primordial na promoção da literacia dos media e da informação. Ao unirem forças, ampliam a sua capacidade de enfrentar os desafios da desinformação, partilhando conhecimentos, estratégias e melhores práticas.
Essa colaboração viabiliza o desenvolvimento de programas de literacia que fortalecem competências essenciais, como a análise crítica, a reflexão e o uso responsável da informação e dos media. Ao adotarem uma abordagem interdisciplinar e abrangente, esses profissionais colaboradores oferecem uma educação mais completa e relevante, enriquecendo o ensino dessas competências.
Para nutrir essas competências de forma eficaz, é imprescindível que docentes e professores bibliotecários encontrem propósitos e pedagogias comuns. Trabalhando juntos, fomentam o pensamento crítico, a equidade, a sustentabilidade e o bem-estar social dos alunos, integrando a literacia dos media e da informação em diferentes áreas de conhecimento.
Essa colaboração também propicia a troca enriquecedora de experiências e recursos entre os profissionais envolvidos. Os docentes podem beneficiar do conhecimento e da expertise dos professores bibliotecários em literacia dos media e da informação, enquanto estes enriquecem a sua prática pedagógica ao compreender as necessidades e os objetivos curriculares das disciplinas.
Essa sinergia fortalece a abordagem educativa como um todo, resultando numa educação completa e relevante para os alunos. Ao partilharem as suas habilidades e experiências, os profissionais envolvidos capacitam os alunos para se tornarem cidadãos informados, críticos e responsáveis.
Nessa trama colaborativa, construímos pontes que transcendem limites e estabelecemos uma nova visão educativa, onde a interconexão entre saberes e perspetivas enriquece o tecido educativo e social. É na convergência dos esforços desses protagonistas que se tece o conhecimento, e é por meio dessa colaboração incansável que pavimentamos o caminho para uma sociedade engajada, crítica e esclarecida.
Sei que já ouviu muitas variações desta afirmação. Será que se aplica ao sítio Web da sua biblioteca? Sem dúvida. Construo sítios Web desde o fim da década de 1990. Muito antes de existirem estudos de usabilidade ou cursos de web design, as regras de construção de bons sítios eram transmitidas de boca em boca. Muitos de nós, nas bibliotecas, evoluímos juntamente com a Web em tempo real. Mas, à medida que a complexidade dos sítios Web foi aumentando, os conhecimentos necessários para os desenvolver também aumentaram. Longe vão os dias em que um estudante do liceu local podia construir algo e seria suficientemente bom. As exigências de um sítio Web moderno são assustadoras. Atualmente, os sítios Web têm de ter bom aspeto, mas também têm de ser utilizáveis, acessíveis e escaláveis. Têm de fazer muito mais do que ser brochuras na Internet. Já não se trata apenas de código; para ser sincera, já não se trata apenas de código há muito tempo - e é aqui que reside o problema.
A transmissão de diretrizes de boca em boca é como o jogo do telefone, pois estas podem ser deturpadas e mal interpretadas. Lembra-se da regra dos três cliques? Remontando aos primórdios da Web visual, este alegado requisito dizia aos criadores de sítios que nenhuma página de um sítio devia estar a mais de três cliques de distância da página inicial. Muitos repetiram-na ao longo dos anos e eu ainda a ouço até hoje. No entanto, nunca houve dados comportamentais reais para apoiar esta afirmação. Foi transmitida como verdade absoluta, sem qualquer fundamento científico que a sustentasse.
Hoje, as orientações baseiam-se em estudos atuais. Quase tudo o que está relacionado com os sítios Web está também frequentemente relacionado com o comportamento humano. É impossível separar as duas coisas. Tem-se analisado muito a forma como os utilizadores interagem com os sítios e quais as configurações que esperam encontrar. Na comunidade bibliotecária, muitas vezes não há consciência da existência deste tipo de dados ou de que devem ser aplicados aos sítios Web das bibliotecas. Como resultado, o que os utilizadores podem encontrar nos sítios de muitas bibliotecas pode estar irremediavelmente desatualizado, incompleto ou frustrante.
De acordo com a minha experiência, os funcionários das bibliotecas têm tendência para se basearem muito nas primeiras recomendações que ouvem. Isto está relacionado com o meu ponto anterior. Se os funcionários já ouviram alguma coisa sobre as melhores práticas no passado, podem agarrar-se a esse conhecimento, em vez de se manterem a par das novas informações. Podem acreditar que a declaração original ainda é a correta. Infelizmente, o que se aprendeu na escola de biblioteconomia pode muito facilmente já não ser aplicável. Não posso transmitir eficazmente tudo o que se deve saber sobre web design no espaço deste artigo, mas posso partilhar algumas alterações críticas e baseadas em evidências que podem ser implementadas para criar benefícios concretos para os utilizadores do sítio da sua biblioteca.
Laura Solomon é gestora de serviços bibliotecários da Rede de Informação da Biblioteca Pública do Ohio (oplin.ohio.gov) e programadora Web front-end certificada. Há mais de 20 anos que desenvolve e desenha para a Web, tanto em bibliotecas públicas como enquanto consultora independente. É especialista em desenvolvimento com Drupal. Eleita Library JournalMover & Shaker em 2010, escreveu três livros sobre redes sociais e marketing de conteúdos, especificamente para bibliotecas, e dá palestras internacionais sobre estes e outros tópicos relacionados com tecnologia. Como ex-bibliotecária infantil, gosta de levar a "diversão da tecnologia" ao público e de dar às bibliotecas as ferramentas de que necessitam para servir melhor o cliente virtual.
Da série de Resumos de Políticas publicados pelo Gabinete Executivo do Secretário-Geral das NU, o resumo 3, Envolvimento significativo dos jovens nas políticas e nos processos de tomada de decisão (2023, abril), destaca o papel dos jovens no alcance dos ODS, podendo inspirar decisões que envolvem a biblioteca escolar.
