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Blogue RBE

Qui | 02.03.23

Orientações para professores e educadores sobre o combate à desinformação

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O documento Orientações para professores e educadores sobre o combate à desinformação e a promoção da literacia digital através da educação e da formação [1] foi publicado em outubro de 2022, enquadrado no  Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027), da Comissão Europeia,  e resulta do trabalho desenvolvido  com o apoio de um conjunto de  peritos no combate à desinformação e na promoção da literacia digital através da educação e da formação.

Dada a relevância da temática em foco no contexto atual, o documento está disponível  nas 24 línguas oficiais da União Europeia e  estabelece  conceitos técnicos, orientações práticas para apoio em contexto educativo,  sugestões concretas de ensino e aprendizagem, planos de atividades, entre  outras informações úteis. Como o título indica, dirige-se, sobretudo, a professores/ educadores dos ensinos básico e secundário e nasce da convicção de que urge reforçar o papel da educação e da formação no combate à desinformação, o que implica apostar na promoção da literacia digital e da literacia mediática, fundamentais para formar cidadãos digitais europeus informados, capacitados e empenhados.

Partindo do contexto atual, em que as tecnologias digitais têm um impacto profundo em todas as áreas da sociedade, é destacada a necessidade de a escola ajudar os jovens a adquirir as competências de que necessitam para se tornarem aprendentes ao longo da vida num mundo cada vez mais digital.  Tal implica promover situações de aprendizagem que contribuam para o desenvolvimento de competências digitais que os ajudarão a tornar-se cidadãos ativos e capacitados no século XXI. Estas competências ensinam-se e aprendem-se e cabe aos educadores um importante papel na promoção da literacia digital e no combate à desinformação, num contexto em que o centro da aprendizagem e do ensino se processa no meio digital, em ambientes em linha complexos, heterogéneos e poucos controlados. 

De facto, as informações que chegam hoje aos alunos apresentam uma grande variedade de autores e fontes, cada um com pontos de vista e agendas particulares. Por isso, mais do que nunca é preciso ajudá-los a distinguir factos de opiniões e levá-los a perceber que informação não é conhecimento, podendo ser, até, o contrário. Estes precisam de professores/ educadores que os ajudem a navegar, tendo em conta a abundância e pluralidade de informações com que se deparam, e que os ajudem a fazer a distinção entre alegações de verdade e provas, entre factoides (informação sem fundamento real, que se divulga ou aceita como facto verdadeiro, dada a forma como é apresentada e repetida) e informação credível e fidedigna. O documento assenta na convicção de que a democracia pode ser posta em causa quando as fontes de informação são prejudicadas por má informação, informação errada e desinformação, uma tríade perigosa com impactos profundos na sociedade coeva.

Deste modo, é imperativo desenvolver nos alunos competências relacionadas com a literacia digital, entendida, no presente documento, como capacidades que lhes permitem aceder, gerir, compreender, integrar, comunicar, avaliar, criar e divulgar a informação de forma segura e responsável, utilizando tecnologias digitais.

Pode dizer-se que a forma como este documento define literacia digital se encontra completamente alinhada com o previsto em Aprender com a biblioteca escolar: Referencial de aprendizagens associadas ao trabalho das bibliotecas escolares na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, no que respeita às literacias de informação e media, sem esquecer que o mesmo documento apresenta como domínio transversal a todas as literacias a literacia digital.

A literacia digital ajuda os alunos a participarem ativamente na sociedade, a interagirem socialmente, a aprenderem e a construírem carreiras gratificantes, sendo, por isso, uma condição prévia para o desenvolvimento de uma cidadania digital responsável, entendida no documento como “capacidade de participação ativa, contínua e responsável em ambientes digitais (locais, nacionais, globais, em linha) a todos os níveis (político, económico, social, cultural e intercultural).”. Por isso, há que ajudar os alunos a evitar comportamentos nocivos em linha e a adquirir o autoconhecimento e as competências para o fazer de forma independente.

Para ajudar os professores/ educadores, são apresentadas abordagens educativas que se podem revelar particularmente eficazes  no domínio da literacia digital, nomeadamente trabalhar o currículo em espiral, a sala de aula invertida, o ensino misto, aprender fazendo e a aprendizagem com base em jogos e na ludificação.

A pedagogia digital implica, deste modo, a utilização de ferramentas digitais inovadoras e de novas abordagens conceptuais, que passam por reduzir o tempo de aula expositiva e utilizar métodos mais interativos, como o método socrático de aprendizagem, a aprendizagem indutiva e baseada em problemas e várias metodologias de aprendizagem colaborativa e cooperativa.

