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Blogue RBE

Seg | 05.05.25

Pensar a inteligência artificial na escola

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Introdução

De 3 a 9 de maio de 2025, decorre mais uma edição da operação 7 Dias com os Media, uma iniciativa promovida pelo GILM – Grupo Informal sobre Literacia Mediática, que a RBE integra. O tema deste ano — IA, eu penso — constitui um convite claro a olhar para a IA não apenas como uma tecnologia emergente, mas como fenómeno cultural e social que exige reflexão crítica e ética.

Num momento em que a IA marca presença crescente no quotidiano escolar e fora dele, através de motores de busca, assistentes virtuais, algoritmos de recomendação ou ferramentas generativas, a escola tem um papel determinante: preparar os alunos para serem utilizadores conscientes e cocriadores responsáveis destas tecnologias.

É neste contexto que importa conhecer o Referencial de Competências em IA para Alunos, publicado pela UNESCO em 2024. Este documento define um quadro de competências essencial para uma integração pedagógica da IA, ancorada nos direitos humanos, na sustentabilidade e na inclusão.

Porquê um referencial de competências para a IA?

Segundo a UNESCO, a educação não pode ser apenas espaço de adaptação às transformações tecnológicas: deve ser motor de mudança e construção de futuros mais justos e sustentáveis. Embora apenas 15 países tenham já integrado objetivos de aprendizagem em IA nos seus currículos até 2022, a urgência de agir é clara. O referencial visa colmatar a ausência de quadros orientadores públicos, muitas vezes substituídos por ofertas de formação orientadas por interesses comerciais.

O que propõe o referencial da UNESCO?

O referencial estrutura-se em 12 blocos de competências, distribuídos por quatro áreas e três níveis de progressão:

Áreas:

  1. Mentalidade centrada no ser humano — Valoriza o papel do ser humano na relação com a IA, promovendo a agência, a responsabilidade e a cidadania ativa.

  2. Ética da IA — Desenvolve a capacidade de refletir sobre os impactos sociais, ambientais e legais da IA, promovendo decisões responsáveis e informadas.

  3. Técnicas e aplicações da IA — Aborda os conhecimentos fundamentais sobre como funciona a IA e como pode ser rentabilizada em contextos práticos e educativos.

  4. Desenho de sistemas de IA — Incentiva os alunos a pensarem, conceberem e testarem soluções com IA, considerando problemas reais e princípios éticos desde a origem.

Níveis de progressão:

  1. Compreender: implica conhecer os conceitos fundamentais da IA, os seus impactos sociais e ambientais, bem como os princípios éticos que devem orientar a sua utilização.

  2. Aplicar: refere-se à capacidade de utilizar ferramentas de IA em diferentes contextos escolares, garantindo práticas seguras, responsáveis e informadas.

  3. Criar: desafia os alunos a desenvolverem soluções inovadoras com recurso à IA, orientadas para problemas concretos, integrando critérios de justiça social, sustentabilidade e ética.

Esta abordagem promove uma literacia em IA que é técnica, mas também ética, crítica, inclusiva e ambientalmente consciente.

Princípios orientadores para a ação educativa

  1. Pensamento crítico sobre a IA — Envolve a capacidade de questionar o funcionamento e os impactos da IA, analisando os seus benefícios e riscos de forma fundamentada. Estimula a reflexão sobre a utilidade, os limites e as implicações sociais e culturais destas tecnologias.

  2. Defesa da dignidade e agência humanas — Promove a compreensão do papel insubstituível dos seres humanos nas decisões apoiadas por IA, incentivando a responsabilidade, a autonomia e o respeito pelos direitos individuais.

  3. Sustentabilidade ambiental — Alerta para os custos ecológicos do desenvolvimento e treino de modelos de IA, incentivando práticas tecnológicas que minimizem os impactos ambientais e contribuam para a preservação dos ecossistemas.

  4. Inclusão e justiça social — Valoriza o combate a enviesamentos algorítmicos e a promoção da equidade no acesso à tecnologia, defendendo a criação de soluções de IA que respeitem a diversidade cultural, linguística e funcional.

  5. Aprendizagem ao longo da vida — Incentiva a aquisição contínua de competências, adaptáveis à evolução tecnológica, preparando os estudantes para lidar com novas ferramentas de IA ao longo da sua vida pessoal, académica e profissional.

