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Blogue RBE

Qui | 21.01.21

Estado da Educação 2019: O direito à formação através e para o trabalho

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Imagem: https://cutt.ly/mjI7QqZ

Estado da Educação 2019: Edição 2020  (Conselho Nacional de Educação, dezembro de 2020) é um retrato da educação até 2018/ 2019, “o ano em que éramos felizes e não o sabíamos”, tendo por base a evolução de indicadores dos últimos dez anos.

É apresentado no contexto de agravamento dos problemas globais - crise climática, financeira e pandémica, revolução digital e suas consequências no emprego e no exercício do poder público – e das desigualdades sociais, em que emerge uma “crescente consciência da fragilidade das conquistas civilizacionais”, instituições democráticas e direitos humanos, “sobre barbáries várias que todos julgaríamos ultrapassadas” (p. 5).

Esta nova realidade “pede uma população culta, capaz de compreender a complexidade do mundo e nele funcionar; emocionalmente desenvolvida, capaz de lidar com a frustração e a incerteza; atuante, capaz de colaborar com os outros e de orientar as transformações no sentido desejável” (p. 5) e, no entanto, o sistema educativo português, apesar dos progressos registados em 2018/ 2019, apresenta sinais persistentes de inadequação à realidade. Exemplos:

1. Os resultados da avaliação externa (provas de aferição), apresentados pelo Instituto de Avaliação Educativa, IP (IAVE, IP), mostram que “o desempenho dos alunos nos domínios cognitivos ‘conhecer/ reproduzir’ e ‘aplicar/ interpretar’ é a prática dominante em sala de aula, em detrimento do domínio cognitivo ‘raciocinar/ criar’” (Ibid.) Contudo, “Estas últimas competências (“raciocinar/ criar”) são justamente as mais prezadas para o mundo de incerteza que vivemos e antecipamos, para as necessidades de reconversão profissional ao longo de toda a vida que se anunciam e também para o gosto e a motivação para aprender” (Ibid.).

2. Os alunos portugueses de 11, 13 e 15 anos afirmam que não gostam da escola por causa das aulas, cuja matéria é demasiada (87,2%), aborrecida (84,9%), difícil (82%) e com uma avaliação stressante (77%). No entanto, sentem-se globalmente satisfeitos com a sua vida, embora este sentimento diminua com o aumento da idade e o agravamento das condições socioeconómicas (Ibid.). Esta é uma tendência que se tem vindo a agravar nos quase 20 anos do estudo Health Behaviour in School-aged Children e que pode comprometer o direito de cada um à educação e adaptação à sociedade inteligente.

3. Existe uma “escola sombra” de explicações, procurada por um elevado número de alunos, alerta o inquérito da Confederação das Associações de Pais/Universidade Católica do Porto, que parece evidenciar a incapacidade de a escola contrariar o determinismo social e formar alunos que trabalham autonomamente. Todavia, persiste a questão: são as explicações que conduzem a um melhor desempenho dos alunos ou é porque os alunos têm um melhor desempenho que procuram explicações?

4. Aumentou a percentagem de docentes que, proximamente, irão abandonar as suas funções por aposentação. Este fator é preocupante porque se regista a par da diminuição da procura de cursos na área da educação (não obstante a progressiva diminuição das classificações de ingresso nesta década), bem como da falta de professores que já se faz sentir e da desvalorização da profissão que quem está no sistema sente (9,1% dos professores considera que é socialmente valorizada, quando a média dos países participantes no Teaching and Learning International Survey – TALIS, é de 32,4%).

Tendo por base estas inquietações, o Conselho Nacional de Educação centra o seu relatório no ensino e formação profissional, responsável pelos cursos de dupla certificação (escolar e profissional de nível secundário) dirigidos a jovens, com o propósito de:

A. Valorizar a aprendizagem que deve ter por base uma relação forte e significativa com o trabalho ou o “fazer, agir e criar”, pois ela é inerente à condição humana e à ideia de uma formação para todos ao longo da vida. Nesta perspetiva, Rui Canário afirma que “no futuro, fará cada vez menos sentido distinguir entre percursos diferentes na escolaridade obrigatória com base no adjetivo ‘profissional’” (p. 419) e Teresa Penim considera que “urge reforçar na escola, na empresa e na sociedade em geral o conceito de empregabilidade ao longo da vida” (p. 414).

B. Desconstruir o preconceito - arreigado na escola, no mundo do trabalho e na sociedade - em relação aos cursos profissionais, porque “A questão do valor dos percursos escolares é uma construção social que tem muito a ver com as representações sobre o conhecimento, com a perceção do estatuto, do crédito e do uso dos diplomas. E, não raras vezes, a mais valia dos percursos e dos diplomas é uma construção retórica ao serviço das hierarquias sociais e não responde à pertinência, relevância e empregabilidade social dos conhecimentos” (Matias Alves, p. 455).

