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Blogue RBE

Qui | 20.03.25

 Porque estamos tão iludidos sobre a realidade?

2025-03-20.pngAs nossas opiniões ou pontos de vista erróneos não decorrem apenas, nem principalmente, de desinformação, mas do modo como pensamos (razões internas) e da nossa ignorância. São estruturais, profundas e eternas e podem transformar a realidade, tendo consequências na vida das pessoas. 

Este artigo propõe-se abordar as nossas opiniões erróneas a partir de um ponto de vista amplo, do qual a desinformação transmitida pela comunicação social ou redes sociais, uma das razões externas de estarmos enganados, é uma parte.

Analisa 3 das principais causas das nossas crenças ou opiniões enganosas e baseia-se no livro Os Perigos da Perceção. Talvez estejamos errados acerca de quase tudo. E há quem saiba aproveitar-se disso de Bobby Duffy, publicado pela primeira vez em 2018 e editado em 2025 em Portugal pela Zigurate.*

1. A importância de emoções e histórias

As nossas emoções influenciam o que vemos/lemos, decidem de que lado estamos e modificam o pensamento. É importante aceitar e tomar consciência do seu importante papel nas nossas opiniões sobre a realidade, sugerindo-se que as identifiquemos e escrevamos sobre elas.

Por exemplo, quando estamos muito preocupados com um problema, como o da migração, isso faz com que o sobrestimemos, considerando que tem uma maior dimensão do que a que os factos mostram. Este princípio está na base da inumeracia emotiva, conceito atribuído ao psicólogo e economista Paul Slovic que designa a nossa incapacidade natural de responder adequadamente a dados numéricos ou estatísticos.

Outro exemplo, a empatia e a nossa preocupação e ação tende a diminuir se o número de pessoas que precisam de ajuda ou morreram aumenta. Este preconceito cognitivo Slovic designou-o Desvanecimento da Compaixão/ Compassion Fade e traduz-se num entorpecimento mental perante crises em massa.

Apresentarmos números ou estatísticas e promovermos a literacia numérica não garante uma visão objetiva e racional da realidade. Segundo Slovic, para transmitir o verdadeiro significado de catástrofes e motivar para a sua prevenção, é necessário acrescentar uma componente emocional que decorre da apresentação de histórias sobre pessoas concretas.

Segundo Bobby Duffy, os estudos do Instituto IPSOS mostram que temos falta de competências matemáticas e estatísticas básicas e que damos mais importância às palavras do que aos números. Consequentemente, recomenda que, para abordar temas difíceis ou fraturantes, as histórias - mais do que a informação estatística - contribuem para modificar crenças e comportamentos.  Retornando ao exemplo dos migrantes, devemos “apresentar exemplos reais envolvendo indivíduos reais, que calhou serem imigrantes, para alterar a imagem mental estereotipada dessas pessoas”. (p. 250).

Conclui, afirmando que “não há contradição entre factos e histórias (…) O poder das histórias sobre nós implica termos de levar as pessoas a interessarem-se por ambos” (p. 250). 

2. Pensamos mal dos outros e que somos a norma

Quando há demasiada informação e proliferam os pontos de vista contraditórios, tendemos a considerar que nós, e os nossos amigos, correspondem ao padrão e que a maioria pensa como nós.

E somos “em geral, indevidamente negativos na nossa avaliação dos outros, temos uma tendência natural a pensar o pior dos outros - em geral, atrai-nos informação negativa. Significa isto que sofremos de um ‘viés da superioridade ilusória’, tendemos a achar que somos superiores ao cidadão médio” (p. 57). E sugere que tenhamos em mente que “As coisas não estão tão mal quanto pensamos” (p. 240)

Temos “tendência natural para procurarmos informação que confirme as nossas opiniões e evitarmos a que não o faz, lançando-nos para os braços de especialistas que corroboram as nossas opiniões preexistentes” (p. 235).

