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Blogue RBE

Seg | 28.04.25

O Direito Universal à Leitura

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Falar do direito à leitura é falar do direito à justiça e ao desenvolvimento e do dever de cada biblioteca providenciar a todas as pessoas, no mesmo momento, com o mesmo custo e qualidade, todas as obras. Temos um quadro normativo compatível com este desígnio, principalmente a partir do Tratado de Maraquexe, principal marco desde a invenção do Braille, há 2 séculos atrás. Mas, como é a realidade? Qual é a pegada literária positiva da sua biblioteca escolar, como é que ela tira partido das atuais oportunidades e contribui para minimizar a fome dos livros? 

A.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito universal à leitura emerge como condição para o exercício de:

  • Liberdade de opinião e de expressão (Artigo 19);
  • Direito à educação (Artigo 26);
  • Direito à vida cultural (Artigo 27).

Estes são direitos universais indissociáveis da leitura, entendida não como mera decifração de palavras, mas como acesso ao pensamento, à cultura, à imaginação, à cidadania e à liberdade. 

Consequentemente, promover políticas públicas de incentivo à leitura, bibliotecas acessíveis e a inclusão digital são formas de defesa dos direitos humanos fundamentais

Quando esse direito é negado - por barreiras físicas, sensoriais, cognitivas ou sociais - estamos a excluir essa pessoa da construção do mundo e do próprio futuro. 

Garantir o acesso à leitura a todas as pessoas, independentemente das suas capacidades ou contextos, também é uma questão de justiça e dignidade humana.

Na era em que informação é poder, a leitura deve ser acessível, em múltiplos formatos e linguagens, porque cada pessoa lê de forma diferente. 

Uma sociedade democrática reconhece que a diversidade dos leitores exige diversidade de meios — livros em braille, áudio, letra aumentada, digital, leitura fácil — e políticas públicas que promovam bibliotecas inclusivas, formação de profissionais sensíveis à diferença e produção cultural acessível.

B.

O desígnio do direito universal à leitura também está consagrado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no contexto do exercício dos seguintes direitos: 

  • Acessibilidade (Artigo 9);
  • Educação (Artigo 24);
  • Participação na vida cultural, recreação, lazer e desporto (Artigo 30);
  • Liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação (Artigo 21).

A Convenção consagra que “pessoas com deficiência de leitura têm direito a igual acesso a livros, conhecimento e informação, no mesmo momento, custo e qualidade que todas as outras pessoas” (IFLA, 2025) e exige ao Estado a remoção de barreiras físicas, tecnológicas e comunicacionais que impeçam as pessoas com deficiência de aceder à palavra escrita (literária, informativa ou educativa): 

“Os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em condições de igualdade com as demais pessoas, ao ambiente físico, aos transportes, à informação e à comunicação, incluindo sistemas e tecnologias da informação e comunicação”.

C.

O Manifesto da Biblioteca Pública (IFLA-UNESCO 2022) consagra às bibliotecas públicas esta responsabilidade:

“Os serviços da biblioteca pública são prestados com base na igualdade de acesso para todos (…). Devem ser oferecidos serviços e materiais específicos para aqueles utilizadores que, por qualquer motivo, não possam utilizar os serviços e materiais regulares – por exemplo, minorias linguísticas, pessoas com deficiência, com fracas competências digitais ou de leitura, ou pessoas hospitalizadas ou detidas”.

O Relatório Mundial sobre a Deficiência 2011, da Organização Mundial da Saúde e Banco Mundial considera que "Pouca informação está disponível em formatos acessíveis, e muitas necessidades comunicacionais das pessoas com deficiência não são atendidas" e recomenda que governos e instituições adotem medidas para assegurar que a informação e a comunicação sejam acessíveis a todos, promovendo a equidade e a participação plena e igualitária na educação, no emprego e comunidades.

