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Blogue RBE

Ter | 16.03.21

Porque é que isto não funcionou? Terá sido um problema de cultura?

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Photo by Stanislav Ferrao on Unsplash

Num tempo em que o mundo inteiro se encontra numa situação que levou a que se coloquem em causa modos de vida considerados como adquiridos, há palavras que ganharam novo protagonismo. Mudança, transformação, transição… Todos as sentimos como inevitáveis e a educação é um domínio que, embora já há muito necessitado de mudar, tem agora inexoravelmente de abraçar a mudança, para, como diz Nigel Coutts, no seu post de 7 de fevereiro, preparar os alunos para o mundo que vão herdar. Mas mudar, implica interiorizar as mudanças na cultura do sistema.

Convidamos-vos à leitura das reflexões de Nigel Coutts [1] sobre este assunto, que, com a sua autorização, traduzimos.

A mudança nunca é fácil. Diz-se frequentemente que embora todos desejem a mudança, poucas pessoas estão dispostas a mudar. Não deve ser demasiado surpreendente que as mudanças mais significativas dentro das grandes organizações falhem. Então, porque é que tantas grandes ideias não conseguem sobreviver? Será que a própria ideia não reunia os requisitos necessários à sobrevivência, ou será algo mais? Tem algo a ver com a cultura da organização e, em caso afirmativo, como poderá uma compreensão mais profunda dos fatores culturais em jogo apoiar ou influenciar os resultados?

As organizações educativas são fortemente moldadas pela sua cultura, concentrando-se na oferta de serviços humanos prestados por professores que se identificam profundamente com a sua própria conceção do que significa ser professor. Emoção e cultura estão ligadas, e a mudança de cultura suscita frequentemente uma resposta emocional.
"O sentido de identidade de uma pessoa é em parte determinado pelos seus valores, que podem coincidir ou colidir com valores organizacionais" (Smollan & Sayers 2009 p.439) [2]. Smollan & Sayers constataram que quando a mudança cultural é procurada numa escola, e não é vista como compatível com os valores de cada um, ou põe e causa esses valores, são comuns respostas emocionais tais como medo, raiva ou tristeza. Isto é observado em mudanças que resultam no questionamento do profissionalismo e autonomia dos professores, incluindo alterações ao currículo e à pedagogia. Esta ligação entre identidade e cultura e as subsequentes dependências emocionais exigem uma gestão muitíssimo cuidadosa e a consciência dos fatores humanos envolvidos na mudança.

Em termos práticos, qualquer esforço de mudança que não considere a cultura em que essa mudança é introduzida, tem poucas probabilidades de ser bem-sucedido. O pior cenário possível é aquele em que o esforço de mudança encontra tal resistência que nunca é verdadeiramente implementado. Contudo, em muitos casos, o esforço de mudança não produz o tipo de resultados inicialmente imaginados, apesar dos esforços de todos os envolvidos para abraçar a mudança. Embora sejam adotados novos comportamentos, algo corre mal e nem sempre a culpa é imputável à nova ideia em si.

Consideremos uma escola que está a adotar um enfoque no pensamento crítico do aluno. São identificadas e aprovadas uma série de ações e estratégias de ensino a serem implementados pelos professores. Estas podem ser facilmente ensinadas, aprendidas e monitorizadas. Quando apresentados aos professores através de oportunidades de acompanhamento e formação profissional contínua, é razoável esperar que os novos métodos sejam adquiridos e, no entanto, as coisas ainda podem correr mal. De alguma forma, os alunos ainda são descritos como pensadores relutantes que, em vez disso, se concentram, em recitar respostas. O que correu mal? Porque é que os estudantes não estão a abraçar estas novas formas de pensar?

O problema situa-se provavelmente ao nível da cultura.

Os alunos têm a sua conceção do que é a escola. Aprendem isto desde muito cedo e as mensagens que recebem diariamente reforçam as suas crenças. Num determinado momento, o professor pode falar de modos de pensar, mas para os alunos esta é mais uma retórica a par de todas as outras mensagens que recebem.

Respostas corretas no teste correspondem a boas notas na avaliação. As respostas rápidas aos questionários na sala de aula são recompensadas. Os bons alunos respondem a mais perguntas do que as que fazem. Aprender é memorizar os factos. Regras de trabalho claras. As aulas das disciplinas mais valorizadas ocorrem de manhã. 'Inteligente' significa saber responder a mais perguntas em disciplinas como matemática e inglês. Os alunos sabem que, embora pensar seja agradável, há outras coisas mais importantes.

Não é que o foco no pensamento crítico não tenha sido uma boa ideia ou mesmo que os métodos utilizados tenham sido inadequados. O esforço de mudança falhou porque, na melhor das hipóteses, foi apenas superficial. Não abordou suficientemente a questão da cultura. Se queremos realmente concentrar-nos no pensamento crítico, então precisamos de olhar atentamente para a forma como ele é abordado em cada mensagem que enviamos. Se há ações que contrariam o nosso foco no pensamento, então temos de ponderar como isto pode ser mudado. Ao fazermos isto, incorporamos o pensamento crítico na cultura da escola.

A construção de uma cultura do pensamento é desenvolvida de forma sólida através do trabalho de Ron Ritchhart e do Project Zero através do seu trabalho na Criação de Culturas de Pensamento. As oito forças culturais oferecem tanto uma Lente como uma Alavanca para aqueles que procuram avaliar e mudar a sua cultura para uma outra que valorize o pensamento. Mas o pensamento crítico não é a única mudança dentro das escolas que exige um tratamento aprofundado. Considere-se como a aprendizagem baseada na investigação pode ser implementada se não abordar os aspetos culturais da investigação. A menos que exista dentro da escola uma cultura que valorize a investigação como um modo de aprendizagem, esse nunca será considerado um bom processo para responder a uma questão de investigação. A representação dos alunos é outro exemplo claro de um conceito que só pode produzir mudanças insignificantes nas escolas, porque nunca vai além de uma abordagem básica. Quando a representação dos alunos é genuinamente abraçada, as suas impressões digitais devem ser evidentes na cultura da escola. Deve ser considerado antinatural (e não uma simpatia ocasional) não incluir a voz dos alunos em qualquer decisão que tenha impacto nos estudantes.

