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Blogue RBE

Sex | 31.10.25

Ler é, acima de tudo, um ato de liberdade

por Júlia Martins*

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“(…) A informática preserva mensagens e proporciona uma comunicação imediata. As sua entranhas protegem algo perdurável e o seu metabolismo é dominado pela pressa. Onde ficam aos tempos intermédios a que a leitura pertence."

Villoro

Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias é o mote de 2025, para celebrar as Bibliotecas Escolares (BE), com o propósito de dar visibilidade ao trabalho que é desenvolvido por professores bibliotecários, docentes, alunos, técnicos, pais e encarregados de educação, mas também mediadores, escritores, criativos, entre outros. Celebrar as bibliotecas escolares é celebrar a curiosidade e a criatividade, a liberdade de pensar e o poder das histórias. Entre livros físicos e digitais, entre estantes e pixels, cada leitor tem a oportunidade de construir o seu próprio mundo e imaginar o futuro das histórias. Porque, no fim, cada livro lido e cada história inventada abre caminho a novas ideias, novos mundos — e a novos leitores.

Nas bibliotecas, cada página é uma porta para a imaginação. Ler não é apenas decifrar palavras: é questionar, criar, sonhar e descobrir novos pontos de vista. Agora, com a Inteligência Artificial (IA), podemos experimentar novas formas de criar histórias, explorar aventuras interativas e até inventar livros com a nossa própria voz. Sublinhem a palavra desafio. Com a IA são muitos os desafios que são colocados aos alunos, professores, pais e educadores, mas também a escritores e a leitores. Cada leitor encontra o seu caminho: há quem procure aventuras, quem se perca em poemas, quem descubra respostas e quem aprenda a fazer perguntas. Entre estantes e páginas, a leitura transforma-se num diálogo entre presente, passado e o futuro, diferentes geografias, entre o leitor e o autor, entre eu e os outros, entre nós, entre eles. 

O lema das bibliotecas escolares deste ano — “Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias” — convida-nos a refletir precisamente sobre este território híbrido entre o humano e o tecnológico. E poucas obras traduzem melhor esse desafio do que Não sou um robô - A leitura e a sociedade digital (Zigurate, 2025)

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Juan Villoro inicia o seu livro com uma imagem familiar a todos nós: o pequeno teste de segurança que pede para “provarmos” que não somos robôs. Essa frase, que tantas vezes clicamos sem pensar, torna-se no livro uma poderosa metáfora sobre a condição humana contemporânea. O que significa continuar humano num mundo em que as máquinas lêem, escrevem e decidem por nós?

O autor mostra como a leitura — uma das atividades mais profundamente humanas — está a ser transformada pela tecnologia. Se outrora ler era um ato de recolhimento e de encontro com a palavra impressa, hoje é também um ato de navegação: percorremos textos, imagens e sons numa rede infinita, onde o tempo de atenção é constantemente desafiado. No entanto, J. Villoro não condena o digital; propõe antes uma consciência crítica. Ler na era da IA é, segundo o autor, aprender a distinguir entre informação e conhecimento, entre dados e sabedoria.

É aqui que as bibliotecas escolares ganham novo protagonismo. São espaços de mediação digital, lugares onde se aprende a pensar, selecionar, interpretar e questionar. O “para além das estantes” não é um abandono do livro, mas a expansão do seu espírito: a leitura como ponte entre o passado e o futuro, entre o humano e o tecnológico.

A inteligência artificial, por seu lado, surge como parceria e um grande desafio. Ajuda-nos a organizar a informação, a descobrir autores e temas, a criar formas de (re)contar histórias. Mas também nos obriga a reafirmar aquilo que é exclusivamente humano: a imaginação, a empatia, a capacidade de criar sentido. Como lembra J. Villoro, os algoritmos podem prever padrões, mas não compreendem os laços emotivos e empáticos; podem gerar texto, mas não compreender a metáfora.

E, qual o futuro das histórias? A resposta não é fácil. Tudo dependerá como nós, os humanos, soubermos habitar neste mundo híbrido. Se formos leitores atentos, conscientes e curiosos, a IA será uma ferramenta que amplifica a nossa criatividade.  Talvez nos tornemos melhores leitores. Mais eficientes. Se deixarmos de interrogar, de nos espantar e gostar de ler ficção correremos o risco de nos tornarmos, nós próprios, os robôs que tanto tememos ser.

As bibliotecas — físicas ou digitais — têm hoje de abraçar múltiplos desafios, nomeadamente a missão de preservar o mais humano das histórias: o encontro, a partilha e o pensamento crítico. Não sou um robô - A leitura e a sociedade digital recorda-nos que ler é, acima de tudo, um ato de liberdade. E é essa liberdade que, para além das estantes, continuará a definir quem somos e as histórias que ainda seremos capazes de contar.

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E para continuarmos a falar de leitura, de liberdade, de curiosidade, do valor da ficção e das histórias, sugerimos mais duas maravilhosas histórias que devem habitar nas estantes das nossas bibliotecas. 

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Um vestido com bolsos (Fábula, 2025) é uma história deliciosa, que deve saltar das estantes para que os leitores vejam como a curiosidade podem dar mote a belíssimas histórias. Nesta história, as coisas mais singelas poderão ter um valor desmedido e as crianças uma capacidade de transformar o vulgar em precioso. A autenticidade, a liberdade individual e a rejeição de estereótipos da moda feminina estão presentes na história. Será esta uma história do presente ou do futuro?

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O último dia de aula chegou! Com ele os alunos são apoderados de uma felicidade sem fim! Chegaram os dias de ócio. Mas, neste dia foi diferente. A felicidade teve pouca duração. A professora convidou os alunos a lerem um livro! Um livro inteiro! As férias estavam condenadas ao fracasso. 

