Semana da Aprendizagem Digital: O discurso de visão da UNESCO sobre IA e o futuro da educação

O discurso de visão (Vision Talk) da UNESCO sobre o tema da Semana da Aprendizagem Digital 2025 [3], IA e o futuro da educação: Disrupções, dilemas e orientações, foi proferido a 2 de setembro, numa sessão aberta, disponível online, por Stefania Giannini, Diretora-geral adjunta para a Educação da UNESCO, linguista e antiga ministra da educação italiana - a programação completa e ligações de acesso encontra-se na página do evento [1].
Iniciou-se a partir de um avatar representativo da oradora (imagem supra), à qual a própria, em presença e de viva-voz, deu continuidade. Este detalhe simboliza a intersecção entre a presença humana e a mediação tecnológica que a IA (Inteligência Artificial) introduz no ambiente educativo global.
Destacam-se aspetos do seu discurso:
A. A educação é uma história de rutura, de revolução
Há cerca de 5000 anos, a invenção da escrita transformou a memória em texto, que pode ser armazenado, partilhado e perpetuado no tempo, impulsionando a transmissão de conhecimento e o desenvolvimento humano. Há 600 anos, a imprensa de Gutenberg democratizou o acesso à leitura e ao conhecimento. Há 3 anos, o ChatGPT tornou a IA generativa acessível, inaugurando uma nova era de produção e interação textual automatizada global.
“A IA torna-se um novo ator na educação. Pela primeira vez na História a tecnologia deixa de ser silenciosa. Ela está a responder (…) nunca para de ingerir, digerir e gerar informação” e – ao contrário dos humanos - não se cansa.
A IA é “tutora, professora, companheira” dos estudantes - este último papel pela função que quotidianamente desempenha no combate à solidão e saúde mental.
B. Dilemas morais e políticos da IA
O discurso de Giannini enfatizou dilemas centrais que não devem traduzir-se em falsas escolhas porque a verdade está algures entre os extremos:
🟥A IA melhora ou enfraquece as competências dos alunos? Devemos restringir o uso de IA para proteger o desenvolvimento cognitivo dos alunos?
🟥Capacita ou substitui os professores?
🟥Como lidar com os impactos ambientais dos centros de dados que armazenam a informação dos sistemas de IA? Há centros de dados que consomem mais energia e água do que países inteiros.
🟥Tecnologias de IA aumentam a desigualdade, digital e em todos os setores da vida humana?
As evidências sobre os benefícios de IA são confusas e os riscos são realmente muito relevantes. Os desafios morais e políticos residem no equilíbrio entre inovação e proteção dos valores humanos fundamentais.
C. IA deve ser centrada no ser humano e apoiar o desenvolvimento sustentável
De acordo com a visão da UNESCO, a IA deve ser “equitativa, segura e ética em todo o mundo”.
Sem acesso a eletricidade, a infraestruturas digitais sustentáveis, a conectividade significativa e a dispositivos acessíveis, crianças e jovens serão deixados para trás, como se fossem inúteis à sociedade.
“Se os sistemas de IA não forem equitativamente acessíveis e treinados com dados culturalmente representativos e com idiomas que reflitam a diversidade cultural, aprofundam-se as desigualdades globais”.
A IA deve ser culturalmente relevante e funcionar para todos - pessoas, idiomas, comunidades e países – pelo que é preciso construir e adaptar localmente modelos de IA.
D. Segurança de dados
A privacidade e a proteção dos direitos dos alunos é inegociável. “Precisamos de padrões globais de segurança para que as ferramentas de IA nas escolas sejam transparentes, responsáveis e livres de preconceito, o que não é o caso atual”.
E. Professores não são substituíveis
A IA deve apoiar - e não substituir - os professores. É preciso investir nas suas competências e carreiras para que eles possam usar a tecnologia com sabedoria e para o melhor, garantindo que professores e alunos navegam na IA de forma crítica, criativa e ética.