Reconhecendo que “menos de 7% dos livros publicados são disponibilizados globalmente em formatos acessíveis, como Braille, áudio e letras grandes, e formatos digitais DAISY [Digital Accessible Information System ou sistema de livros digitais sonoros]” (IFLA, 2018), os Estados-Membros da Organização Mundial da Propriedade Intelectual/World Intellectual Property Organization (OMPI/WIPO), agência especializada das Nações Unidas, adotaram, em 2013, o Tratado de Marraquexe, que visa “Ajudar a acabar com a fome mundial de livros” enfrentada por pessoas com deficiências de leitura impressa - "tem um único objetivo: aumentar o acesso a livros, revistas e outros materiais impressos para pessoas com deficiência de leitura."

O Tratado entra em vigor em 2016 e é ratificado pela UE em 2018, o que o tornou vinculativo em todos os seus Estados-Membros, incluindo Portugal que, obrigatoriamente, introduz alterações na legislação dos direitos de autor. 

Passa a: 

  • Permitir a reprodução e distribuição de obras, cópias, em formatos acessíveis, sem a necessidade de autorização dos detentores de direitos autorais [e que podem ser catalogadas e conservadas no fundo documental da biblioteca];

  • Facilitar a troca transfronteiriça dessas obras entre países signatários.

Por Obras entende-se audiolivros, textos, notações e ilustrações.

O Tratado reconhece a diversidade de necessidades dos leitores com deficiência e garante que todos tenham acesso equitativo à informação e ao conhecimento, o que reforça o compromisso com o direito universal à leitura

Porque as bibliotecas têm um papel fundamental na facilitação do acesso a obras impressas para pessoas cegas e com outras deficiências de acesso a texto impresso, sugere-se a consulta do Guia Prático para Bibliotecários da IFLA para pôr em prática o Tratado. 

No Guia, Penny, Diretora Executiva da União Mundial de Cegos, afirma que “o Tratado de Marraquexe é o desenvolvimento mais significativo na vida das pessoas cegas e com deficiência visual desde a invenção do Braille, há quase 200 anos" porque permite alargar o número de livros a que cada leitor com deficiência tem acesso e encontrá-los em todo o mundo. 

O Guia também faz o mapeamento dos serviços de livros acessíveis, a nível mundial, dos quais cada biblioteca, qualquer que seja a sua tipologia, pode beneficiar e contribuir, como The Accessible Books Consortium Global Book Service para intercâmbio de materiais em formato acessível; Accessible Content ePortal para fins académicos; Bookshare; serviços para grupos linguísticos específicos, como o TifloLibros para textos em espanhol; Hathi Trust e Internet Archive

É importante que o maior número de bibliotecas tire partido do Tratado e acabe com a fome de livros. 

 

Referências

IFLA. (2018). Getting Started: Implementing the Marrakesh Treaty for persons with print disabilities - A practical guide for librarians. https://repository.ifla.org/items/e4d1f9bc-77ac-41e8-8376-f117475d2c42

IFLA-UNESCO. (2022). Manifesto da Biblioteca Pública. https://repository.ifla.org/items/0cd26664-4908-464c-8ade-f355c555730e

WHO. (2011). World Report on Disability 2011. https://www.who.int/teams/noncommunicable-diseases/sensory-functions-disability-and-rehabilitation/world-report-on-disability

WIPO. (2013, June 27). Marrakesh Treaty to Facilitate Access to Published Works for Persons Who Are Blind, Visually Impaired or Otherwise Print Disabled. https://www.wipo.int/wipolex/en/treaties/textdetails/13169


📷 Freepik [imagem gerada com IA]. https://br.freepik.com/imagem-ia-gratis/retrato-de-uma-crianca-autista-num-mundo-de-fantasia_152702844.htm#fromView=search&page=1&position=2&uuid=a5e4e2eb-170d-4046-8aa5-3582ece2fac8&query=imagening+new+planets+and+constellations

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