Revisitamos Rita Taborda Duarte
Aos 12 anos escreveu o primeiro poema e enviou-o para o DN Jovem. A resposta do editor do jornal foi "não gostámos lá muito mas continua a tentar." E foi isso mesmo que Rita Taborda Duarte fez. Continou a escrever e a partir dos 15 começou a publicar regularmente poemas e contos. Não sabe muito bem explicar quer o prazer da escrita quer o prazer da leitura mas sabe identificar-lhes a origem: "por ter crescido numa casa onde os livros estavam pelo chão e faziam parte da normalidade, contribuiu para que lesse e escrevesse".
In Jornal Expresso, janeiro de 2015
Fechado para Balanço é um poema de Rita Taborda Duarte [1] que nos revela a seguinte confissão:
(…)
Trazemos, então, o livro dos registos
e fazemos contabilidade, noite dentro.
Não sei como serão outros amores
mas o nosso é um longo livro nocturno dividido
em deves em haveres por um leve traço a sépia debotado.
Rasuramos e apagamos e voltamos a somar,
passamos cheques, recolhemos dividendos:
numa matemática cega, sem mais valias;
que nunca vão certas as contas deste amor.
(…)
Nas bibliotecas escolares, só perto dos meses quentes do verão, se poderá fechar para balanço. Agora, é tempo de ter as portas abertas e convidar todos a entrar e, juntos, descobrirmos escritores, poetas, ensaístas… Nós, leitores, andamos sempre em busca de novas descobertas, de um novo autor ou um título desconhecido.
Desta vez revisitamos a obra da Rita Taborda Duarte e (re)descobrimos: a beleza e o humor nas palavras, a descontrução de conceitos e de esterótipos, a linguagem melódica e ritmada, jogos de palavras, como de uma brincadeira se tratasse, mas também histórias questionadoras, e magistralmente bem narradas, muita emoção e amores que vagueiam nos poemas, uns mais longos outros mais curtos. Haverá melhor razão para entrar na biblioteca e aceitar o desafio da descoberta? É certo que nas estantes da biblioteca, muitos são os títulos escritos por Rita Taborda Duarte. Poesia e contos para crianças e jovens constituem a maioria da obra da autora que, muitos de nós, já (re)lemos e demos a ler.
Gaspar, com os pés bem assentes na Lua é o título mais recente da Rita, magnificamente ilustrado pelo Sebastião Peixoto [2], que nos dá a conhecer Gaspar, um jovem que conhecia a lua como ninguém, que sabia que “ela, traiçoeira, nos espiava quando sobrevoava as nossas cabeças, aguardando o momento certo para atacar as suas presas.” A avó achava que “ele estava aluado” e a restante familia e amigos
Todos pensavam que a lua não não lhe estava a fazer bem à cabeça, era evidente o seu mal estar, pois “ mal comia, cada vez mais pálido, de olhos meio tortos. Cada vez mais magrinho, que mais parecia, não um pau, mas um fio fininhoe branquelas de virar tripas.”
Ler Gaspar, com os pés bem assentes na Lua é compreender a biodiversidade do mundo, mas é essencialmente aceitar o poder, o valor das palavras e importância de combater o empobrecimento vocabular, quer dizer é homenagear a PALAVRODIVERSIDADE.
Haverá melhor forma de glorificar a palavra do que ir frequentemente à biblioteca e descobrir novos livros povoados por tantas palavras diferentes?
Corre, corre à biblioteca e verifica se este novo livro da Rita Taborda Duarte já está disponível.
Em 2003, Rita Taborda Duarte, vence o Prémio Branquinho da Fonseca, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo semanário Expresso, com o original A Verdadeira História de Alice e desde essa data tem publicado regularmente para crianças e jovens. Sabemos que este é um livro que marca presença em muitas bibliotecas escolares e que continua a encantar os leitores mais jovens.