Entre 27 a 29 de agosto, em Santiago (Chile), realizou-se a primeira cimeira internacional de alto nível dedicada exclusivamente ao tema dos professores, World Summit on Teachers 2025 [4]. Organizada pela UNESCO e Nações Unidas, reuniu chefes de Estado, ministros, especialistas, sindicatos e associações para discutir o estatuto, os desafios e as políticas de valorização da profissão docente e dela resultou o Consenso de Santiago [5] para reverter a escassez mundial de professores e empoderar a profissão docente.
A Cimeira alertou, entre outros, para os seguintes aspetos:
🟥“As mais recentes avaliações internacionais e regionais alertam para uma tendência global preocupante: os resultados de aprendizagem estão estagnados ou mesmo retrocedendo em áreas-chave, especialmente em leitura e matemática. Esses desafios não se limitam a uma região específica: há uma erosão generalizada das competências fundamentais em diferentes sistemas de ensino no mundo” (Nota Concetual).
🟥40 milhões de jovens a mais completam o ensino secundário em comparação com 2015 (Relatório de Monitoramento da Educação Global 2024/2025, da UNESCO), pelo que, até 2030, é necessário contratar mais 44 milhões de docentes para garantir o acesso universal à educação primária e secundária. A falta de docentes e o aumento da taxa de abandono da profissão docente afeta todas as regiões do mundo, especialmente Ásia e África [6].
🟥Destacando o papel essencial da socialização na educação, Sampaio da Nóvoa exortou na Cimeira “a UNESCO e os Estados Membros a reconhecer a relação docente-estudante como um património comum da humanidade e farol de relacionamento, num contexto de crescente transformação digital, que deve estar ao serviço da humanidade sem pôr em causa o papel essencial da socialização e interação humana na educação” [7].
F. Solidariedade global e padrões compartilhados
“Nenhum país pode enfrentar esta rutura/revolução sozinho. É preciso cooperação internacional para definir padrões de segurança para desenvolvimento de um currículo de IA e para trocar conhecimentos sobre metodologias e pedagogias emergentes”.
O desafio e convite da UNESCO é claro: “Precisamos do que a IA não tem: imaginação, coragem, ambição e ação coletiva”.
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Sobre as interseções entre IA, educação e bibliotecas escolares:
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Inteligência artificial: presente e futuro
Sobre o Relatório da UNESCO de 2021:
UNESCO: Conhecimento como herança da humanidade
UNESCO: O currículo deve trabalhar o ser humano completo
UNESCO: Currículo para a transição sustentável
UNESCO: A expansão do direito à educação até 2050
Referências
- UNESCO. (2025, September 2-5). Digital Learning Week 2025. https://www.unesco.org/en/weeks/digital-learning
- UNESCO. (2025). Digital learning and transformation of education. https://www.unesco.org/en/digital-education?hub=83250
- UNESCO. (2025, 2 Sep.). Live event: Digital Learning Week 2025. https://webcast.unesco.org/events/2025-09-DigitalLearningWeek2025/
- UNESCO. (2025, Ago., 27 - 29). World Summit on Teachers 2025. https://www.unesco.org/en/teachers/2025-world-summit
- UNESCO. (2025, 29 Ago.). Consenso de Santiago. https://www.unesco.org/sites/default/files/medias/fichiers/2025/08/world-summit-teachers-final-santiago-consensus-es.pdf
- Nações Unidas. (2025, 4 Sep.). Vice-secretária-geral da ONU alerta para crise de escassez de professores. https://news.un.org/pt/story/2025/09/1850865
- UNESCO. (2025, 28 Ago.). World Summit on Teachers Live: Sessions on valorizing the teaching profession and partnerships. https://www.youtube.com/live/Kk419q4mQvs
Nota: Pode aceder-se à comunicação de António Sampaio da Nóvoa a partir dos 33 minutos e 18 segundos.