Evitamos a dissonância cognitiva, mas consultar diferentes fontes e perspetivas evita opiniões enganosas. Atualmente diversos jornais apresentam para uma pergunta dois lados da resposta e este é um exercício que as bibliotecas escolares podem solicitar às crianças e jovens.

A app Read Across the Aisle/ Ler o lado de lá [3] ajuda a escapar ao viés de confirmação e a abandonar a ideia de que os nossos pontos de vista são os dominantes e os corretos, constituindo um remédio para a polarização e o discurso de ódio. 

3. O cérebro tende a simplificar e a exagerar

A paisagem mediática, na sua busca por audiências, visualizações, likes e lucro, tende a apresentar mensagens simples, fáceis de captar. E “os próprios investigadores, académicos e autores (incluindo eu mesmo!) têm motivos para simplificar as coisas: mensagens contundentes atraem mais atenção, mais financiamento e geram mais vendas de livros!” (p. 12). Perante um problema, o nosso cérebro detesta ficar na dúvida e tem apetência natural para a simplicidade, respostas únicas/soluções e arranjar culpados.

Segundo Duffy, temos uma fixação natural por exemplos extremos, generalizações/ estereótipos, que não são representativos da realidade. A comunicação social e redes sociais exploram esta vulnerabilidade - “Drama, tragédia e horror atrai a atenção”. Evocando Evan Davis, autor do livro Post-true, “Primeiro simplifica-se, depois exagera-se”.  “É muito mais fácil ser-se arrastado para esta armadilha muitíssimo comum do que por qualquer coisa que envolva fake news” (p. 242). 

Concluindo

Pontos de vista erróneos não se corrigem com mais informação, mas refletindo sobre como pensamos. A educação e o diálogo baseado em exemplos reais da Psicologia e da Neurociência facilitam este processo.

“Apesar da nossa visão do mundo baseada na realidade estar cada vez mais em risco, há coisas que podemos fazer” (p. 252), como:

  • Cultivar um saudável ceticismo, duvidando e desconfiando das primeiras impressões;

  • Cultivar uma certa inércia, não correndo atrás da última novidade, cuja informação não foi estabilizada;

  • Consumir notícias transitando da recetividade passiva para a reflexão ativa (quem, o quê, onde, quando, para quê esta notícia?), desenvolvendo a leitura lateral usada pelos verificadores de factos.

  • Exercitar um pensamento/ação lento, com consciência e intenção. O pensamento rápido, instintivo, não é confiável, pois tende a multiplicar os erros cognitivos. O livro Pensar Depressa e Devagar de Daniel Kahneman demonstra que a rapidez modifica a forma como compreendemos o mundo, definimos as nossas prioridades e nos comportamos e é prejudicial para o desenvolvimento.

É importante tomar consciência de que os cérebros humanos são típicos, previsíveis e que estas são ilusões sistemáticas e que há pessoas que intencionalmente as exploram para as manipular e retirar benefício próprio.  Estas pessoas “constituem um risco real para a sociedade” (p. 13) porque nos afastam de uma visão objetiva e rigorosa da realidade, de um pensamento e ação livres. Entre elas destacam-se os programadores de tecnologias digitais, redes socais e IA, os influenciadores e os políticos. O uso contínuo de ferramentas digitais e IA alimenta automática e exponencialmente este sistema natural de ilusões, sem disso termos consciência, pelo que urge intervirmos. 

* Sobre o autor

Duffy é professor de políticas públicas e diretor do Policy Institute no King's College de Londres. Anteriormente foi diretor de pesquisa global do IPSOS [1], Instituto com 50 anos de história e líder mundial em investigação social que publica anualmente e em acesso livre Os Perigos da Perceção/Perils of Perception e o Índice de Confiança Global/Global Trustworthiness Index, entre outros estudos.

Referências

1. Duffy, Bobby. (2025). Os Perigos da Percepção. Zigurate
2. Ipsos Portugal. (s.d.). Ipsos Portugal. https://www.ipsos.com/pt-pt 
3. Read Across the Aisle. (s.d.). Read Across the Aislehttp://www.readacrosstheaisle.com/

 


 

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0