No documento, é sublinhada a ideia de que as bibliotecas locais podem ajudar a realizar atividades na comunidade com vista a desenvolver a literacia digital, num alinhamento claro com o desígnio assumido há muito pela Rede de Bibliotecas Escolares e espelhado no referencial Aprender com a biblioteca  escolar, cuja primeira edição data de 2012.

Ao longo do documento, são apresentados doze planos de atividades (cuja consulta sugerimos) a desenvolver nas aulas com vista a desenvolver a literacia digital, para que os jovens:

- saibam lidar com a desinformação;

- percebam o que é a multiperspetiva com base em fontes múltiplas;

- monitorizem a sua pegada digital e se protejam;

- saibam distinguir factos de opiniões e proceder à verificação de factos;

- saibam avaliar a informação a que acedem e percebam os motivos da criação da desinformação, discutindo a economia da desinformação e as teorias da conspiração;

- reflitam e debatam a liberdade dos meios de comunicação.

A centralidade da literacia digital na sociedade contemporânea faz com que esta competência seja um repto global, que ultrapassa a escola, pelo que o documento sugere que as instituições de ensino recorram a iniciativas e programas virtuais e/ ou físicos da sociedade civil, que irão beneficiar o ensino e enriquecer a aprendizagem dos alunos.

Afigura-se vantajoso ligar as atividades escolares às principais redes e eventos internacionais e nacionais, como o Dia da Internet Mais Segura (em fevereiro), o Dia Internacional da Verificação de Factos (abril) ou campanhas de sensibilização (Semana Europeia da Literacia Mediática, Semana Global da Literacia Mediática e da Informação da UNESCO), a que se pode somar a operação 7 dias com os media, proposto pelo GILM, Grupo Informal sobre Literacia Mediática de que a RBE faz parte.

Organizações internacionais, como a Comissão Europeia, a UNESCO, a OCDE, o Conselho da Europa, a União Internacional das Telecomunicações (UIT), a UNICEF e os sindicatos de jornalistas desenvolveram recursos, redes e orientações que podem enriquecer o trabalho dos professores.

O documento termina a remeter para o Final report of the Commission expert group on tackling disinformation and promoting digital literacy through education and training [2], que apresenta, nos anexos finais, listas com a identificação das estruturas e iniciativas existentes nesta área, com links de acesso a recursos disponíveis, a diretrizes, a exemplos de currículos, às principais pesquisas e recursos (relatórios, artigos científicos, entre outros).

Em suma, o documento Orientações para professores e educadores sobre o combate à desinformação e a promoção da literacia digital através da educação e da formação chama a atenção para a necessidade de um trabalho metódico e contínuo nas escolas com vista a desenvolver a literacia digital dos jovens e reconhece o papel das bibliotecas nesse desígnio.

Esta é uma ideia que a Rede de Bibliotecas Escolares defende há muito, promovendo sistematicamente a criação de programas de literacias nas escolas:

- Publicou em 2012 (com atualização de 2017) o referencial Aprender com a biblioteca escolar que apresenta os conhecimentos e competências, atitudes e valores a desenvolver pelos alunos nos diferentes níveis/ ciclos e aponta estratégias de operacionalização;

- Disponibilizou o recurso Aprender com a Biblioteca Escolar: atividades e recursos, com propostas de atividades e instrumentos de avaliação que apoiam o desenvolvimento desses programas;

- Disponibilizou em 2022 o Guia Orientador. Aprender com a biblioteca escolar: programa para o desenvolvimento de literacias que ajudará as escolas que ainda não encetaram esses processos a definirem a sua atuação.

- Tem valorizado continuamente os programas de literacia desenhados e implementados nas escolas, que se espera venham a crescer. Recorde-se também, a título de exemplo, a adesão ao Desafio de Educação para os media, de que resultou uma recolha significativa de atividades.

O caminho faz-se caminhando. Em cada dia. E é sempre gratificante quando documentos externos vêm validar (e apoiar e complementar) o trabalho que já se encontra em curso, embora ainda com um longo caminho por percorrer. Vamos lá, bibliotecas?

 

Referências

1. Comissão Europeia, Direção-Geral da Educação, da Juventude, do Desporto e da Cultura. (2022). Orientações para professores e educadores sobre o combate à desinformação e a promoção da literacia digital através da educação e da formação. Serviço das Publicações da União Europeia. https://data.europa.eu/doi/10.2766/218432

2. Comissão Europeia, Direção-Geral da Educação, da Juventude, do Desporto e da Cultura. (2022). Final report of the Commission expert group on tackling disinformation and promoting digital literacy through education and training. Serviço das Publicações da União Europeia. https://data.europa.eu/doi/10.2766/283100

3. Fonte da imagem: https://op.europa.eu/pt/publication-detail/-/publication/a224c235-4843-11ed-92ed-01aa75ed71a1

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