Todas, quase todas, as pessoas pequenas quando crescem se transformam em pessoas grandes e só muito poucas se tornam grandes pessoas. Como a Alice. Mas, antes de ser uma grande pes soa grande, Alice já fora uma grande pequena pessoa. Por isso, quando cresceu continuou a ver os olhos verde-escuros quase terra das formigas. A diferença é que agora os via com os seus olhos grandes de grande pessoa que também conseguia distinguir a pupila azul-celeste-quase-céu nos mesmos olhos verde-escuro-quase-terra das formigas. E os seus dedos ficaram tão compridos que tornavam perto as coisas que estavam muito longe. E muitas vezes se via a Alice ir buscar uma gota de céu às nuvens e um fósforo de luz ao Sol. [...] "
É que há tantos modos de contar o tempo… porque o tempo, mesmo o que parece aprisionado nos mostradores dos relógios, não é todo igual: eu até vi minutos-lesmas mais lentos do que muitas décadas e anos que passarinhavam por aí num segundo supersónico, à velocidade de quem voa. (…) Ora, este país de que falo dividia a sua história mais recente em duas metades bem diferentes: a vida lenta e lerda antes do 25 de abril e a de depois do 25 de abril.”
Rita Taborda Duarte, nasceu em Lisboa, em 1973, num tempo onde a palavra “abrilar” era oca, sem significado. Sempre! é um livro, da coleção Missão Democracia [3], que nos dá a conhecer a palavra “abrilar” e conta-nos a história do nascimento de duas novas vidas: a de uma criança e a de um país.
Nas entrelinhas de Sempre! estão escondidos poemas e canções, alerta-nos a autora. Eis, outro desafio para abraçar… Vamos descobrir esses poemas e cantar ou simplesmente escutar essas canções?
O mês de abril aproxima-se. Será que as bibliotecas escolares vão abrilar?
Já imaginaram um leão sem juba, um elefante que não tinha tromba e uma casa sem telhado? E se esta história não começasse por “ Era uma vez”?
Fica a sugestão para ler, em voz alta, para e com os jovens, este magnífico livro e, juntos, dar asas à imaginação. E se a biblioteca escolar organizasse um atelier de escrita criativa ou de ilustração inspirado nesta leitura?
As ilustrações de Rachel Caiano [4] são primorosas!
Rita Taborda Duarte sabe (des)construir as ideias e lançar desafios para pensar e dialogar.
Desta vez, o tema é o Pai Natal? Será que não existe? Não existe? Será possível? Não será este um belíssimo tema para dialogar? Quem apresenta argumentos a favor? E quem apresenta as respetivas objeções?
O tempo: não é bem uma pessoa, como nós, porque tem asas e voa. No entanto, vai tendo a sua vidinha e o seu trabalho certo. No fundo, é um trabalho que não tem assim tanto que saber: basta passar pelas pessoas e envelhecê-las. A verdade é que o tempo tem pressa de fazer o seu trabalho, por isso anda sempre a correr ( como nós quando fazemos os trabalhos de casas). Há quem diga que ele é dinheiro. No entanto, nunca se viu ninguém trocá-lo por uma caixa de gelados em nenhum centro comercial."
Afinal, o que é o tempo? O tempo tem asas? É verdade que o tempo tem pressa?
Saltando de ideia em ideia, pulando de verso em verso, vamos olhar para o mundo pelo seu lado reverso e conhecer a bicharada, que mora lá num cantinho, entre as rimas da poesia e os nossos pensamentos. E se olharmos com cautela, descobrimos as elefantigas, misto de elefante e formigas que nem se vêem a olho nu, um camarito rosado ou girafeus cangurus.”