1. Identifica uma oportunidade
"Os jovens são fundamentais para identificar novas soluções que garantam os avanços de que o nosso mundo precisa com urgência. (…) Nos últimos anos, os jovens tornaram-se uma força motriz para a mudança da sociedade através da mobilização social - impulsionando a ação climática, buscando justiça racial, promovendo a igualdade de género e reivindicando dignidade para todos. Também se registaram inúmeros exemplos de jovens que impulsionaram mudanças inovadoras numa série de domínios, como os negócios, a tecnologia e na ciência." (UN, 2023)
Os jovens são referidos em cerca de 90 indicadores dos ODS e “estão a desempenhar um papel importante” na concretização da Agenda 2030. O documento destaca que têm sido “atores cruciais” no reforço da paz e segurança e na defesa dos direitos humanos: “liberdade de informação, opinião, expressão, associação e reunião, tanto em linha como fora”, igualdade de género e direitos LGBTIQ+.
2. Identifica (pelo menos) dois problemas
“Enquanto futuros guardiões do planeta, também são os que mais podem perder se as sociedades se tornarem mais inseguras e desiguais e se a tripla crise planetária continuar”. Por exemplo, atualmente, os jovens são o grupo social com a mais elevada taxa de desemprego, refere o documento. Na terminologia das NU esta crise corresponde à interseção de 3 crises globais: poluição, crise climática e perda de biodiversidade;
“(…) quando se trata de participar na elaboração de políticas públicas e na tomada de decisões, os jovens permanecem quase invisíveis”. A nível nacional e multilateral “continuam a exercer pouca influência na tomada de decisões em torno do desenvolvimento sustentável, da manutenção da paz e da segurança e dos direitos humanos”. Parecem ter uma participação quase simbólica, pouco eficaz e manifestam publicamente a sua frustração: “Querem que o seu contributo seja levado a sério. Querem ser envolvidos em todas as decisões que contam. Querem ser envolvidos durante todo o processo de decisão e não apenas quando uma decisão está a ser anunciada”.
Com base em A Nossa Agenda Comum e nas consultas intergovernamentais que incluem jovens, o SGNU apresenta 3 recomendações, das quais destacamos as duas primeiras:
1-“Expandam e reforcem a participação dos jovens na tomada de decisões a todos os níveis”;
2-Tornem o envolvimento dos jovens significativo e eficaz.
3. O que é o envolvimento significativo dos jovens?
É aquele que obedece a vários princípios, dos quais destacamos:
- Mandato institucional: os jovens devem ser formalmente convocados a participar em todo o processo de decisão, evitando abordagens ad hoc;
- Recursos: a sua participação deve envolver financiamento e/ou outros recursos (e.g. espaços físicos e virtuais);
- Participação voluntária: devem ter o direito de cessar a sua participação em qualquer fase do processo;
- Participação informada: devem receber atempadamente informação adequada ao nível de maturidade sobre as questões em debate, o seu papel e direitos;
- Responsabilidade recíproca: devem saber como é que os seus contributos foram usados para influenciar os resultados – estes contributos devem resultar da consulta de círculos mais alargados de jovens;
- Diversidade e inclusão: assegurar a participação de diferentes vozes.
Esta participação contribui para a mudança de estatuto dos jovens, “parceiros iguais nos processos de tomada de decisões”.
Nos últimos anos têm-se registado progressos, “lentos, mas constantes”, na participação dos jovens. Alguns países, entre os quais Portugal, criaram conselhos e parlamentos nacionais – e locais – de jovens que participam em grupos de trabalho técnicos sobre revisões voluntárias dos ODS dos países. Outros criaram um Provedor da Juventude para os ODS e outros, como Portugal, incluem equipas de jovens nas delegações nacionais que participam em fóruns políticos de alto nível sobre a Agenda 2030 ou outras matérias.
4. Porque é que é importante a participação dos jovens?
O índice mundial de juventude na política é muito reduzido: apenas 2,6% dos parlamentares/ deputados têm menos de 30 anos e, destes, só 30% são jovens mulheres.
Num contexto de multi-crises globais, a confiança na democracia e nas instituições públicas “está corroída”, a “coesão social está à beira do abismo” e a inclusão dos jovens no espaço político “oferece perspetivas diversas que melhoram e informam decisões críticas”, tornando a elaboração de políticas mais representativa e eficaz. Numa lógica de transformação sustentável, os jovens “demonstram uma maior vontade de pensar em grande, [de forma] inovadora e com uma perspetiva de longo prazo”.
O SGNU propõe a criação de uma Assembleia Municipal da Juventude das Nações Unidas que facilite a representação dos jovens nas decisões multilaterais.
“Rumo a uma abordagem centrada no ser humano para o uso de IA generativa”[2]
Desde final de novembro de 2022, as ferramentas de inteligência artificial generativa têm-se multiplicado rapidamente, sem dar tempo aos governos e às instituições educativas de se posicionarem face às mesmas nem de criarem orientações ou regulamentação. A ausência de regulamentação sobre inteligência artificial generativa na maioria dos países deixou a privacidade dos dados dos utilizadores desprotegida e as instituições educativas sem preparação para validar as ferramentas, pelo que se afigurava urgente dar um passo nesse sentido.
Assim, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicou, no dia 7 de setembro de 2023, um texto para orientar o uso de ferramentas de inteligência artificial generativa em contexto educativo e investigação[3], que visa apoiar os países a implementar ações imediatas, planificar políticas de longo prazo e desenvolver a capacidade de garantir uma visão centrada no ser humano no uso destas novas tecnologias, mitigando potenciais riscos para os valores humanísticos fundamentais.
De acordo com a Recomendação sobre a Ética da lnteligênciaArtificial [4], o presente documento está ancorado numa abordagem humanista da educação e responde ao apelo do relatório de 2021 da Comissão Internacional- Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação [5], apontando a necessidade de redefinir a nossa relação com a tecnologia, como parte integrante dos esforços para renovar o contrato social para a educação.