Só havia uma solução: ir à biblioteca e procurar um livro e lê-lo rapidamente. Perante a estante a pergunta persistia: como escolher um livro? São tanto e todos me parecem aborrecidos, afirmava a jovem que odiava livros. Recusou algumas sugestões. Não havia nenhum livro que a seduzisse.  De regresso a casa, a mãe, diz-lhe “Porque é que não experimentas este? Li-o quando tinha a tua idade.”  O livro pareceu-lhe enorme, talvez as férias de verão não chegassem para o ler na integra. O melhor seria começar … e, eis que se inicia uma grande e transformadora aventura. A magia da leitura apodera-se da jovem que rapidamente quer regressar à biblioteca e procurar novas proezas e feitiços, terras imaginárias e longínquas, heróis que nos fazem palpitar o coração, ingredientes milagrosos, rãs encantadas, piratas travessos, lugares assustadores…finalmente, a descoberta de mil de aventuras sem fim. O deslumbramento da leitura acontece! 

 

“(…) precisamos de bibliotecas. Precisamos de livros. Precisamos de cidadãos letrados. Não interessa – não acredito que seja importante – se os livros são em papel ou digitais, se está a ler um pergaminho ou a deslizar pelo ecrã. O importante é o conteúdo. […] temos responsabilidades para com o futuro. […] Penso que temos a obrigação de ler por prazer, seja em locais públicos ou privados. Se lermos por prazer, se os outros nos virem a ler, então aprendemos, exercitamos a nossa imaginação. Mostramos aos outros que ler é bom.” 

Neil Gaiman (2017), O que se vê da última Fila. Lisboa: Elsinore

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* Júlia Martins

Acredita no poder da leitura. Dar a ler é um desafio que gosta de abraçar. É leitora e frequenta, de forma assídua, Clubes de Leitura. Saiba mais

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Qui | 30.10.25

Marcador Interativo com Tecnologia NFC

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Quando se fala em atividades ligadas à leitura, muitos alunos reagem com algum desinteresse. Se lhes pudéssemos ouvir os pensamentos, talvez não fossem os mais entusiasmados. Para muitos, ler continua a ser uma obrigação escolar — e não um momento de prazer, curiosidade ou descoberta.

Mostrar que a leitura, muito mais do que uma tarefa, é uma porta aberta para a imaginação, o pensamento crítico e o conhecimento, é o grande desafio das bibliotecas e dos professores, sendo necessário encontrar formas criativas de despertar o gosto pela leitura. Uma dessas formas passa por unir o universo dos livros à tecnologia, tão presente no quotidiano dos jovens.

A tecnologia NFC (Near Field Communication) permite a comunicação entre dispositivos eletrónicos apenas por aproximação, sem cabos nem emparelhamentos. É a mesma que usamos em pagamentos contactless ou bilhetes digitais. No contexto educativo, esta tecnologia pode abrir caminho a novas experiências: basta encostar o telemóvel a um pequeno chip NFC para aceder, em segundos, a conteúdos digitais, vídeos, catálogos ou outros recursos interativos.

Foi precisamente esta possibilidade que inspirou o nascimento do marcador interativo com NFC, um projeto desenvolvido pela professora bibliotecária da Escola Básica do Maxial, Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira, com o objetivo de aproximar os alunos dos livros e da leitura.

Com um simples toque, o marcador liga diretamente ao catálogo da Rede de Bibliotecas e Centros de Documentação de Torres Vedras, permitindo descobrir obras, localizar autores e conhecer as novidades disponíveis. O tradicional marcador de livros transforma-se, assim, numa ponte entre o papel e o digital, entre o leitor e o vasto fundo documental disponível nas bibliotecas do concelho de Torres Vedras.

As bibliotecas desta rede concelhia trabalham em conjunto, oferecendo um acervo diversificado e acessível a toda a comunidade escolar. A partilha de recursos, através do empréstimo interbibliotecas, facilita o acesso à leitura e responde melhor aos diferentes gostos e interesses dos alunos. Afinal, quanto mais possibilidades de escolha existirem, maior será a probabilidade de encontrarem aquele livro que os conquista.

Com o marcador NFC, os alunos deixam de ser simples utilizadores para se tornarem exploradores curiosos, descobrindo novas leituras com autonomia e entusiasmo.

Sessões de requisição domiciliária com recurso a estratégias motivadoras

A biblioteca escolar tem também um papel fundamental na criação de hábitos de leitura sustentados. Nesse sentido, a dinamização de sessões de requisição domiciliária com recursos estratégias motivadoras, em articulação com os docentes das turmas, revela-se essencial.

No âmbito desta ação, a professora bibliotecária, em contexto de turma, apresenta o marcador, explica o seu funcionamento e distribui um a cada aluno. Segue-se o momento da experimentação, cada aluno é convidado a procurar, através do marcador, uma obra a partir da referência bibliográfica de um excerto identificado no respetivo manual de Português, já lido ou não. O resultado é uma atividade dinâmica, que alia tecnologia, pesquisa e leitura de forma natural e motivadora.

Ao integrar estas sessões na rotina letiva, a biblioteca reforça o seu papel como espaço de encontro entre o prazer e o dever, aproximando os livros do quotidiano dos alunos e estendendo a experiência de leitura para lá das paredes da escola.

Assim, cada requisição torna-se uma oportunidade de diálogo, partilha e crescimento, um pequeno gesto que pode abrir grandes portas à imaginação.

Estas sessões acabam por transformar-se em experiências de descoberta e motivação. Quando acompanhadas de atividades de mediação leitora, tais como sugestões personalizadas, jogos literários, desafios de leitura ou a exploração do catálogo digital, os alunos sentem-se mais envolvidos nas suas escolhas.

Em consonância com este propósito, o marcador NFC pretende ser uma ideia transformadora, mostrando que a tecnologia pode ser uma aliada da leitura e não uma concorrente e que, ao unir inovação e imaginação, aproxima os jovens dos livros e desperta neles o prazer de ler.

Um pequeno toque que pode fazer toda a diferença!

 
 
 

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Qua | 29.10.25

Como identificar bons livros para crianças?

