Usar Inteligência Artificial não é arte
O século XX ampliou o terreno das artes e da cultura, em parte pelas interseções/influências reciprocas/hibridez dos seus diferentes formatos, pelo que um dos principais temas da arte é a sua evolução.
Recentemente a arte alargou-se ao artificial, à máquina, ao algoritmo.
Ferramentas digitais podem produzir, infinitamente, filmes, literatura e outros textos, música, pintura, fotografia, esculturas (ligadas a impressoras 3D)…
No futuro, será que o artista/realizador/escritor… mais virtuoso será não humano?
A arte expressa – através de imagens, palavras, sons, movimentos, monumentos e objetos, meios digitais… - uma descontinuidade/transformação de ideias/conceitos.
Como a IA (Inteligência Artificial] produz os seus trabalhos a partir de amostras de outras obras fílmicas/literárias… criadas por humanos e já existentes, usadas para treino, estes trabalhos não podem ser considerados originais, não são arte.
A IA é conservadora e tendenciosa, tende a reproduzir preconceitos e desigualdades herdadas e expressas nos filmes e literatura e é tendencialmente monolingue, reforçando a invisibilidade de determinadas culturas no espaço público - o inglês é o principal idioma das bases de dados usadas para treino e as principais empresas privadas que nela investem concentram-se num único continente, EUA.
De acordo com autores/artistas de arte científica, Sci-Art (Comissão Europeia, 2024) como Leonel Moura, “na arte tecnológica há uma distinção muito clara entre os artistas que utilizam aplicações e tecnologias e os que usam código” autores são os de código, que programam, criam os algoritmos (Lucas & Gaudêncio, 2024).
Sobre o Robô Pintor, RAP (Robotic Action Painter), criado em 2007 por Leonel Moura (Moura, 2024) e que faz parte da exposição permanente do Museu Americano de História Natural (USA), What Makes Us Humans?/O que nos torna humanos?
“não tem inspiração criativa. RAP não sabe que está fazendo arte, nem sabe o que é arte; está apenas seguindo um conjunto de regras simples escritas por um artista humano”.
A inteligência artificial não é imprevisível e, portanto, “não pode ser criativa” e o próprio conceito de Inteligência quando aplicado a IA é desapropriado: “a verdadeira inteligência envolve uma combinação de conhecimento, julgamento e criatividade, competências que a IA ainda não pode emular (Innerarity, 2024).
Provavelmente a IA irá evoluir no sentido da sua autonomia/independência do humano, mas no contexto atual, não gera ideias, estas são humanas.
É importante desmistificar a ideia de que ao usarmos ferramentas de IA de vídeo, escrita, pintura… somos artistas porque ela provoca empobrecimento das artes, da cultura, da IA e ciência, da imaginação e do pensamento, da civilização humana. Este empobrecimento reflete-se nos desafios globais atuais que podem pôr em risco a espécie humana: conflitos armados, alterações climáticas, crescimento da desinformação e extrema-direita (suportado por algumas empresas de IA) e desigualdades.
Não obstante, IA pode ser um valioso parceiro/colaborador do artista, podendo ajudar os humanos a melhorar as suas criações, a sua arte.
Este artigo continua no dia 07/11/2024.
Outros artigos:
- Innerarity: Inteligência Artificial e Democracia
- Artes e património com a biblioteca escolar
- Criadores lusófonos contra o racismo
Nota:
Esta comunicação foi apresentada pela Rede de Bibliotecas Escolares na 13.ª ed. das Jornadas da Rede de Bibliotecas da Maia, Lentes e livros: diálogos infinitos entre cinema e leitura (Fórum da Maia, 25 out. 2024).
Na 12.ª edição das Jornadas, O Poder da Imagem, a Rede de Bibliotecas Escolares destacou que:
- Web e redes sociais (Instagram, TikTok…) são um meio altamente visual que facilita a captação e a partilha de imagens. Na era digital parte significativa da informação atual a que acedemos - na comunicação e entretenimento quotidianos e no trabalho - é visual;
- Objetos visuais/imagens, não são neutros, não representam a verdade/realidade, uma vez que podem ser modificados na sua criação e partilha: “a luz , o ângulo de focagem ou a lente utilizada, podem subjetivar[manipular] o que nos está a ser mostrado” pelo que “necessitamos muitas vezes de um contexto que as explique” (Saramago, 2004);
- A literacia/educação visual, que faz parte da literacia da informação e média, deve ter um peso crescente nas sessões com alunos na biblioteca escolar, é preciso que crianças e jovens aprender a ler e a escrever/criar com imagens.
Referências
- AMNH. (n.d.). What makes us humans? American Museum of Natural History. https://web.archive.org/web/20070701062716/http://www.amnh.org/exhibitions/permanent/humanorigins/human/art2.php
- Câmara Municipal da Maia. (2024). XIII Jornadas da Rede de Bibliotecas da Maia - “Lentes e livros: diálogos infinitos entre cinema e leitura”. https://www.cm-maia.pt/institucional/agenda/evento/xiii-jornadas-da-rede-de-bibliotecas-da-maia-25-e-26-de-outubro-de-2024-forum-da-maia
- Comissão Europeia. (2024). Sci-Art. https://science-art-society.ec.europa.eu/
- Innerarity, D. (2024). Daniel Innerarity: "A inteligência artificial não saberá como pensar por você". Neosmart. https://neosmart.ai/br/daniel-innerarity-a-inteligencia-artificial-nao-sabera-como-pensar-por-voce/
- Lucas, I. & Gaudêncio, R. (2024). Leonel Moura: “A IA tem muito mais imaginação do que a maioria dos artistas”. Público. https://www.publico.pt/2024/08/25/culturaipsilon/entrevista/leonel-moura-quis-qualquer-ficar-historia-2101785