O documento recentemente publicado propõe etapas importantes para as agências governamentais regularem o uso de inteligência artificial generativa, sublinhando a obrigatoriedade da proteção da privacidade dos dados, a necessidade de se estabelecer um limite de idade para o seu uso em contexto educativo e de programas de formação de professores sobre o tema, de modo a garantir o seu uso ético e eficaz.
Assim, o guia agora publicado enfatiza o facto de ser imperativo que as instituições educativas validem os sistemas de inteligência artificial generativa de acordo com princípios éticos e pedagógicos, para trazer efetivos benefícios a alunos, professores e investigadores, e deixa um apelo à comunidade internacional para que reflita e debata sobre as implicações futuras da inteligência artificial generativa no conhecimento, ensino, aprendizagem e avaliação.
Resumo do Guia da UNESCO
O documento é constituído por seis capítulos:
O primeiro capítulo procura esclarecer o que é a inteligência artificial generativa e a forma como funciona, salientando a sua especificidade e limitações, nomeadamente o facto de per se não poder gerar novas ideias ou soluções para os desafios do mundo real (não apreende o mundo real, objetos nem as relações sociais que sustentam a linguagem) e de não ser isenta de erros. Apresenta ferramentas alternativas ao ChatGPT, de acesso aberto ou gratuito, e outros produtos baseados em LLM (Large Language Model) para criar texto, imagem, som, o que requer competências e capacidades muito precisas aquando da interação com esses sistemas para efetivamente tirar partido das suas potencialidades.
O segundo capítulo centra-se nas controvérsias em torno da inteligência artificial generativa e suas implicações para a educação e investigação, alertando os decisores políticos para a necessidade de tomar medidas urgentes para impedir o agravamento das assimetrias resultantes do acesso desigual à criação, controlo e acesso a modelos de inteligência artificial generativa.
É preciso que os utilizadores desenvolvam uma capacidade crítica face às orientações, valores, padrões culturais e costumes sociais incorporados nos modelos de inteligência artificial generativa, para evitar a propagação de deepfakes e polarização. Os outputs podem parecer ser bastante precisos e convincentes, mas, como os dados de treino GPT (Generative Pre-Trained Transformer) são normalmente extraídos da internet, muitas vezes contêm erros e ideias tendenciosas, por isso é fundamental validar a informação e isso requer conhecimentos e capacidades sólidos que têm de ser desenvolvidos. Estes modelos podem, também, reduzir a diversidade de opiniões e marginalizar ainda mais as vozes já marginalizadas, já que os outputs gerados representam somente a visão mais comum ou dominante do mundo no momento em que os seus dados de treino foram produzidos.
O terceiro capítulo detém-se na urgência de regulamentar o uso de inteligência artificial generativa em contexto educativo, para atenuar as controvérsias que gera e aproveitar os potenciais benefícios, o que implica várias etapas e medidas políticas baseadas numa abordagem centrada no ser humano para garantir a sua relevância, ética, segurança e equidade. Assim, neste capítulo propõem-se alguns passos para regular a inteligência artificial generativa na educação e elementos-chave a considerar aquando da elaboração das regulamentações.
No que concerne ao limite de idade para o uso de inteligência artificial generativa, a maioria das aplicações ou ferramentas são projetadas principalmente para utilizadores adultos, pois implicam riscos para crianças, incluindo a exposição a conteúdos inadequados ou uma potencial manipulação. À luz destes riscos, é fortemente recomendada uma idade limite para o uso das tecnologias de IA de uso geral a fim de proteger os direitos e o bem-estar das crianças.
Atualmente, os termos de uso do ChatGPT exigem que os utilizadores tenham, pelo menos, 13 anos de idade, sendo que os utilizadores com menos de 18 anos devem ter permissão dos pais para usar os seus serviços [6], no entanto, já se pondera aumentar esse limite, passando de 13 para 16 anos. O Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia[7] (2016) especifica que os utilizadores devem ter pelo menos 16 anos para usar os serviços dos media sociais sem permissão dos pais.
O aparecimento recente de vários chatbots de inteligência artificial generativa exige que os governos dos diferentes países considerem cuidadosamente – e deliberem publicamente – a idade limite apropriada para conversas independentes com plataformas de inteligência artificial generativa, considerando que o limite mínimo deveria ser 13 anos de idade, e, ainda, formas de verificação do cumprimento desse requisito.
O quarto capítulo procura fixar um quadro político que oriente a utilização de inteligência artificial generativa na educação e investigação, pois somente alguns países adotaram políticas ou planos específicos para o uso da IA nesse contexto específico. São sugeridas recomendações e medidas concretas, sendo o ponto de partida AI and education: guidance for policy-makers (Unesco, 2021) [8].
As oito medidas específicas para orientar governos na formulação, desenvolvimento e implementação de políticas setoriais e específicas sobre IA em educação são:
1- Promover a inclusão, a equidade, a diversidade linguística e cultural;
2- Proteger a “agência” humana, a capacidade dos seres humanos de fazerem escolhas, de exercerem o seu livre-arbítrio e de tomarem decisões de forma independente.
3- Monitorizar e validar sistemas de inteligência artificial generativa para a educação;
4- Desenvolver competências de inteligência artificial generativa nos alunos;
5- Capacitar professores e investigadores para fazerem um uso adequado da inteligência artificial generativa;
6- Promover a expressão de ideias plurais;
7- Testar localmente a relevância de modelos de inteligência artificial generativa e criar uma base de evidências;
8- Analisar as implicações da inteligência artificial generativa a longo prazo numa perspetiva intersetorial e interdisciplinar.