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Os primeiros livros que uma criança encontra moldam o modo como vê, sente e interpreta o mundo. Livros bem escolhidos despertam curiosidade, ampliam o vocabulário, ajudam a nomear emoções e estimulam a empatia. Pelo contrário, livros de fraca qualidade (de linguagem descuidada, moralismos simplistas ou imagens estereotipadas) limitam o olhar e empobrecem a experiência literária. É através dos bons livros que as crianças aprendem a observar, a questionar e a imaginar. É neles que descobrem o poder das palavras e o prazer da descoberta.

A investigação tem mostrado de forma consistente que o contacto com livros de qualidade desde cedo melhora o desenvolvimento linguístico e cognitivo, mas também fortalece a ligação afetiva entre adulto e criança. 

A leitura partilhada, quando apoiada em livros de qualidade, é uma experiência singular, inesquecível e de descoberta que constrói não apenas o gosto pela leitura, mas também a capacidade de compreender diferentes geografias, o outro e a si próprio. No entanto, o prazer de ler não nasce apenas do ato em si: nasce do encontro com textos bons, esteticamente belos e significativos.

Saber identificar bons livros para crianças é um ato de responsabilidade cultural e educativa. Implica reconhecer que nem todos os livros infantis são iguais e que as escolhas feitas pelos adultos têm impacto direto na forma como as crianças aprendem a ler o mundo. Identificar qualidade literária e estética é garantir que a infância tem acesso a obras que a fazem pensar, imaginar, emocionar-se e crescer com sentido crítico e sensibilidade.

Conhecer bons livros não é ter “uma lista à mão”, mas compreender o que faz de um livro um mediador poderoso entre a infância e o mundo: linguagem rica, qualidade estética, integridade narrativa, diversidade de vozes, relevância cultural e adequação ao desenvolvimento. Nas escolas e nas famílias, essa competência de escolha tem efeitos mensuráveis na linguagem, na literacia e no bem-estar, mas também na construção de identidades, na empatia e no pensamento crítico.

Um bom livro para crianças combina qualidade literária e estética. O texto tem ritmo, musicalidade e coerência; respeita o leitor e oferece espaço à imaginação. A ilustração acrescenta sentido, revela camadas de significado e desperta o olhar artístico. Um bom livro não simplifica, não infantiliza nem subestima: trata a criança como alguém capaz de compreender a complexidade do mundo, mesmo quando o faz com humor, fantasia ou poesia.

A qualidade também se mede pela autenticidade. Livros verdadeiros falam com emoção, não com lições. Transmitem experiência, não receitas. E as crianças sentem essa diferença. As histórias que nascem de um olhar honesto e sensível sobre a vida ficam com elas, tornam-se referências, pontos de ligação e memórias afetivas. São livros que se querem reler e partilhar, porque deixam marcas duradouras. É igualmente essencial que as crianças encontrem, entre esses livros, histórias que as representem e histórias que as desafiem, livros onde se revejam e livros que as ajudem a ver o outro. Essa dupla dimensão, de espelho e janela, é o que faz da literatura infantil uma força de compreensão, empatia e encontro.

Identificar bons livros é, em parte, um exercício de leitura crítica. Envolve perguntar-se: o texto tem ritmo e musicalidade? As palavras criam imagens e emoções?

As ilustrações dialogam com o texto? Limitam-se a repeti-lo ou ampliam-no? Há profundidade no tema? O livro suscita o espanto? desperta a curiosidade? O universo das personagens é plural? Quer o texto quer as ilustrações são livres de estereótipos e preconceitos? O livro suscita o diálogo? A reflexão? É um livro perguntador? Estas, e muitas outras, questões ajudam o adulto a selecionar um livro de qualidade.

Os critérios de qualidade apontados por investigadores, associações profissionais e bibliotecas escolares — qualidade literária e estética, diversidade e autenticidade, adequação etária e coerência — são ferramentas essenciais. Mas, mais do que seguir grelhas, importa desenvolver sensibilidade. Quanto mais lemos bons livros, mais fácil se torna reconhecê-los, porque a qualidade literária deixa rasto e cria memória.

Nas bibliotecas, nas escolas ou em casa, um conjunto simples de perguntas pode ajudar a orientar a escolha e a reflexão sobre os livros. São questões que afinam o olhar, convidam à comparação e transformam o ato de escolher num exercício de leitura crítica e partilhada.

🟥Qualidade literária

  • A linguagem é rica, expressiva e adequada à idade da criança?
  • A história tem ritmo, coerência e um final com sentido?
  • O texto desperta imaginação, humor ou emoção?

🟥Qualidade estética

  • As ilustrações dialogam com o texto e acrescentam-lhe novas camadas de significado?
  • O design e o formato convidam à leitura e respeitam a experiência da criança?
  • O livro revela cuidado artístico e estimula a atenção ao detalhe visual?

🟥Diversidade e inclusão

  • As personagens representam diferentes culturas, corpos, famílias ou modos de vida?
  • As representações são respeitosas, sem estereótipos ou caricaturas?
  • O conjunto de livros disponível oferece espelhos e janelas, histórias que refletem e ampliam o mundo das crianças?

🟥Adequação e autenticidade

  • O conteúdo é desafiante, mas ajustado à idade e à maturidade da criança?
  • As vozes e as situações são autênticas, evitando moralismos simplistas?
  • A história respeita a inteligência emocional da criança e convida à reflexão?

🟥Valor educativo e literário

  • O livro ensina pela experiência estética ou pela lição explícita?
  • Provoca curiosidade, empatia e desejo de saber mais?
  • Continua a interessar e a emocionar em leituras sucessivas?

Saber identificar bons livros é uma competência essencial de todos os mediadores da leitura: professores, educadores, professores bibliotecários, bibliotecários e famílias. É o conhecimento do acervo, o olhar crítico e a sensibilidade de quem lê que asseguram que as crianças têm acesso a obras que as formam como leitores e cidadãos. 