Como pode a escola integrar este referencial?

O referencial da UNESCO valoriza metodologias ativas e centradas no aluno, que favoreçam a aprendizagem significativa e o desenvolvimento de competências transversais. Entre as estratégias sugeridas destacam-se:

  • Aprendizagem baseada em projetos: permite que os alunos investiguem problemas reais relacionados com a IA, propondo soluções criativas e éticas. Pode, por exemplo, consistir na criação de campanhas de sensibilização sobre o uso da IA em redes sociais ou na análise de dados locais com ferramentas assistidas por IA.

  • Estudos de caso e dilemas éticos: promovem o pensamento crítico e a análise das implicações sociais, legais e ambientais da IA. Os alunos podem discutir casos como o uso de reconhecimento facial em espaços públicos ou algoritmos de recrutamento com enviesamentos, entre outros.

  • Simulações e role play: envolvem os alunos em cenários realistas onde assumem papéis diversos (programadores, legisladores, cidadãos, professores) para explorarem os desafios sociais e éticos da IA.

  • Oficinas de cocriação com IA: incentivam a utilização de ferramentas generativas para desenvolver narrativas visuais, podcasts, textos multimodais ou propostas para resolver problemas concretos da comunidade escolar.

  • Debates e círculos de diálogo: promovem a argumentação e o confronto de perspetivas em torno de questões como, por exemplo, “Devem os alunos usar IA para estudar?”, “Pode um robô ser ético?” ou “Como evitar a discriminação algorítmica?”.

Estas metodologias devem ser adaptadas à idade dos alunos e articuladas com os conteúdos curriculares e as áreas de competência do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

E a biblioteca escolar?

A biblioteca escolar constitui-se como um espaço privilegiado para o desenvolvimento das competências definidas pelo referencial da UNESCO. Pela sua vocação transversal, interligada com todas as áreas do currículo, e pela sua missão de promoção da leitura, da literacia informacional e mediática, do pensamento crítico e da cidadania, tem um papel estratégico na construção de uma cidadania digital responsável.

Pode liderar ações de sensibilização e formação em literacia digital, mediática e informacional, promover oficinas sobre IA e ética, criar clubes de tecnologias emergentes, dinamizar exposições temáticas ou organizar semanas temáticas em articulação com docentes e alunos.

Pode também apoiar a seleção e curadoria de recursos digitais de qualidade, orientar atividades de pesquisa com apoio de ferramentas de IA e contribuir para a formação de professores através da dinamização de sessões de exploração crítica de ferramentas digitais.

Para apoio a atividades no âmbito da IA, a RBE apresenta um conjunto de sugestões de atividades que vão ao encontro das estratégias sugeridas pelo referencial da UNESCO e que podem ser usadas tal como apresentadas ou adaptadas à realidade da escola.

Existem já vários exemplos de bibliotecas escolares que estão a desenvolver iniciativas nesta linha e que se destacam, colocando as bibliotecas escolares na vanguarda do conhecimento, tal como vem acontecendo desde a sua criação em 1996.

Conclusão

A inteligência artificial coloca desafios complexos, mas traz também oportunidades significativas à educação. Com este referencial, a UNESCO oferece aos professores e decisores um instrumento orientador para formar alunos críticos, criativos e eticamente responsáveis.

A participação ativa na operação 7 Dias com os Media é uma excelente oportunidade para começar ou aprofundar este caminho.

Este texto constitui apenas uma breve divulgação do referencial da UNESCO, pelo que se sugere vivamente a sua leitura integral, disponível no site oficial da organização, para uma apropriação mais profunda e fundamentada dos seus conteúdos e propostas educativas. 

Referências

UNESCO. (2024). AI Competency Framework for Students. Paris: UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000389110 

📷 capa do referencial (adaptação)

 

Leituras complementares sugeridas
Para aprofundar a abordagem educativa à inteligência artificial e à literacia mediática, sugere -se ainda:

 

Leituras sugeridas no Blogue RBE
A Rede de Bibliotecas Escolares tem vindo a refletir e publicar regularmente sobre a temática da Inteligência Artificial, sob várias perspetivas:

 

Série: A inteligência artificial nas Bibliotecas Escolares

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