O quinto capítulo enfatiza a necessidade de facilitar o uso criativo da inteligência artificial generativa em contexto educativo e ao nível da investigação, pois estas podem ser usadas produtivamente em ambientes educativos trazendo grandes benefícios. Assim, apresenta estratégias institucionais para facilitar o uso responsável e criativo dessas ferramentas e plataformas, sublinhando a necessidade de priorizar, na interação entre humanos e ferramentas de IA, critérios pedagógicos, devendo o recurso a essas ferramentas contribuir para satisfazer necessidades dos seres humanos e tornar a aprendizagem e a investigação mais eficazes. Por isso, a seleção das ferramentas e conteúdos deve atender à faixa etária dos alunos, aos resultados esperados e ao tipo de conhecimento que se procura desenvolver (factual, concetual, processual ou metacognitivo), sendo muito importante uma monitorização contínua.
O sexto e último capítulo foca-se no futuro da inteligência artificial generativa na educação e investigação, prevendo um impacto a médio e longo prazo cujos contornos ainda são desconhecidos, daí a necessidade de atenção imediata e de uma análise mais aprofundada, atendendo a questões éticas, direitos autorais e propriedade intelectual, fontes de conteúdo e de aprendizagem, avaliação e resultados de aprendizagem. Sublinha-se a ideia de que o recurso à inteligência artificial generativa deve promover a criatividade, a colaboração, o pensamento crítico e outras competências/ habilidades de pensamento de ordem superior.
Considerações finais
Na perspetiva de uma abordagem centrada no ser humano, as ferramentas de inteligência artificial generativa devem ser projetadas para aumentar capacidades intelectuais humanas e competências sociais, pondo-as ao serviço de um futuro inclusivo e sustentável.
A inteligência artificial generativa deve ser posta ao serviço da educação e da investigação, todavia todo o processo deve ser rigorosamente acompanhado e orientado para uma abordagem centrada no ser humano.
Somente desse modo se poderá garantir que as potencialidades da IA, em particular, e de todas as outras tecnologias utilizadas na educação, de forma mais ampla, irão efetivamente melhorar as capacidades humanas e construir futuros digitais para todos.
Referências
Tradução nossa do título Guidance for generative AI in education and research.
Frase utilizada por Stefania Giannini, assistente da Diretora-Geral da UNESCO para a Educação, no prefácio do documento Guidance for generative AI in education and research, da UNESCO (2023). https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386693 .
A Educação 2030: Declaração de Incheon e Quadro de Ação determina que o Relatório de Monitorização Global da Educação (Global Education Monitoring – GEM) seja “o mecanismo para orientar a monitorização e a elaboração de relatórios sobre o ODS 4” [2], para informar sobre as estratégias nacionais e internacionais e ajudar na responsabilização pelos compromissos dos Estados Membros no setor da educação e no acompanhamento e revisão geral dos ODS.
O Relatório GEM 2023 é elaborado quando se atingiu metade do tempo da Agenda 2030 (2015 – 2030), por uma equipa independente da UNESCO e, na sequência de um processo exaustivo de consulta dos países. De periocidade anual e baseado em evidências/ factos, centra-se este ano na resposta à questão, “A tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?”.
O resumo do Relatório em português [2], principal fonte deste artigo, segue a estrutura do Relatório integral e divide-se em duas partes: a primeira sobre Tecnologia em Educação e a segunda sobre Monitorização da Educação, tendo em conta os sete indicadores do ODS 4 – “Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Neste artigo, focamo-nos na primeira parte, a mais extensa do GEM 2023.
Potencialidades das tecnologias digitais
Caminhamos para o acesso universal à internet: “Em todo o mundo, a percentagem de utilizadores de internet aumentou de 16% em 2005 para 66% em 2022” (Resumo GEM 2023, p. 8) e isto é importante porque a tecnologia acessível pode gerar inúmeras oportunidades:
Cria acessibilidade e personalização a estudantes com deficiência, que vivem em regiões de difícil acesso (ensino à distância) ou que não são nativos, produzindo recursos multimodais e plurilingues;
Facilita a distribuição, aumentando exponencialmente o acesso a recursos/ conteúdos de ensino e aprendizagem digitais/ digitalizados;
Cria ambientes de aprendizagem – formal e informal - flexíveis, criativos, colaborativos, com partilha de recursos e experiências;
Reduz os custos dos recursos educativos e da formação de professores;
Torna a aprendizagem significativa, aumentando a motivação – “As crianças podem aprender sem elas. No entanto, é improvável que a educação seja igualmente relevante” (Resumo GEM 2023, p. 8). Permite o uso de ferramentas que, integradas na aprendizagem, potenciam-na - exemplo, “43 estudos publicados de 2008 a 2019 apontou que jogos digitais traziam melhorias em resultados cognitivos e comportamentais em matemática” (Resumo GEMN 2023, p. 15);
Facilita a avaliação do que foi aprendido e a gestão de dados, permitindo poupar tempo - “Melhorias em eficiência talvez sejam a forma mais promissora pela qual a tecnologia digital possa fazer diferença na educação” (Resumo GEM 2023, p. 10).
Principal problema: Escassez de evidências sólidas e imparciais que apoiem a decisão
Não obstante o seu potencial, a experiência recente da pandemia Covid-19 evidenciou que “Muitos não conseguem aceder a ela, não conseguem usá-la para ensinar, pode não se adaptar à maneira como aprendemos” e que “nada supera a interação humana. Aprendemos melhor uns com os outros” e presencialmente. As tecnologias digitais devem ser “utilizadas para apoiar uma educação baseada na interação humana em vez de a substituírem” [3].
O Relatório apela aos decisores em educação para questionarem: “Em que termos usamos a tecnologia na educação? É apropriada para o que precisamos, deixa alguém para trás, vale a pena o investimento?” [3]. Quais são os riscos e oportunidades para a nossa humanidade/ direitos, privacidade/ segurança e para o planeta/ ambiente?
Adota uma abordagem crítica sobre Tecnologia e Educação:
“Nem toda mudança constitui progresso. O fato de que algo pode ser feito não significa que deva ser feito. A mudança precisa de acontecer de acordo com as necessidades dos estudantes para evitar a repetição de um cenário como o observado durante a pandemia da COVID-19, quando uma explosão de ensino à distância deixou centenas de milhões de pessoas para trás.