Selecionar livros de qualidade é, por isso, uma tarefa sensível e rigorosa, própria do trabalho do mediador de leitura, que poderá ser um especialista, mas também o professor, o professor bibliotecário, a família ou o adulto mais próximo. O importante é a disponibilidade para acompanhar, o jovem leitor, na aventura de descobrir o mundo, através das palavras e das ilustrações, dos olhares, dos gestos, das vozes, das emoções. Selecionar um livro de qualidade é criar um espaço de acolhimento, de escuta, de afetividade e diálogo, de múltiplas significações e transformações.

Nas bibliotecas escolares, essa curadoria é um trabalho contínuo: avaliar o acervo existente, identificar lacunas, procurar equilíbrio entre géneros e origens, garantir diversidade cultural e linguística. É também acompanhar o que se publica, distinguir tendências passageiras de obras consistentes e criar oportunidades de contacto com diferentes formas de expressão literária e artística.

Cada escolha é um gesto de mediação, um convite à descoberta e um ato de confiança na capacidade das crianças para escutarem e dialogarem, compreenderem e sentirem, de se construírem como pessoas. Cada escolha é, também para o mediador, um espaço de autodescoberta, de trabalho e reflexão, de relação com os livros e com a leitura.

As crianças têm direito a livros que respeitem a sua inteligência, alimentem a curiosidade e ampliem o seu mundo. Esse direito é também um dever dos adultos: garantir que as histórias e as imagens que chegam às suas mãos sejam verdadeiras, belas e desafiantes. Num tempo em que proliferam conteúdos rápidos, uniformes e muitas vezes produzidos de forma automática, conhecer bons livros é também um ato de resistência, uma forma de preservar o valor da palavra e da imaginação.

Promover esta competência entre educadores, professores bibliotecários e famílias é investir numa literacia que começa antes da leitura: a literacia de quem sabe escolher. Saber identificar bons livros é um passo decisivo para formar leitores exigentes, sensíveis e curiosos. 

Porque só quem conhece seleciona melhor e só quem escolhe bem oferece às crianças a possibilidade de crescer com livros que as ajudam a compreender o mundo e a si próprias.

 

Referências

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Ter | 28.10.25

Nasceu o Ponto Biblioteca da EB de Caia

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No dia 14 de outubro, a Escola Básica de Caia inaugurou o seu Ponto Biblioteca, um novo espaço dedicado à leitura e ao encontro com os livros.

iniciativa insere-se no programa “Ponto Biblioteca” da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), que visa promover a leitura e o acesso ao livro, incrementar a leitura recreativa, melhorar a fluência leitora, reduzir assimetrias e apoiar o desenvolvimento do currículo, incluindo o Português como Língua Não Materna. O novo espaço foi possível graças à colaboração entre a RBE, o Agrupamento de Escolas José Régio, a Câmara Municipal de Portalegre e a Junta de Freguesia da Urra, que apoiaram a aquisição de fundo documental, mobiliário, tapetes e almofadas, tornando o ambiente acolhedor e convidativo. 

A constituição do fundo documental resultou de verbas obtidas em candidaturas à RBE e de generosas doações de famílias dos alunos, reforçando o espírito de partilha e comunidade que caracteriza esta escola. Apesar de pequena — com apenas duas turmas —, a EB de Caia mostra que o tamanho não define a grandeza dos projetos. A inauguração do Ponto Biblioteca foi um momento de festa e envolvimento coletivo. Contou com a presença e colaboração de vários parceiros locais, entre eles a APPCDM de Portalegre, cujos utentes dramatizaram uma história, encantando todos os presentes. As professoras da escola também contaram uma história, e o professor de expressão musical apresentou uma canção original escrita para a ocasião, celebrando a importância de ler e de ter agorauma “mini biblioteca” sempre à disposição.

Mais do que um espaço físico, o Ponto Biblioteca da EB de Caia é um ponto de encontro entre alunos, professores e comunidade, onde os livros passam a estar ao alcance de todos e a leitura ganha um novo significado — o de partilha, inclusão e descoberta.

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Seg | 27.10.25

Breve história de quase 30 anos

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 Por ocasião do Dia Nacional das Bibliotecas Escolares 2025

Na quarta segunda-feira de outubro celebra-se o Dia Nacional das Bibliotecas Escolares. Mais do que uma data simbólica, é um convite à memória e à projeção: recordar o caminho feito e reafirmar o compromisso com o futuro das bibliotecas escolares portuguesas.

A história começa em 1995, quando um grupo de trabalho constituído pelos Ministérios da Educação e da Cultura, elaborou o relatório Lançar a Rede, documento fundador que traçou as bases do futuro programa. Sob a coordenação de Isabel Veiga (hoje conhecida como Isabel Alçada), esse grupo formulou uma visão pioneira: a de criar, em todas as escolas públicas, bibliotecas modernas, integradas e articuladas com o currículo, capazes de promover a leitura, a informação e a cidadania.

A proposta contou com o apoio político decisivo de Guilherme d’Oliveira Martins, então Secretário de Estado da Educação, que reconheceu o potencial transformador do projeto e lhe deu o enquadramento institucional necessário para passar do plano técnico à política pública.

Em 1996, sob a tutela do Ministro da Educação Eduardo Marçal Grilo e do Ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho, a visão delineada no relatório tornou-se realidade com a criação oficial da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE). À frente do programa esteve Teresa Calçada, cuja liderança, persistência e clareza de visão garantiram a expansão e consolidação de uma das políticas públicas de educação mais consistentes do Portugal democrático. A missão era exigente: dotar todas as escolas públicas de bibliotecas de qualidade, com recursos humanos, materiais e tecnológicos adequados, e integradas nos projetos educativos das escolas.

Os primeiros anos foram de construção intensa. Criaram-se critérios de candidatura, normas de funcionamento, planos de formação e instrumentos de avaliação. As bibliotecas começaram a nascer em escolas de todo o país, fruto da cooperação entre o Ministério da Educação e as autarquias, num modelo de financiamento frequentemente partilhado que perdura até hoje.

