UNESCO: Currículo para a transição sustentável
O que devemos continuar a fazer? O que devemos abandonar? Que necessidades podem ser criativamente inventadas de novo? são questões orientadoras do relatório global da UNESCO, Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação [1].
No seu resumo, a IFLA levanta uma quarta questão: Qual é o papel das bibliotecas, bibliotecários e profissionais da informação a imaginar e cocriar este novo contrato social [2]?
Estas questões orientam a abordagem de todos os tópicos do relatório, inclusive do currículo, sobre o qual incidiremos esta reflexão [3], a última de uma série de três artigos já publicados.
5. Literacia matemática, científica e humanidades
A literacia matemática é útil para compreender relações, observar tendências e padrões, fazer projeções que impliquem decisões para o futuro e pode ser aplicada a diversos contextos e problemas: cálculo, saúde (ex. previsão de riscos sanitários), ambiente (ex. subida do nível do mar e poluição), computação com base no sistema numérico binário, economia (ex. rendimentos agrícolas).
No seu relatório global, a UNESCO recomenda que na educação formal se aprenda numeracia de forma significativa, ligando-a, por exemplo, à cultura (ex. beadwork, arte com missangas ou cestaria ou jogos como o Maori), ligando ambiente familiar ao escolar.
Literacia e investigação científica baseiam-se em “observar, questionar, predizer, testar, teorizar, desafiar e melhorar a compreensão”.
Ao longo da história da humanidade, a ciência mostrou que “a verdade é o resultado de procedimentos e acordos produzidos através de um esforço coletivo”, mas ao crescer tornou-se um campo especializado, desenvolvido acima de questões éticas sobre os efeitos das suas descobertas, gerando desconfiança. Por conseguinte, “Os currículos devem considerar os métodos, descobertas e ética da ciência como estando interligados”.
É a disseminação maciça de desinformação, sobretudo em períodos de crise como a do aquecimento global ou pandemia Covid-19, que leva a que conhecimentos científicos e factos sejam negados ou deturpados, gerando consequências no mundo real e alimentando a incerteza, medo e ódio.
Para reverter esta situação, “Os currículos devem fomentar um compromisso para defender a verdade científica e desenvolver capacidades para discernimento e investigação autêntica da verdade, que é complexa e variada” e contribuir para o bem-estar global.
Literacia científica e ética são urgentes sobretudo em populações desfavorecidas e marginalizadas, mais expostas à desinformação - por exemplo, regiões com grandes indústrias petrolíferas são pressionadas, inclusive ao nível dos currículos científicos oficiais, para minimizar efeitos ambientais da extração deste combustível fóssil altamente poluente.
As humanidades, na perspetiva “da nossa humanidade comum, de um planeta partilhado e com aspiração à justiça coletiva”, têm permitido compreender a construção do conhecimento e tomar consciência de que é “parcial e deformada”.
A aprendizagem da História “pode desenvolver uma perspetiva inestimável sobre mudança e sistemas sociais, incluindo discriminação e privilégio”, bem como sobre a “contingência, que as coisas poderiam ser diferentes do que são”, o que é fundamental para o futuro da democracia. Ela faz parte da “literacia para o futuro” que é a capacidade para “preparar, recuperar e inventar à medida que as mudanças ocorrem”.
“As tecnologias digitais devem ter como objetivo apoiar – e não substituir - as escolas. Deveríamos incentivar as ferramentas digitais para melhorar a criatividade e comunicação dos estudantes. Quando a inteligência artificial e os algoritmos digitais são trazidos para as escolas, temos de garantir que não se limitam a reproduzir os estereótipos e sistemas de exclusão.”
UNESCO, 2021
6. Competências digitais, artísticas e para uma cidadania ativa
Segundo a UNESCO “Não há nada de ‘nativo’ ou ‘natural’ nas competências digitais. Elas são construídas e aperfeiçoadas ao longo do tempo, através de intervenções educativas intencionais, ao lado de várias formas de aprendizagem informal e autodirigida.”
Mais do que competências digitais funcionais, é preciso desenvolver “literacia digital crítica” que pressupõe que os estudantes “reconheçam as motivações dos atores nos espaços digitais” e compreendam o ecossistema digital que manipula quem usa estas tecnologias para alcançar resultados que influenciam inclusive quem nunca usou estes meios.
A educação deve ainda incentivar o uso significativo de tecnologia em diversos contextos, o papel ativo do estudante sobre a tecnologia, a inovação tecnológica e a transformação digital das sociedades.
Também deve ser uma prioridade o acesso aberto com forte proteção de dados pessoais.
O relatório da UNESCO propõe a criação de currículos que incentivem a expressão criativa, proporcionando o desenvolvimento de novos meios e linguagens para dar sentido ao mundo, envolver-se no património cultural e “alargar os horizontes do conhecer, ser, comunicar dentro e fora das artes”. A educação através das artes “pode expandir muito o domínio de competências complexas e apoiar social e emocionalmente a aprendizagem”, para além de permitir “aceder à experiência dos outros, por empatia ou leitura de pistas não verbais”, pensar a mudança e o desconhecido.
O currículo deve integrar uma componente de cidadania, área de aperfeiçoamento ético e moral, que suscita “pensamento político e criativo e advocacia, monitorizando a injustiça e violações de direitos humanos” e estabelecendo ligação a diferentes atores, incluindo organizações não governamentais e a movimentos civis. Promove ainda pensamento crítico, cooperação e envolvimento social, através do diálogo e ações solidárias para o desenvolvimento sustentável e justo. Segundo a UNESCO, temas como igualdade de género e discriminação devem ser abordados em todos os currículos.
Esta visão do currículo apresentada pela UNESCO interpela educadores e professores bibliotecários à consciencialização e ação para um mundo mais justo e sustentável. Como é que localmente vai gerar esta mudança, é algo que gostaríamos que partilhasse connosco.
Referências
1. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação]. (2021, 10 nov.). Reimagining our futures together: a new social contract for education. France: UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379381
2. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, 24 Jan.). International Day of Education – Libraries Contributing to a New Social Contract for Education [Resumo da IFLA do Relatório Futuros da Educação]. Netherlands: IFLA. https://www.ifla.org/news/international-day-of-education-libraries-contributing-to-a-new-social-contract-for-education/
3. UNESCO, 2021: Part II, Chapter 4, pp. 63-78.
Fonte das imagens
1. El Correo de la UNESCO. (2021, nov.). Um nuevo contrato social opara la educación, Espanha; UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379764_spa
2. Espaço Ciência Viva. (2022). Jogos do Mundo: Mu Torere, Oceania. Portugal: ECV. http://cienciaviva.org.br/index.php/2021/07/19/jogos-do-mundo-mu-torere-oceania/