Não se pode esperar que a tecnologia criada para outros usos seja necessariamente adequada em todos os ambientes educacionais para todos os estudantes. Tampouco se pode esperar que as regulamentações estabelecidas fora do setor educacional cubram necessariamente todas as necessidades da educação” (Resumo GEM 2023, p. 23).
Nas Mensagens Principais com que a UNESCO abre o Relatório, destaca que “Evidências sólidas e imparciais do impacto da tecnologia educacional são escassas”. A maior parte das evidências são produzidas pelas empresas que querem vender as tecnologias. Por exemplo, a Pearson, empresa com fins educativos e a maior editora de livros do mundo com uma estratégia muito focada no digital, financiou os próprios estudos, contestando “uma análise independente que demonstrava que os seus produtos não tinham impacto algum” na melhoria de competências dos alunos (Resumo GEM 2023, p. 15).
A maior parte das discussões sobre tecnologia educativa foca-se mais na tecnologia do que na educação, quando devia ser o inverso: “A tecnologia será capaz de ajudar a resolver os desafios mais importantes da educação?” Quais são os principais desafios da educação? (Resumo GEM 2023, p. 10).
Igualdade e inclusão para que cada um possa realizar o seu potencial através da educação – “como é que a educação se poderia tornar a grande equalizadora?”
Qualidade dos conteúdos e da oferta da educação para que a Agenda 2030 possa ser alcançada – “como é que a educação pode ajudar os estudantes, não somente a adquirir conhecimento, mas também a serem agentes de mudança” na sociedade?
Eficiência – a educação será capaz de equilibrar a aprendizagem individualizada com as necessidades de socialização - proporcionando convivência e interação entre pessoas diferentes na vida real – e da sociedade? Segundo o Relatório, a qualidade da educação tem de incluir resultados sociais com ligação à vida das pessoas: menor desigualdade, equilíbrio ambiental, democracia, bem-estar.
A falta de dados sobre os efeitos das tecnologias digitais nas aprendizagens resulta da rapidez com que as mudanças no setor se processam – “não há tempo de fazer avaliações para fundamentar decisões sobre legislação, políticas e regulamentação” – e da pressão dos agentes comerciais, por exemplo editoras e livreiros, para que os sistemas educativos se adaptem a elas. No entanto, é necessário ceder ao fascínio comercial pela novidade e ao FOMO (fear of missing out/ medo de ficar de fora).
De acordo com o Relatório, o uso de tecnologia teve efeitos moderados a baixos em algumas aprendizagens – por exemplo, “a avaliação de 23 aplicativos de matemática usados no nível primário demonstrou que eles se concentravam em memorização e prática, em vez de competências avançadas” (Resumo GEM 2023, p. 6).
São vários os exemplos de países em que se verifica que as aprendizagens não melhoram com o ensino exclusivamente remoto ou com a entrega de equipamentos com conteúdos didáticos, sem integração em formação e apoio a professores e alunos.
Na prática, o uso de TIC em sala de aula “não é significativo, inclusive nos países mais ricos do mundo” – por exemplo, segundo o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA) 2018, em média, apenas “10% dos estudantes de 15 anos, em mais de 50 sistemas educacionais participantes usaram aparelhos digitais por pelo menos uma hora por semana para aulas de matemática” (Resumo GEM 2023, p. 14).
Destaca que “a tecnologia não precisa ser avançada para ser efetiva” (p. 6). Em alguns contextos, gravações de aula e sua transmissão através de rádio, televisão e telemóvel básicos, associadas a textos impressos, foi eficaz.
Relativamente à introdução de Inteligência Artificial na educação, já se usam sistemas inteligentes de ensino que monitorizam progressos, dificuldades/ erros, dão retorno, apoiam a realização de trabalhos, identificam plágio, automatizam tarefas repetitivas, aumentando na escola a pressão para desenvolver competências de nível superior. Relativamente ao uso de IA generativa, ao permitir “simplificar o processo de obter respostas”, pode “exercer um impacto negativo na motivação do estudante de conduzir pesquisas independentes e achar soluções” (Resumo GEM 2023, p. 12).
O Relatório defende que há evidências de que algumas tecnologias digitais, em alguns contextos, melhoram as aprendizagens, mas é preciso que sejam feitos e divulgados amplamente mais e melhores estudos imparciais.
Pergunta “o que significa ser uma pessoa bem-educada num mundo moldado pela inteligência artificial” e afirma que “a resposta ideal provavelmente não será maior especialização em domínios relacionados à tecnologia; em vez disso, é um currículo equilibrado” com “oferta de artes e humanidades para reforçar a responsabilidade, a empatia, a moral, a criatividade e a colaboração dos estudantes” (Resumo GEM 2023, p. 12).
Este artigo terá continuação no dia 27/09/2023.
💡Pode gostar de ler GEM 2020 sobre Inclusão e Educação.
Referências
Fonte da imagem: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? UNESCO. https://www.unesco.org/gem-report/en/technology
Resumo do Relatório em Português: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? (p. 3). UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). GEM Report: Technology in education: A tool on whose terms [vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=1SOySp8QJtk
No cenário caótico da desinformação, onde a sabedoria é escassa e as verdades obscurecidas, mergulhamos nas entrelinhas da literacia dos media e da informação, vislumbrando o seu valor crucial na batalha contra a distorção da realidade. Destacamos a importância da colaboração entre docentes e professores bibliotecários, que devem preservar o conhecimento, confrontar as narrativas manipuladoras e contribuir para uma sociedade informada e crítica. Este artigo é o terceiro de um conjunto de cinco, a publicar semanalmente. ________________________________________________________________________________________________________________
O Referencial "Aprender com a Biblioteca Escolar", publicado em 2012 e atualizado em 2017 pela Rede de Bibliotecas Escolares, revela os alicerces do papel crucial desempenhado pelas bibliotecas na formação das competências em literacias. Esse documento apresenta diretrizes que integram as bibliotecas nas disciplinas curriculares, transformando-as em espaços colaborativos de aprendizagem.