Durante a década de 2000, a Rede consolidou-se e amadureceu. Sob a coordenação contínua de Teresa Calçada, a biblioteca escolar afirmou-se como centro de recursos para a aprendizagem, espaço de leitura e cultura, laboratório de literacias múltiplas e lugar de inclusão e criatividade.

Um marco decisivo ocorreu em 2009, com a criação da figura do professor bibliotecário, reconhecida oficialmente como função docente especializada, durante o mandato da Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues. Esta medida veio profissionalizar e estabilizar a gestão das bibliotecas escolares, garantindo a continuidade do trabalho e reforçando a sua integração pedagógica. Desde então, os professores bibliotecários tornaram-se mediadores essenciais entre o currículo e a leitura, os media e a informação, entre a escola e a comunidade, promovendo a articulação, a inovação e o desenvolvimento de competências transversais nos alunos.

A partir de 2014, a coordenação da RBE passou para Manuela Pargana Silva, que deu continuidade à consolidação do programa e ampliou o seu âmbito de intervenção. Sob a sua orientação, a Rede apostou fortemente na formação dos professores bibliotecários, reforçou a cooperação com as autarquias, as redes concelhias, e muitos valiosos parceiros, aprofundou a abordagem das literacias digital e mediática e integrou novos domínios — educação para a cidadania, sustentabilidade e bem-estar — nas suas áreas de ação.

Ao longo de quase três décadas, a RBE construiu um património humano e institucional ímpar. Os múltiplos programas, projetos e parcerias desenvolvidos com escolas, autarquias e inúmeras entidades culturais e científicas testemunham a diversidade e a vitalidade de uma Rede que soube evoluir com o tempo, sem perder de vista o essencial: a leitura como competência de base e prática de liberdade. Atualmente, revela-se como uma estrutura nacional coesa e descentralizada, presente em todas as escolas públicas e articulada com centenas de redes concelhias de bibliotecas. O seu modelo, construído com rigor e com uma visão de longo prazo, é reconhecido por múltiplas organizações internacionais como uma boa prática.

Em 2025, a Rede de Bibliotecas Escolares encerra um ciclo: deixa de ser gerida como estrutura de missão e é integrada, no Educa, I.P., integração que representa o reconhecimento da sua maturidade e da sua importância estratégica, garantindo-lhe estabilidade institucional e continuidade como política pública de educação, leitura e cidadania.

Celebrar o Dia Nacional das Bibliotecas Escolares é, portanto, celebrar as pessoas e as ideias que tornaram possível esta história: o grupo fundador de 1995, coordenado por Isabel Alçada, o impulso de Guilherme d’Oliveira Martins e Marçal Grilo, a liderança de Teresa Calçada, a continuidade e desenvolvimento assegurados por Manuela Pargana Silva, e o trabalho diário de professores bibliotecários, equipas de bibliotecas, assistentes de bibliotecas, coordenadores interconcelhios, técnicos municipais e parceiros locais, que mantêm viva a energia e a missão da Rede.

Hoje, a Rede de Bibliotecas Escolares continua a crescer, a inovar e a inspirar. Continua a instalar bibliotecas e também a requalificá-las (porque o tempo decorrido desde as origens a isso obriga). Mantém o foco na leitura e nas literacias e alarga o seu campo de ação a desafios emergentes: a inteligência artificial, a ética digital, a cultura democrática e a sustentabilidade.

No cruzamento entre o humano e o tecnológico, entre a tradição e o futuro, a biblioteca escolar permanece o espaço onde se aprende a ler o mundo para o compreender e transformar, fiel à convicção que esteve na origem do programa: uma biblioteca pode mudar uma escola; uma escola com biblioteca pode mudar o mundo.

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Sex | 24.10.25

Como pode uma escola não apoiar?

por Hernâni Mealha Pinho, Diretor do AE de Santa Catarina, Oeiras

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Num tempo em que as famílias, as escolas e as sociedades em geral, estão tão contaminadas com o vírus dos ecrãs, torna-se imperativo que nos locais onde os nossos jovens e crianças passam mais tempo, se exceptuarmos o tempo de sono no domicílio, sejam estimulados ao nível do brincar/ interagir e da leitura.

Em ambos os aspetos, é com grande orgulho que podemos afirmar que já tivemos a presença, no Agrupamento de Escolas de Santa Catarina, quer do Professor Carlos Neto – grande embaixador da motricidade humana, quer do Escritor António Carlos Cortez – verdadeiro patrono da literacia e da literatura.

Por conseguinte, espaços como os recreios, salas de convívio e bibliotecas, assumem uma importância determinante em qualquer escola que se proponha dar uma alternativa que ajude os nossos jovens a crescerem e a cultivarem-se enquanto seres humanos capazes de aprofundar o autoconhecimento e a interpretação do mundo que os rodeia.

Centrando-nos no tema da leitura, iniciativas como os dez minutos a ler ou os trinta minutos a ler, são dinâmicas desenvolvidas em sala de aula que se inserem numa prioridade bem clara que definimos para os nossos alunos, que é a de estimular a leitura, à luz da ideia de Victor Hugo quando refere que “Un enfant qui lit sera un adulte qui pense”, reforçada pelo Relatório da OCDE de 2024, sobre as competências dos adultos, ao mencionar que, quase metade dos adultos portugueses só compreende textos simples e curtos.

Desta forma, pergunta-se, como pode uma escola não apoiar e dar condições de trabalho a quem dinamiza uma biblioteca escolar, arrastando consigo toda uma panóplia de atividades que são estruturantes, para o desígnio do desenvolvimento nos nossos alunos da capacidade de interpretação e da afirmação de uma cultura de leitura? No agrupamento de Escolas de Santa Catarina, contamos com a dedicação e profissionalismo das colegas Ana Cristina Gala e Isabel Raposo e suas equipas, exemplos do que deve nortear o trabalho de um professor bibliotecário, desde os aspetos de natureza organizativa, até ao conjunto de atividades que poderão ir desde palestras, aulas e apresentação de trabalhos pelos alunos, até à presença de autores prestigiados no lançamento das suas obras literárias.