«ROTURAS E LIGAMENTOS, livro do corpo, livro-corpo, de Rita Taborda Duarte e de André da Loba [5], pode ser lido como um itinerário de articulações, as mais aparentes e as mais profundas, as que conectam os ossos e as que são subjacentes ao discurso e ao desenho, conferindo-lhes uma relação de sequencialidade ou de especificação semântica. Religam-se nomes, dispõem-se verbos, conjugam-se palavras, letras, sílabas, atribui-se uma função representativa à linguagem, que destapa uma rede de significações (…) Centrais nesta reflexão dir-se-iam a ideia de resistência de um corpo, da mente e do espírito, e o esforço do equilíbrio, mais bem suportado porque a imaginação tem o dom da ubiquidade e é ágil enquanto centro de acção e movimento.»
«Não Desfazendo reúne vinte e cinco anos de poesia, da Rita Taborda Duarte, e inclui um livro inédito: Uma Pedra na Boca. No decurso dos seus poemas, «a linguagem, contra toda a verosimilhança, perde peso, gravidade e circula livremente no ar, permitindo uma outra geometria e geografia [e] inversão das Coordenadas (e hierarquias) de orientação no espaço (fazendo com que se possa dizer que, “afeiçoad[os] à mão/ e com o impulso certo”, sabe-se de poemas que “subiam mais alto ainda que muitos pássaros”» [do posfácio de Fernando Guerreiro].»
O Modo de Vida
SEGUNDA
Uma palavra não dita vale um silêncio duas vezes mais pesado.
Era o que pensava antes de decidir o dizer pelo não dizer. Por isso, falar significava calcular a solidez de uma palavra (o artigo… o advérbio) de modo a saber se o espaço, o momento em questão, suportaria determinada massa de silêncio.
Desde muito cedo aprendera a medi-la, às palavras. E pesava-as; pouco tempo antes de permanecer calado.”
In Não Desfazendo, pág. 407
Outros livros de Rita Taborda Duarte
Notas
- Rita Taborda Duarte, nasceu em Lisboa, em 1973. É professora adjunta convidada na Escola Superior de Comunicação Social. Faz crítica de poesia e ensaio em diversas publicações da especialidade (Relâmpago, Colóquio–Letras, etc.). Desde 2010 que é membro da Comissão de Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian, publicando com assiduidade no site Rol de Livros da mesma instituição (www.leitura.gulbenkian.pt).
- Sebastião Peixoto nasceu em 1972, em Braga. É licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Trabalha como ilustrador freelancer, colaborando com várias editoras nacionais e internacionais. Tem mais de vinte títulos infantojuvenis publicados e diversas participações em fanzines, revistas e jornais. Integrou duas mostras no âmbito da Seoul Illustration Fair, tendo, noutra edição, em 2017, ganhado a medalha de ouro do Thesif Award.
- Ver o artigo Tempo para Ler , no Blogue RBE, publicado no dia 06.02.24 ( https://blogue.rbe.mec.pt/missao-democracia-2810694 ) e espreitar a coleção completa em https://livraria.parlamento.pt/collections/missao-democracia
- Rachel Caiano, artista plástica e ilustradora, com formação em artes do palco, tem vindo a desenvolver projetos nas áreas da pintura, cenografia e ilustração. Finalista do Prémio Jovens Criadores 2007, alguns dos seus livros constam da exposição «The White Ravens», uma seleção internacional. Ilustrou mais de 30 livros de diferentes géneros publicados Portugal, Brasil, Espanha e Angola. Promove workshops e masterclasses de ilustração e educação pela arte em escolas e bibliotecas.
- André da Loba nasceu em Portugal e é um artista publicado e exposto cujo trabalho recebeu reconhecimento internacional. Como ilustrador, animador, designer gráfico, escultor e educador, a combinação de curiosidade, experiência, conhecimento e desconhecimento de André serve como o meio constante com o qual ele cria e inspira. O seu trabalho é um convite e um desafio para mudar o mundo, não importa quão grande ou pequeno ele seja.
📷 Rita Taborda Duarte: Nealmarques, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons
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* Júlia Martins
Acredita no poder da leitura. Dar a ler é um desafio que gosta de abraçar. É leitora e frequenta, de forma assídua, Clubes de Leitura. Saiba mais
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