Essa abordagem integrada rejuvenesce as bibliotecas, convertendo-as em centros vibrantes de informação, tecnologia e criatividade. Ao incorporar as literacias nos seus serviços, as bibliotecas oferecem aos utilizadores as ferramentas essenciais para explorar o vasto mundo digital, avaliar criticamente as informações e contribuir de forma responsável e engenhosa para o ambiente online.
Ao refundar as bibliotecas como ambientes dinâmicos e inovadores, presenciamos o renascimento do seu poder transformador. Nesse espaço, onde “Luminares” e “Guardiões do Conhecimento” se encontram, descobrimos um terreno fértil para a colaboração e o crescimento mútuo. Ao estabelecer parcerias entre biblioteca e salas de aula, a comunidade fortalece o acesso à informação, aprofunda a compreensão crítica e capacita os seus membros para se tornarem cidadãos informados e participativos.
Essa ligação entre biblioteca e literacias cria uma sinergia poderosa, onde a procura pela verdade, a salvaguarda do conhecimento confiável e o desenvolvimento das competências se entrelaçam. Ao unir recursos, conhecimentos e esforços, erguem-se os pilares de uma sociedade informada, consciente e engajada, em que a biblioteca escolar desempenha um papel central na formação de alunos capazes de enfrentar, com destreza, os desafios do mundo contemporâneo.
Nessa jornada de transformação, a biblioteca representa uma ode à resiliência humana, à busca incessante pelo conhecimento e à superação dos métodos e modos tradicionais de ensinar e de aprender. É a saga de uma instituição que se reinventa, emergindo das cinzas do passado para iluminar o caminho rumo a um futuro em que a sabedoria é a força motriz que nos impulsiona a desbravar novos horizontes e moldar uma sociedade que valoriza o rigor conceptual, a busca incansável pela verdade e o poder emancipador das literacias. Nesse desafio, encontramos a essência da transformação intelectual e o irresistível chamado para uma nova era de compreensão e construção do conhecimento nas escolas.
Education at a Glance é um relatório anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que apresenta uma análise abrangente e comparativa das tendências educativas em diversos países membros, nos quais se inclui Portugal, e parceiros. Considera os diversos níveis de ensino, desde a educação pré-escolar até o ensino superior e a formação profissional, e inclui vários indicadores educacionais.
O objetivo principal deste relatório, uma referência a nível mundial, é devolver uma visão geral das políticas educacionais e as suas consequências em termos de acesso, qualidade, financiamento e resultados educacionais, sendo uma “ferramenta” para os governos e investigadores perceberem as tendências e os desafios educacionais numa escala global e, assim, poderem tomar decisões e medidas políticas mais assertivas em educação.
O tema central da edição de 2023 foi o ensino e a formação profissional e o relatório deste ano inclui um capítulo sobre as medidas adotadas e a adotar pelos países membros da OCDE para integração dos refugiados ucranianos no sistema educativo de acolhimento.
As principais conclusões deste olhar sobre a educação em sistemas de ensino de países muito díspares foram divulgadas no início do ano letivo 2023/24, no dia 12 de setembro, na Escola Secundária Luís Freitas Branco, em Oeiras.
O desenvolvimento do relatório apresenta 4 secções distintas, cada uma delas subdividida em subcapítulos [1].
1.º Capítulo-Outputs dos estabelecimentos de ensino e impacto da aprendizagem.
2.º Capítulo- Acesso à educação, participação e progressão.
3.º Capítulo- Recursos financeiros investidos na educação.
4.º Capítulo- Professores, contexto de aprendizagem e organização das escolas.
No final, o relatório inclui uma secção de notas com informações mais detalhadas relativas aos sistemas educativos e situação de cada um dos países considerados.
Globalmente, o relatório revela uma evolução bastante positiva de Portugal na generalidade dos indicadores, sendo, seguidamente, apresentadas algumas das ideias principais.
Entre 2015 e 2021, verificou-se um aumento da percentagem de jovens entre os 25 e os 34 anos que concluíram o ensino superior (de 33% em 2015 para 44% em 2021), bem como uma significativa diminuição dos que não tinham qualificações de nível secundário (16 pontos percentuais,de 33% para 17%).
No entanto, ainda há 17% da população entre os 25 e os 34 anos que não chegou sequer ao ensino secundário, três pontos percentuais acima da média da OCDE, ainda que, nos últimos cinco anos, o número de jovens adultos que não completaram o ensino secundário tenha diminuído significativamente (16%).
Atualmente, na OCDE, o ensino secundário e o ensino superior têm já o mesmo peso nas qualificações da população entre os 25 e 64 anos (cerca de 40%), mas em Portugal há um número cada vez maior de pessoas em idade ativa que foram além do ensino secundário- 39,6% da população em idade ativa não tem o ensino secundário, mas o ensino superior é cada vez mais proeminente nas qualificações dos portugueses: de 33%, em 2015, passou para 44%, em 2022. Considerando os adultos até aos 64 anos, 31% frequentaram o ensino superior.
O relatório, que na edição deste ano dedica grande atenção ao ensino e formação vocacionais, sublinha a importância da formação ao longo da vida, como resposta às mudanças cada vez mais rápidas e às exigências do mercado de trabalho. Os programas de EFP (Educação e Formação Profissional) de alta qualidade facilitam a integração dos alunos nos mercados de trabalho e abrem caminhos para um desenvolvimento pessoal e profissional mais aprofundado. No entanto, a qualidade e importância dos programas de EFP varia muito entre os países.