Tudo isto desenvolvido num espaço que deve ser acolhedor, diferenciado, confortável e dinâmico, em linha com o Projeto Educativo da Escola.

Hernâni Mealha Pinho
Diretor do Agrupamento de Escolas de Santa Catarina, Oeiras

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Qua | 22.10.25

Isabel Ramos: o sorriso, a generosidade e o legado

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 Fórum RBE 2025 | Fundação Calouste Gulbenkian | 21 de outubro

Durante o Fórum RBE 2025, a Rede de Bibliotecas Escolares prestou homenagem a Isabel Ramos, coordenadora interconcelhia das bibliotecas escolares, cuja dedicação, generosidade e entusiasmo deixaram uma marca profunda na comunidade educativa e na Rede.

A Isabel foi uma profissional dedicada e uma pessoa de uma humanidade rara, rigorosa e afetuosa, serena e determinada, que acreditava no poder transformador das bibliotecas e das pessoas que nelas habitam.

Em sinal de reconhecimento e de gratidão, foi exibido um breve vídeo que reúne imagens, palavras e memórias, testemunhando o muito que semeou e o muito que permanece em todos os que com ela partilharam projetos, ideias e afetos.

Veja aqui o vídeo de homenagem à Isabel Ramos.

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Ter | 21.10.25

Fórum RBE 2025: Bibliotecas Escolares – Humanismo e Intervenção

por Manuela Pargana Silva, Rede de Bibliotecas Escolares

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O Fórum RBE 2025, subordinado ao tema “Bibliotecas Escolares: Humanismo e Intervenção”, decorre hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian.

O encontro constitui um momento de reflexão e mobilização em torno do papel das bibliotecas escolares na formação de leitores críticos, cidadãos informados e comunidades educativas participativas.

Reunindo representantes da Rede de Bibliotecas Escolares, da comunidade educativa e de diversos parceiros institucionais, o Fórum afirma-se como um espaço de partilha, diálogo e compromisso com uma educação humanista, inclusiva e transformadora.

O programa integra conferências, mesas redondas e momentos artísticos, cruzando perspetivas do mundo académico, literário e educativo em torno de questões centrais como a ética, a literacia, a inteligência artificial e o futuro da leitura.

A sessão de abertura contou com a intervenção de Manuela Pargana Silva, Coordenadora Nacional da Rede de Bibliotecas Escolares, que sublinhou o valor do humanismo como eixo orientador da ação educativa e reafirmou o papel das bibliotecas escolares como espaços de mediação cultural, ética e democrática.

Segue-se o texto integral da sua intervenção, que marcou a abertura do Fórum e convida à reflexão sobre o sentido e o alcance das bibliotecas escolares no mundo contemporâneo.

O que significa, hoje, falar de humanismo e de intervenção?

Bom dia.

Cumprimento o Sr. Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Professor Dr. António Feijó;
Saúdo o Sr. Professor Guilherme d´Oliveira Martins;
Cumprimento todos os dirigentes do Ministério da Educação, Ciência e Inovação;
Todos os convidados; Entidades;
Saúdo:
Os senhores diretores de agrupamentos; os parceiros; os professores; os professores bibliotecários; os coordenadores interconcelhios; a minha equipa mais próxima.

Começo por agradecer à Fundação Calouste Gulbenkian na pessoa do seu Presidente, Professor António Feijó, por mais uma vez acolher uma iniciativa da Rede de Bibliotecas Escolares.

Um obrigada especial ao Professor Dr. Guilherme d´Oliveira Martins pelo incentivo e apoio que permanentemente presta à Rede de Bibliotecas Escolares.

Destaco os elementos do júri do Prémio Professor Bibliotecário, além do seu presidente, Guilherme d' Oliveira Martins, Isabel Alçada, Teresa Calçada, Ana Rita Bessa e Isabel Mendinhos.

Não posso deixar de sublinhar o apoio espontâneo e generoso da Editora Leya à iniciativa Prémio Professor Bibliotecário, expresso na pessoa da sua presidente, Ana Rita Bessa, cuja colaboração tem sido verdadeiramente inexcedível.

Agradeço a todos os oradores cuja partilha de saberes e experiências vem enriquecer este Fórum, e a todos os presentes, cuja participação dá sentido ao trabalho, que quotidianamente, desenvolvemos.

O Fórum RBE 2025: Bibliotecas Escolares – Humanismo e Intervenção propõe-se como um momento de celebração e reflexão sobre as questões emergentes que se colocam hoje à escola e à biblioteca escolar.

Celebramos a ação de uma Rede que, há quase três décadas tem procurado responder com pertinência, continuidade e inovação aos desafios da aprendizagem e da formação de crianças e jovens num mundo cada vez mais complexo, exigente e em permanente transformação.

Fiéis à nossa identidade, interrogamos o presente, antecipamos desafios e refletimos sobre as dimensões mais prementes da ação educativa, aquelas que têm impacto direto na aprendizagem, na formação dos alunos e no papel transformador das bibliotecas escolares.

Nesta ação concertada, convergem múltiplos intervenientes: membros da Rede, coordenadores interconcelhios, professores, professores bibliotecários, assistentes operacionais, alunos, autarquias, parceiros institucionais e inúmeras entidades. Todos partilham um princípio estruturante, o da colaboração, entendido como plataforma essencial para o desenvolvimento e consolidação da Rede.

No centro deste Fórum, o tema Humanismo e Intervenção convida à reflexão sobre o que significa, hoje, falar de humanismo num tempo mediado pela tecnologia e pela inteligência artificial. Num contexto em que o digital e a inteligência artificial ocupam um espaço crescente nas nossas vidas e transformam os modos de aprender, de criar, de escrever e de pensar, impõem-se interrogações fundamentais:

Como preservar, neste cenário, os valores centrados na pessoa humana — a dignidade, a compaixão, a empatia?

Como reforçar esses valores num ambiente orientado por dados, algoritmos e plataformas digitais?