As práticas de avaliação são outro caso em que a cultura tem um impacto significativo no efeito que uma iniciativa de mudança pode ou não ter. Leia o trabalho de Dylan Wiliam, perito em avaliação altamente respeitado, e verá que o impacto mais significativo ocorre quando as escolas abraçam abordagens de avaliação para a aprendizagem ou avaliação formativa. Duas citações de Wiliam esclarecem os conceitos-chave subjacentes a uma abordagem de avaliação formativa:

É formativa apenas se a informação for utilizada pelo aprendente para fazer melhorias que efetivamente levem a sua própria aprendizagem para a frente. É por isso que para ser formativa, a avaliação deve incluir uma receita para ações futuras. - Dylan Wiliam

Se o que está a fazer sob o título de avaliação para a aprendizagem ou avaliação formativa envolver a colocação de qualquer coisa numa folha de cálculo, ou a utilização de uma caneta que não seja para fazer comentários num caderno de um aluno, então não está a fazer a avaliação para a aprendizagem que faz a diferença'. - Dylan Wiliam

Aprofundando mais a definição de avaliação formativa, Wiliam partilha "A prática numa sala de aula é formativa na medida em que as evidências sobre os resultados dos alunos são recolhidas, interpretadas e utilizadas por professores, alunos, ou seus pares, para tomar decisões sobre os próximos passos no ensino que provavelmente serão melhores, ou mais bem fundamentadas, do que as decisões que teriam tomado sem evidências que foram recolhidas". Isto aponta-nos claramente para práticas que permitem a todos os envolvidos na aprendizagem compreender onde o aprendente está na sua aprendizagem, o que poderá fazer a seguir e o que outros (professores, pais, etc.) poderão fazer para ajudar.

Este processo não é suportado por uma classificação ou uma nota. Ambas falham em esclarecer as especificidades do que foi alcançado ou do que pode resultar em crescimento.

De facto, o problema com as notas ou classificações é maior do que possamos imaginar. Ruth Butler investigou o impacto das notas na motivação intrínseca, e as suas conclusões são significativas. Os alunos que receberam feedback apenas com comentários, retiraram o máximo proveito do feedback fornecido. Quando os estudantes receberam apenas notas, ou mesmo notas e um comentário, o efeito foi um enfraquecimento do seu interesse e desempenho. O esforço feito pelo professor para complementar a nota com um comentário significativo que pudesse orientar o aluno na sua aprendizagem foi desfeito pela atribuição dessa nota.

O desafio que muitas escolas enfrentam quando implementam a avaliação formativa decorre mais claramente da cultura e das crenças que a cultivam. Os professores acreditam que uma parte do seu trabalho é fornecer aos alunos uma nota, mesmo em situações em que o sistema não o exige. Os professores também acreditam que precisam de manter uma caderneta para as notas.

Os pais contribuem para isso, insistindo nas notas e a crença de que boas notas são um indicador satisfatório de aprendizagem é generalizada. Por imersão nesta cultura, os alunos aprendem que o sucesso na escola é demonstrado pelas boas notas. Emily Mitchum, uma estudante que reflete sobre a sua aprendizagem e a cultura que viveu publicou um artigo de opinião na Pittsburgh Post-Gazette onde escreveu,

Este sistema...fez com que a minha geração desenvolvesse uma obsessão pouco saudável por notas em vez de aprender, na minha opinião. A dura realidade é que não estamos realmente a aprender tanto quanto podíamos. Estudamos porque temos testes e no dia seguinte ao teste esquecemo-nos de toda a informação que estudámos.

O nosso enfoque persistente nas notas está a moldar a perceção dos nossos alunos sobre o que é a aprendizagem e a convencê-los de que imaginar não é positivo. Quando avaliamos a eficácia do nosso esforço para implementar uma avaliação formativa, devemos considerar o impacto que este enfoque cultural tem nas notas. Alterar as nossas práticas de avaliação sem abordar o preconceito cultural tem poucas probabilidades de ser um sucesso.

O padrão mantém-se para muitos aspetos da mudança. A adoção de novas práticas é relativamente fácil. Alterar a cultura de modo a que a mudança se torne uma rotina de funcionamento da organização é um desafio. Quando chega o momento de avaliar uma mudança, o elemento cultural tem de ser considerado.

Demasiadas boas ideias foram descartadas, não porque a ideia tivesse falhas, mas porque não se enquadrava na cultura da organização em que foi introduzida. Este ponto pode revelar-se crucial em tempos de mudança rápida em que novos desafios são lançados à educação. Embora possamos reconhecer a necessidade de mudanças na forma como os jovens estão preparados para o mundo que herdarão, será que a cultura dos sistemas educativos terá capacidade de se ajustar a tempo?

 

Referências

[1] Coutts, Nigel. Why didn't that work? Maybe it’s culture?. The Learner’s Way, 23/11/2020. Acedido em 09/03/2021 em https://thelearnersway.net/ideas/2021/2/7/why-didnt-that-work-maybe-it-s-culture

[2] Smollan, R & Sayers, J. (2009) Organizational Culture, Change and Emotions: A Qualitative Study, Journal of Change Management, 9:4, 435-457

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

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