Neste âmbito, na comparação internacional, Portugal fica aquém da média dos parceiros da OCDE na generalidade dos indicadores. Desde logo, a percentagem de jovens portugueses em programas vocacionais é inferior à média da OCDE (39% em território nacional contra 44% nos restantes países). Apesar de cada vez mais alunos escolherem o ensino profissional, Portugal continua a ter poucos jovens a frequentar programas vocacionais (cerca de 39% em 2021), apresentando cinco pontos percentuais abaixo da média da OCDE, e a esmagadora maioria está no ensino profissional. Enquanto o nível de ensino mais elevado de cerca de 30% dos jovens da OCDE tem orientação profissional, em Portugal essa percentagem é de apenas 21%.
Comparando as duas vias de ensino no nosso país com a média da OCDE, no que se refere ao prosseguimento de estudos, 80% dos alunos do ensino regular continuam a estudar, enquanto somente 18% dos alunos que frequentaram o ensino profissional o fazem. Estes últimos preferem seguir diretamente para o mercado de trabalho, pois a formação profissional facilita a transição da escola para o mercado de trabalho.
Em termos de sucesso, é revelado que, na maioria dos países com dados disponíveis, as taxas de conclusão em programas de ensino secundário profissional são inferiores às dos programas de ensino secundário geral. Em Portugal, 63% dos estudantes profissionais concluem o ensino secundário dentro da duração esperada e 69% concluem após mais dois anos, sendo que muitos, ao final de cinco anos, acabam por desistir, apresentando o risco de engrossar o número de NEET (jovens adultos nem empregados nem envolvidos em programas de educação ou formação formal).
Em toda a OCDE, as taxas de desemprego para jovens de 25 a 34 anos com formação secundária profissional são inferiores às dos seus colegas com formação secundária geral ou pós-secundária não superior. Isso também acontece em Portugal, onde 8,1% dos jovens adultos com formação secundária profissional estão desempregados, em comparação com 8,4% dos que têm formação secundária geral.
O sistema de educação superiormelhorou, mas continua muito direcionado para os jovens e tem de “contribuir mais” para a formação, requalificação e reconversão profissional de adultos. A idade média dos alunos à entrada da licenciatura ou mestrado em Portugal é muito mais baixa do que na OCDE, o que aponta para uma presença reduzida de adultos. Considerando os adultos até aos 64 anos, somente 31% frequentaram o ensino superior.
No que diz respeito à transição da educação para o trabalho, Portugal tem feito progressos significativos nos últimos anos. A taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos caiu de 26%, em 2010, para 12%, em 2022. Todavia, a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos é mais alta do que a taxa de desemprego geral, e os jovens de baixo rendimento e de grupos minoritários estão mais sujeitos ao desemprego.
Outro aspecto salientado no relatório é a diminuição do número de jovens portugueses que não estuda nem trabalha. Em 2022, 11,4% dos jovens entre os 18 e os 24 anos em Portugal não estavam empregados nem frequentavam programas de educação ou formação, o que significa uma descida de quase quatro pontos percentuais em relação ao relatório Education at a Glance de 2018. No entanto, ainda assim, a situação em Portugal não é tão problemática como na média da OCDE, onde a percentagem é 14,7%. Neste aspeto, Portugal encontra-se entre os 15 países com percentagens mais baixas de jovens que não estudam nem trabalham. Já no grupo entre os 25 e os 29 anos, a percentagem é de 16,3%, também abaixo da média (17,6%).
Reduzir as taxas dos jovens adultos que não trabalham nem frequentam programas de educação ou formação é um desafio particularmente importante em todos os países, pois estes enfrentarão maiores dificuldades no mercado de trabalho mais tarde do que os seus pares que permaneceram na educação ou formação nesta idade. A aprendizagem ao longo da vida é fundamental numa sociedade em constante evolução e que exige novos conhecimentos e competências.
O relatório destaca que em Portugal há uma forte relação entre o nível de escolaridade e a participação no mercado de trabalho. O nível de escolaridade é um dos principais fatores que determinam a participação no mercado de trabalho: os que têm maior nível de escolaridade têm mais probabilidade de estar empregados, de terem empregos de alta qualidade e de ganharem salários mais altos.
Além disso, existe uma relação direta entre o nível de escolaridade e o vencimento. Os trabalhadores com maior nível de escolaridade têm mais probabilidade de obter empregos de alta qualidade e de ganhar salários mais altos.
Em média, nos países da OCDE, os jovens adultos que concluíram o ensino superior ou equivalente ganham 44% mais do que os que concluíram o ensino secundário ou o ensino pós-secundário não superior profissional. Ter um curso superior continua a proteger mais os trabalhadores e a dar vantagens salariais e de acesso ao mercado de trabalho em Portugal.
Portugal não se afasta da média da OCDE quando se compara apenas o investimento feito tendo em conta a percentagem de Produto Interno Bruto (PIB), tendo gasto 5,1 % do seu PIB em instituições desde o ensino básico ao superior, uma percentagem alinhada com a média dos países da OCDE.
O valor gasto em Portugal representa, no entanto, um esforço maior para o país, pois a despesa por estudante equivale a 31% do PIB per capita, enquanto a média da OCDE é de 27%, portanto, o país gasta relativamente mais em educação do que a maioria dos países da União Europeia (UE).
Porém, Portugal gasta menos 14% por estudante do que a média dos países da OCDE, despendendo, em todos os níveis, desde o ensino primário ao superior, 10.063 euros anualmente por estudante, enquanto a média da OCDE foi de 11.766 euros[2].
Portugal é um país com um sistema de educação predominantemente público. Em 2022, o sector público foi responsável por 95% do gasto em educação, percentagem superior à média da OCDE, que é de 87%. O investimento privado em educação em Portugal é maior no ensino superior do que no ensino primário e secundário.
Em toda a OCDE, ao longo do ensino básico (9 anos), o tempo de ensino obrigatório totaliza uma média de 7 634 horas, distribuídas por nove anos. Em Portugal, o tempo total de ensino obrigatório é superior, com 7 700 horas.