De que modo podemos formar para despertar o gosto de aprender e o pensamento crítico e criativo, usando a inteligência artificial de forma inteligente e fazendo dela um fator de crescimento e não de atrofia da mente humana?

Como desenvolver o sentido de pertença e de responsabilidade, individual e coletiva, na ação e na intervenção?

Estaremos a conseguir, nos espaços educativos, assegurar a capacidade crítica, a reflexão ética e a liberdade de pensamento?

Como fortalecer a relação entre docente e discente num contexto digital, sem perder de vista a socialização e a interação humana que alimentam o crescimento e o pensamento partilhado?

Como garantir que, junto dos mais jovens, promovemos escolhas informadas, sustentadas no conhecimento, e formamos cidadãos preparados e conscientes da necessidade de um futuro plural, democrático e alicerçado em valores como a justiça e a liberdade?

E que lugar cabe, afinal, à intervenção, à ação transformadora e consciente que caracteriza o verdadeiro humanismo?

Acreditamos no valor do saber, da cultura e das múltiplas expressões que traduzem a permanente busca de aperfeiçoamento e de transcendência, valores indissociáveis da nossa condição humana.

Estamos conscientes da missão exigente que assumimos, bem como da corresponsabilidade e do compromisso na defesa de princípios essenciais à salvaguarda da nossa humanidade.

Atenta a esta nova realidade, a Rede de Bibliotecas Escolares reflete, age e integra estas problemáticas na sua prática quotidiana. E só uma Rede, constituída por múltiplas pessoas empenhadas na mesma missão e sempre dispostas a aprender, pode sustentar esta procura constante de respostas adequadas aos reptos do presente.

Vivemos tempos de grande complexidade e paradoxos, em que se esbatem fronteiras entre a verdade e a manipulação, entre o imediato e o duradouro, entre o privado e o público, entre comunidades fechadas e intolerantes e outras, mais abertas e dialogantes.

É neste contexto que reafirmamos a convicção de que a biblioteca escolar é um lugar privilegiado e imprescindível para o acesso de todos à cultura e ao conhecimento do mundo, um espaço de encontro, de diálogo e de enriquecimento do património coletivo da humanidade.

As bibliotecas constituem-se como garantes de valores civilizacionais essenciais, a liberdade e a democracia; hoje, mais do que nunca, e têm a responsabilidade de cultivar a diversidade, a abertura ao outro e a compreensão do desconhecido, na construção de uma humanidade que a todos pertence.

Espaços de humanismo e de intervenção, de acolhimento e de ação, na escola, com a biblioteca escolar, poder-se-á continuar a construir uma humanidade com todos e para todos.

Manuela Pargana Silva
Rede de Bibliotecas Escolares

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Seg | 20.10.25

UNESCO: Digitalização ética e justa

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Num contexto em que as bibliotecas escolares expandem a digitalização e o acesso aberto do património caído em domínio público, é importante refletir sobre questões éticas (e políticas) deste processo, especialmente quando o património digitalizado se transforma em recurso económico para incrementar o poder de uma minoria de grandes empresas de tecnologias.

A  Conferência Mundial da UNESCO sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável, Mondialcult 2025, reabre esta discussão, destacando, entre outras, a área dos direitos culturais e da cultura no ambiente digital.

Organizada pela UNESCO e pelo governo de Espanha, teve lugar em Barcelona, entre 29 de setembro a 1 de outubro e reuniu governos de 120 países, para além de ONG internacionais, sociedade civil e setor privado.

Para compreender a visão da UNESCO, destacam-se as posições da Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos Culturais, Alexandra Xanthaki, apresentadas na sessão online Direitos Culturais no Ambiente Digital, coorganizada pela UNESCO, IFLA, Creative Commons e governo de Espanha.

1. Expansão da digitalização do património: quem beneficia?

Nas últimas décadas expandiu-se o acesso digital ao património e há instituições que disponibilizam, em acesso aberto, as suas coleções digitais com licenças abertas e ferramentas para reutilização publica, permitindo que o património possa ser usado, partilhado, editado e expandido livremente.

Tirando partido deste contexto, empresas de tecnologias procedem à digitalização do património cultural, aumentando o seu poder, alcance e lucros, em nome da preservação e progresso globais e da democratização do acesso, incluindo futuras gerações.

Para a UNESCO a prioridade é garantir o acesso inclusivo e equitativo ao património no ambiente digital, promovendo a cultura como um bem publico global. Mondialcult 2022 estabeleceu os princípios, Mondialcult 2025 visa pô-los em prática.

2. Os Estados têm o dever de impor limites

A digitalização - e o AA (acesso aberto) - tem benefícios, mas deve ser equilibrada e ter limites. Deve ser implementada de acordo com, pelo menos, os seguintes critérios:

  • Envolvimento/participação inclusiva da comunidade de origem, criadora do património;
  • Consentimento livre e informado e soberania de dados dos criadores, que devem continuar a beneficiar das suas obras;
  • Sensibilidade cultural e respeito pelo tratamento das suas obras.

No encontro online em que nos baseamos, Direitos Culturais no Ambiente Digital, o movimento de AA esteve representado pela Creative Commons, ONG que promove o AA e equitativo, no ambiente digital, ao património que é do domínio público, que está fora das obrigações de direitos de autor.

Segundo a Relatora Xanthaki e a UNESCO, os Estados devem impor limites à digitalização por parte do setor privado, fazendo aprovar e aplicar documentos legais vinculativos – diretrizes e códigos não são suficientes – que limitem os danos, responsabilizem e transformem as práticas das grandes empresas tecnológicas que muitas vezes não têm em conta os direitos das comunidades de origem. Sugere que seria mais eficaz se esta legislação fosse transnacional, comum aos diversos Estados.

