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Blogue RBE

Ter | 15.07.25

“Pela língua que nos une”: Camões entre latitudes

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… "Não vimos mais, enfim, que mar e céu…” - as palavras de Camões ecoam, uma vez mais, além-fronteiras.

Ecoam agora sob a forma de traço, cor, imaginação e pertença, nas ilustrações que alunos do 9.º A da Escola Portuguesa de Díli criaram a partir de excertos de Os Lusíadas. Um gesto artístico e simbólico que transpôs distâncias oceânicas e uniu duas bibliotecas escolares - a da Escola Portuguesa Ruy Cinatti, em Díli, Timor-Leste, e a da Escola Artística do Conservatório de Música do Porto - num projeto colaborativo que nasceu com a iniciativa Latitudes da Língua Portuguesa, promovida pela Rede de Bibliotecas Escolares. 

Esta parceria, que se afirmou no final do ano letivo de 2024/2025, teve como principal motivação a celebração dos 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, efeméride que mobilizou, em Portugal e em vários pontos do mundo lusófono, múltiplas ações de evocação da sua obra e do seu legado. Foi com este espírito de celebração e de encontro que se construiu a exposição “Pela língua que nos une”, resultado de um intenso trabalho de articulação entre professores, professores bibliotecários e alunos, orientado para a valorização da língua portuguesa, da expressão artística e do património literário comum.

Em Díli, a exposição terá lugar no fim do ano letivo, na escola, numa atividade que reunirá outros trabalhos dos alunos, realizados no âmbito do Plano das Artes, afirmando simbolicamente a presença cultural de Portugal em Timor-Leste . Os trabalhos ilustrativos dos alunos timorenses dialogaram com passagens selecionadas d’Os Lusíadas que os sensibilizaram. Sob orientação da professora Sandrina Ribeiro, os estudantes envolveram-se com entusiasmo no processo de leitura, interpretação e recriação visual da epopeia camoniana. Um envolvimento que se fez a cantarolar em português, a ler versos, a rir e a criar com sentido de pertença.

Do lado do Conservatório de Música do Porto, o desafio foi acolhido com igual entusiasmo. A professora bibliotecária Maria Helena Rodrigues de Castro sublinhou que, para a biblioteca escolar, esta exposição constituiu uma forma de valorizar o legado literário junto da comunidade escolar, promovendo o encontro entre diferentes culturas pela via da literatura e da arte. A celebração de Camões foi, assim, oportunidade para relembrar a história, sim, mas também para afirmar a atualidade e a relevância da língua portuguesa como espaço de comunicação e de criação partilhada.

Este projeto inscreve-se,  no contexto do Dia Mundial da Língua Portuguesa, assinalado a 5 de maio, e corporiza os princípios orientadores da iniciativa Latitudes da Língua Portuguesa: promover a língua portuguesa como espaço de encontro(s), diálogo intercultural, construção de identidade e pertença. Ao reunir escolas de geografias distintas, mas unidas por uma língua comum, esta colaboração testemunha o potencial educativo, artístico e simbólico da biblioteca escolar como lugar de cruzamento entre saberes, tempos e culturas.

Para além do produto final - uma exposição com grande valor estético e simbólico - importa destacar o processo educativo subjacente. Os alunos não se limitaram a ilustrar passagens literárias: interpretaram-nas, compreenderam-nas e  fizeram-nas suas. Envolveram-se ativamente na escolha dos excertos, refletiram sobre os seus significados, encontraram pontes entre o passado e o presente, entre Portugal e Timor, entre a epopeia e o quotidiano. E, no fim, viram a sua criação ganhar forma, ser partilhada, reconhecida e valorizada.

Como referem as professoras dinamizadoras, este projeto é também um gesto de amor pela língua portuguesa e pela Arte; é respeito pela História e pela Cultura. É, sobretudo, uma afirmação de que a biblioteca escolar continua a ser o lugar privilegiado de mediação cultural e educativa, onde o passado é reatualizado com olhos postos no futuro.

A exposição “Pela língua que nos une” é, pois, uma homenagem a Camões por meio de  um testemunho de cooperação, de diálogo e de pertença. É a prova de que, mesmo separadas por oceanos, as escolas podem estar próximas quando partilham projetos com sentido, afetos e vontade de construir em comum.

Esta travessia, feita de palavras, traços e encontros, demonstra o papel central da biblioteca escolar como lugar de mediação cultural, potenciador  de projetos transformadores. Envolver alunos, professores e professores bibliotecários em iniciativas que cruzam latitudes e culturas é, hoje, mais do que nunca, um imperativo educativo.

Projetos desta natureza mostram que, mesmo perante desafios geográficos, logísticos e pedagógicos, é possível construir pontes de entendimento, valorizando a língua portuguesa como território comum e vivo. É neste tipo de ações que a escola afirma plenamente a sua missão: formar leitores críticos, cidadãos sensíveis e comunidades ligadas pela cultura, pelo diálogo e pelo respeito mútuo.

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0