O relatório destaca que em Portugal o corpo docente é experiente, qualificado mas está envelhecido. Mais de 45% dos professores portugueses têm acima de 50 anos, uma percentagem superior à média da OCDE (40%), o que é uma situação preocupante que resultará na escassez de professores num futuro próximo. Somente 4% dos recém-chegados ao ensino superior seguem uma carreira na Educação.
O relatório salienta que salários competitivos, oportunidades de progressão na carreira e boas condições de trabalho são alavancas importantes para incentivar a profissão de professor e aumentar a satisfação dos que já trabalham nas escolas. No caso dos professores nacionais, os seus vencimentos estão abaixo da média dos países que pertencem à OCDE.
Entre 2015 e 2021, os salários reais dos professores portugueses caíram 1% em Portugal, situação que contrasta com o que aconteceu na generalidade dos países da OCDE, em que se verificou uma subida de 6%, em média, no mesmo período de oito anos.
O descongelamento dos salários em 2018, depois de anos de estagnação que coincidiram com o período de emergência financeira e a intervenção externa no país, possibilitou a recuperação gradual dos salários dos professores até 2022, mas a recuperação de rendimentos não foi suficiente para compensar a perda sofrida nos anos anteriores - entre 2010 e 2015, os salários reais dos professores nacionais caíram 9%, ao passo que na média da OCDE se mantiveram estagnados.
Na OCDE, a média salarial (medida em paridades de poder de compra) de um professor do ensino secundário com 15 anos de serviço chega aos 53.456 dólares americanos anuais. Em Portugal, o salário correspondente, ajustado pelo poder de compra, é de 44 277 dólares americanos, o que equivale a 29 100 euros, cerca de 8 mil euros a menos.
Apesar desta queda nos salários reais, os professores portugueses do ensino obrigatório ganham mais 42% do que a média dos restantes trabalhadores licenciados, um número que resulta do facto de ser uma classe muito envelhecida, com a maior parte dos docentes no topo da carreira. Portugal também regista uma das maiores diferenças entre os valores máximos (dos últimos escalões) e mínimos dos salários pagos aos professores.
No documento de trabalho Pacto Educativo Global: Instrumentum Laboris (“O contexto”), o Papa Francisco afirma que há “necessidade de uma educação ecológica integral”, que pense a natureza na sua relação e interdependência com o ser humano e que esta educação faz parte do Pacto Educativo Global.
A crise ecológica atual, que compromete o futuro das gerações e do planeta, resulta da quebra de relação do ser humano com a natureza e é um problema essencialmente antropológico. No Ocidente e, sobretudo a partir da Modernidade, considera-se “a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida”, como sendo exterior ao ser humano e podendo ser usada como recurso ou instrumento, numa lógica extrativa e cumulativa que conduziu ao individualismo e desequilíbrio ambiental:
“Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. […] Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (Génesis 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” (Laudatio Si § 2) [2].
A ecologia integral “nasce da plena consciência de que ‘tudo está interligado’, ‘tudo está relacionado’”, que o ser humano é parte da natureza. Desta consciencialização decorre um compromisso com as futuras gerações e as pessoas mais pobres - as mais afetadas pela crise ambiental - e com o planeta e uma mudança no estilo de vida. De acordo com esta abordagem, é possível redescobrir “um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre. O ideal não é só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a ação de Deus [ou da transcendência] na alma, mas também chegar a encontra-Lo em todas as coisas (LS§ 233)”.
Laudato Si’/ “Louvado Sejas” é uma encíclica, carta pública, do Papa Francisco dirigida a “todas as pessoas que habitam este planeta” (LS § 3) e resulta da contribuição de números cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais.
Principia com os versos do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis que lembra que devemos respeitar a Terra e louvar e honrar Deus através da sua criação: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”.
A Encíclica divide-se em seis capítulos, dos quais gostaríamos de destacar o primeiro, “O que está a acontecer à nossa casa”, possível fonte de reflexão e discussão dos jovens, que faz um diagnóstico dos problemas atuais: poluição atmosférica que “produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões de mortes prematuras” (LS 20) e poluição produzida pelos resíduos:
“Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrónicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo”.
Estes problemas decorrem de uma “cultura do descarte” e do desperdício, gerada pelo consumismo e atitude de indiferença pelo bem comum. Afeta “tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se convertem rapidamente em lixo. […] Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os” (LS § 22).
Por conseguinte, clima e ambiente são da responsabilidade de todos: ”Quem possui uma parte é apenas para administrá-la em benefício de todos “(LS, § 95). Sublinha que “A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento [global] ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam” (LS 23). E destaca que os países em vias de desenvolvimento são os mais afetados (LS 25), apelando a uma ética do cuidado e à cooperação internacional - problemas ambientais têm um âmbito transfronteiriço, global.
Aborda a questão da água: o acesso a água potável e segura, negado a muitas pessoas pobres – “é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas” (LS § 30) - e a da sua qualidade – “Entre os pobres, são frequentes as doenças relacionadas com a água, incluindo as causadas por microrganismos e substâncias químicas” (LS § 29).
Levanta o problema da perda de biodiversidade: florestas - “implica simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente importantes não só para a alimentação, mas também para a cura de doenças e vários serviços” (LS § 32) e milhares de espécies da flora e da fauna, devido à atividade humana (LS § 33) – “Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros” (LS § 42).
A abordagem ecológica “deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS § 49) e sugere que os países privilegiados, que mais recursos extraíram e mais CO2 produziram, deem assistência financeira aos mais pobres para que eles possam fazer a transição para práticas sustentáveis (LS § 25).
A ecologia integral assenta em valores como o respeito com a natureza, a finitude/ sobriedade, a solidariedade universal e o futuro da sociedade/ intergeracionalidade. É uma componente da educação integral que ajuda a formar pessoas comprometidas com o cuidado da casa comum e com a justiça ambiental e social.