Os direitos de autor são direitos culturais que fazem parte dos direitos humanos e não devem limitar-se aos direitos de autor comerciais, mas dizer respeito a todos os criadores e obras

3. Barreiras de acesso ao património: qual é o papel dos Estados e das grandes empresas?

Os Estados devem promover uma discussão mais fundamentada e equilibrada/equitativa - que não chame apenas as grandes empresas de tecnologias - sobre as medidas que querem adotar para ultrapassar os obstáculos de acesso à infraestrutura, à competência e à representação digital, especialmente sentidos por comunidades marginalizadas e remotas [e esta é uma oportunidade para as bibliotecas escolares que desenvolvem este serviço público desde a sua origem]. A digitalização e o AA só cumprem a sua missão de democratizar o património cultural se estes problemas de base forem ultrapassados.

Os Estados são quem tem responsabilidades para implementar direitos humanos e precisam de tomar medidas específicas para dizer às suas empresas de tecnologias que precisam de limitar o seu poder quando esse poder for em detrimento dos direitos culturais de todos”.
Xanthaki

Digitalização implementada de forma acrítica reforça o preconceito histórico, gerando desequilíbrios de poder. Por isso, deve ser discutida numa perspetiva interseccional, de acordo com as várias camadas sobrepostas de discriminação e convocando todos os atores, designadamente do património de origem.

4. Digitalização ética

Habitualmente os projetos de digitalização são implementados pelas grandes empresas de tecnologias sem a participação das comunidades que os criaram, excluídas deste processo. Segundo a UNESCO, é necessário que a digitalização implemente medidas que equilibrem os interesses de todas as partes.

A digitalização deve adotar uma abordagem baseada em direitos culturais que garanta:

  • Participação significativa e eficaz das comunidades de origem;
  • Diversidade;
  • Relevância;
  • Acessibilidade cultural.

Deve ser uma ferramenta de empoderamento de todos, que não deve ser usada apenas para beneficiar as grandes empresas que têm interesses comerciais no uso destas ferramentas.

Digitalização e AA não devem prejudicar o controlo e a soberania do património e deve ser feita nos próprios termos das comunidades de origem. Porque a participação é inegociável, “Os povos indígenas vão liderar cada fase dos projetos de digitalização que lhes dizem respeito e vão ter direitos de partilha e benefícios de pós-digitalização”.

Os algoritmos dos motores de busca priorizam fontes com mais visualizações e em inglês, europeias e norte-americanas e esta forma automática das plataformas operarem torna invisíveis na vida online muitas culturas e sistemas de conhecimento.

Contrariando esta exclusão/injustiça epistémica, a Fundação Wikimedia e infraestruturas digitais públicas/abertas ajudam - com a colaboração das comunidades de origem e, revitalizando-as e empoderando-as - a dar visibilidade e a valorizar e a dar a conhecer estas culturas e línguas que permite novas descobertas, tomando a diversidade cultural um bem público que interessa a todos. Plataformas como a Wikimedia constituem um espaço ético e político de referência para preservação de tradições, conhecimento e cultura e luta pelos direitos culturais e humanos.

Para finalizar, é importante lembrar que do investimento crescente na digitalização não pode resultar um desinvestimento e redução de financiamento no património físico. A digitalização tem o poder transformador de preservar, partilhar e celebrar a herança cultural de diferentes povos e culturas, mas, segundo a UNESCO, é um meio complementar para melhorar o acesso físico ao património, que continua a ser insubstituível.

Referências

  1. Mondialcult 2025. https://www.unesco.org/es/mondiacult
  2. (2025, 26 set.). Side Event Towards #MONDIACUL2025: Cultural Rights in the Digital Environment. https://www.youtube.com/watch?v=KBl6qmQIP2U

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Sex | 17.10.25

Figuras históricas que rodam ao sabor do vento

Blogue (29).pngAlunos do 6.º ano recriam as Linhas de Torres Vedras em catavento

A Escola Básica e Secundária Professor Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira, apresenta uma exposição única criada pelos alunos do 6.º ano, turmas D e E, intitulada “As Linhas de Torres Vedras – figuras representativas”.

Inspirados no livro “Jean, John e João” de Ricardo Henriques e André Letria, os alunos construíram cataventos com personagens ligadas às Invasões Francesas e às emblemáticas Linhas de Torres Vedras. Figuras como Jean Junot ou Arthur Wellesley (Duque de Wellington) foram recriadas com criatividade e cor, dando vida a este episódio marcante da História de Portugal.

Esta exposição foi o resultado de um trabalho interdisciplinar que envolveu as disciplinas de Português, História e Geografia de Portugal, Matemática, e Educação Visual e Tecnológica, em parceria com a Biblioteca Escolar do Agrupamento. Ao longo dos dois semestres, a Professora Bibliotecária articulou com os docentes e dinamizou diversas atividades na Biblioteca e em sala de aula, promovendo o desenvolvimento de competências transversais no domínio das literacias e da articulação curricular.

Este trabalho foi concretizado no final do ano letivo passado e só agora teve a oportunidade de ser divulgado, assumindo-se como uma verdadeira “montra” do trabalho realizado e, ao mesmo tempo, um mote para a continuidade do projeto durante este ano letivo.

A atividade integra um projeto interconcelhio lançado em 2023 às autarquias no âmbito da Rota Histórica das Linhas de Torres (RHLT). Desde há dois anos, este projeto está a ser desenvolvido nas escolas dos seis concelhos que compõem a RHLT – Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira – com o objetivo de valorizar e dar a conhecer este património histórico, promovendo simultaneamente a leitura, a criatividade e a articulação curricular.

O resultado está à vista: cataventos coloridos, expressivos e carregados de história que transformaram o espaço escolar numa verdadeira galeria interativa, permitindo aos visitantes “sentir” um dos episódios mais marcantes das Guerras Peninsulares.
Mais do que uma simples exposição, este trabalho mostra como as Bibliotecas Escolares podem ser motores de aprendizagem ativa e significativa, incentivando os alunos a descobrir, criar e partilhar conhecimento.

 

Veja também:

Escola Básica de Mafra: Encontro inesquecível com os autores de Jean, John e João

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

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