Só assim estes cursos se apresentem aos jovens que iniciam o ensino secundário como primeira opção, a par dos cursos científico-humanísticos tradicionais orientados para o prosseguimento de estudos. Sem chegar à posição extrema de António Brotas (1989), “O ensino secundário deve ser orientado para preparar os jovens para não entrarem na Universidade. O ensino secundário deve fazer de conta que não existe ensino superior, e que todos os jovens têm de entrar de imediato na vida ativa. É este o grande e difícil desafio que pode transformar o ensino secundário. Se lhe conseguir responder validamente, os professores do secundário poderão também ter a certeza de que os jovens bem preparados para entrar na vida ativa serão, também, os mais bem preparados para entrar na Universidade.” é fundamental que estes dois percursos sigam a par para que o currículo não se limite ao conhecimento científico, universal e abstrato e se exerça como um “instrumento de segregação e exclusão” (Matias Alves, p. 455).

C. Inspirar a transformação do ensino académico tradicional, centrado no discurso teórico (aprender verbal que reproduz e aplica) e desligado da vida diária e da sociedade, para que todos aqueles que o pretendam possam ver reconhecido o seu direito à educação e formação através e para o trabalho, reconhecido pela sua dignidade e não como mercadoria descartável. Neste contexto, Rui Canário antevê que “O Ensino Superior será também, e necessariamente, um caminho aberto às “massas” e, desejavelmente, acolherá números cada vez mais elevados de estudantes, recrutados quer à saída do Ensino Secundário, quer ao longo da sua vida cívica e profissional” (p. 419).

Quais são as vantagens da frequência dos cursos de formação profissional?

● Conferem aos jovens uma formação integral (científica e humanística na formação geral, técnica e profissional) que lhes permite desenvolver uma diversidade de competências (físicas, socio-emocionais, cognitivas, profissionais), a partir da combinação de várias formas de aprendizagem e avaliação (portfólios, projetos, formação em contextos de trabalho ou estágios, provas de aptidão que são projetos orientados para a comunidade, provas públicas perante um júri com elementos externos à escola e nas quais o alunos demonstram o conjunto de saberes e competências alcançados);

● Abrem a escola à comunidade, designadamente a empresas e organizações de trabalho, através da criação de parcerias que incentivam a inovação, desenvolvimento económico e bem-estar coletivo;

● Permitem uma aprendizagem flexível e mais individualizada (os programas estão organizados em módulos) e diversificada (existem mais de duas centenas e meia de cursos) que mantêm a possibilidade de mudança do percurso formativo com base na afinidade de planos curriculares e no regime de equivalências. Desde 2019/ 2020 existe a possibilidade de alunos do ensino profissional acederem ao ensino superior sem se sujeitarem aos exames construídos em função dos cursos científico-humanísticos, conforme recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para avaliar estes dois percursos formativos de acordo com as competências que cada um deles desenvolve, eliminando a desigualdade entre estudantes (Decreto-Lei nº 11/2020, de 2 de abril );

● Contribuem para a equidade educativa, permitindo que muitos jovens completem o ensino secundário e entrem mais qualificados no mundo do trabalho - segundo a PORDATA, em 1992 a taxa de abandono escolar precoce era de 50% e em 2019 decresceu para 10,6%.

Apesar do valor dos cursos de formação profissional, há aspetos a melhorar. Por exemplo:

● Informação sobre a oferta de cursos completa, atualizada, atempada e acessível a todos;
● Orientação escolar e vocacional efetiva para ajudar os jovens e respetivas famílias a decidir o seu percurso escolar e área profissional;
● Qualidade dos equipamentos e instalações para o ensino experimental e prático;
● Adaptação da oferta de cursos e qualificações às necessidades de trabalho e territórios, coordenada pela Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP).

O relatório da OCDE (Education at a Glance 2020 - Valorizar a aprendizagem baseada no trabalho e construir sociedades mais resilientes) já tinha eleito a aprendizagem profissional como tema principal por ser o setor da educação mais afetado pela pandemia, num contexto em que ela é mais necessária.

O caderno Prós da educação inspiram (ComParte, 2018) que reúne reflexões sobre a escola em 2017/ 2018, a partir da voz dos alunos, apresenta elementos que evidenciam o desgosto de alguns alunos pela escola e a proposta de dinâmicas que articulam a aprendizagem ao trabalho e à vida, valorizando saberes informais e o cuidado pelas pessoas e planeta.

 

Referências:

CNE (2020). Estado da Educação 2019. CNE. Lisboa: Disponível em https://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/estado-da-educacao/1615-estado-da-educacao-2020
ComParte (2018). Prós da educação inspiram: Recomendações para uma escola a funcionar no seu melhor. Fundação Maria Rosa. Disponível em http://www.comparte.pt/wp-content/uploads/2019/10/caderno-prs-inspiram.pdf
OCDE (2020). Education at a Glance 2020: OCDE indicators. Paris: OCDE Publishing. Disponível em https://read.oecd-ilibrary.org/education/education-at-a-glance-2020_69096873-en#page4 
RBE (2020). Education at a Glance 2020: Valorizar a aprendizagem baseada no trabalho e construir sociedades mais resilientes. [publicação em blogue]. Disponível em https://blogue.rbe.mec.pt/education-at-a-glance-2020-valorizar-2365350 

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