Monitorização Global da Educação 2020
Fonte da imagem: https://en.unesco.org/gem-report/report/2020/inclusion
Global Education Monitoring [GEM] Report 2020 1 (resumo 2 em português) é o quarto relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que monitoriza, em 209 países, a evolução das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em educação (ODS 4).
Destaca que 258 milhões de crianças e jovens foram excluídos da educação e a pobreza é a principal razão, apesar de existirem outros fatores de exclusão:
- Casamento (117 países) e trabalho infantil (20 países não ratificaram a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho que o proíbe);
- Falta de consideração de necessidades especificas (somente 41 países reconhecem oficialmente a linguagem de sinais para surdos e ainda menos aplicam design universal) e falta de consenso sobre compreensão da inclusão;
- Segregação de povos e grupos de pessoas.
Alerta para que no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) 2018, um em cada cinco alunos de 15 anos afirmou sentir-se estranho à escola; crianças com deficiência têm duas vezes e meia mais probabilidade de nunca ir à escola; alunos de 10 anos em países de renda anual média-alta ensinados num idioma diferente da língua materna pontuam um terço abaixo dos nativos; 40% dos países mais pobres não conseguiram apoiar alunos em risco durante a crise sanitária Covid-19. Incentiva os países a concentrarem-se nos mais desfavorecidos à medida que as escolas reabrem.
Porque a recolha de dados de qualidade - inclusive dos que não frequentam a escola – e participação é fundamental, GEM 2020 lança uma campanha digital All means All/ Todos significa Todos 3 de que faz parte uma sondagem/ votação global com base em 10 recomendações para o futuro da educação inclusiva.
Dos aspetos sublinhados no relatório destaca-se no contexto da biblioteca:
1. Tratar cada aluno com dignidade
Nenhuma característica individual determina competências, comportamentos ou identidades e, por isso, há que romper a prática, pseudo-facilitadora de planificação e avaliação, de atribuição de rótulos que diminuem o valor de cada um e podem ser profecias auto-realizadas. O relatório apresenta evidências de que populações maioritárias tendem a estereotipar alunos minoritários e marginalizados: na Suíça meninas interiorizam que profissões em ciências, tecnologia, engenharia e matemática são mais próprias para rapazes; no Brasil, e outros países, alunos negros reprovam e são induzidos a escolher mais cursos técnicos e profissionais do que colegas brancos; na China professores têm piores perceções de alunos migrantes rurais do que dos colegas urbanos; alunos refugiados turcos sentem-se estigmatizados e isso torna-os mais vulneráveis à depressão.
Contra o preconceito e status quo que impede que cada um atinja o máximo das suas capacidades GEM 2020 afirma a tese “a diversidade é uma força que deve ser celebrada”. Pobres; raparigas; pessoas com necessidades especiais e deficiência; refugiados; LGBT+; minorias étnicas, linguísticas, religiosas, indígenas; deprimidos; obesos; habitantes de zonas rurais; vítimas de bullying/ maus tratos; delinquentes; órfãos; velhos/ novos… todos nos identificamos com várias condições e circunstâncias pois “A única coisa que temos em comum são as nossas diferenças”.
2. Apoiar família e comunidade
Pais com crianças e jovens com deficiência ou vítimas de segregação têm maior probabilidade de ser pobres, ter nível de educação reduzido, enfrentar obstáculos para ir à escola e trabalhar com professores, pelo que precisam de apoio na identificação e gestão das suas necessidades, bem como de informação, confiança e solidariedade. Frequentemente são eles próprios quem cultiva crenças discriminatórias: 15% dos pais na Alemanha e 59% na China (Hong Kong) temem que seus filhos com deficiência sejam um obstáculo à aprendizagem dos outros.
O fecho das escolas provocado pela pandemia reforça a ligação à família e, por isso, programas e ações de formação em literacia familiar feitos com a RBE, devem ser reforçados e multiplicados.
3. Criar atividades com base numa abordagem e avaliação relevante e flexível do currículo
- Desenvolver um currículo comum que responda a necessidades fundamentais de todos, inclusive em risco de exclusão, trabalhado de forma articulada/ interdisciplinar, ligado às experiências de vida de cada um (pp. 132 segs.);
- Valorizar a avaliação formativa, centrada nos alunos e que apoia as suas aprendizagens, em detrimento da avaliação sumativa baseada num modelo;
- Selecionar dados que comprovem a implementação de medidas e diferenças para que a consciencialização gere melhoria e suporte a difusão – há uma carência persistente de dados de população marginalizada que agrava a sua invisibilidade e falta de meios (pp. 149 segs.), são formas de proporcionar educação de qualidade a todos, sem exceção.
Em Portugal os documentos orientadores 2017/ 2019 - Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, Regime Jurídico de Educação Inclusiva, Aprendizagens Essenciais Ensino Básico/ Secundário – incentivam este processo, mas a pandemia fez estagnar ou, mesmo retroceder, a participação das crianças e jovens na vida da escola e são sobretudo os mais desfavorecidos os mais afetados.
O World Inequality Database on Education (WIDE) e as ferramentas do GEM 2020 Scoping Progress in Education (SCOPE) e Profiles Enhancing Education Reviews (PEER) podem ajudar a monitorizar políticas sobre educação inclusiva.
4. Partilhar conhecimento, livros e recursos onde todos se sintam representados
Sem diminuir a importância da literacia dos media e informação e acesso aberto para a educação inclusiva, GEM 2020 levanta a questão de que “os livros didáticos podem perpetuar estereótipos” ao representarem grupos minoritários como “outros” e associarem-nos a características que limitam o potencial de cada um. Exemplo: frequentemente nos seus textos e imagens as mulheres são sub-representadas e estereotipadas, surgindo em papeis de menor visibilidade, prestígio e liderança, o que pode levar leitores a sentirem-se mal representados e compreendidos, frustrados e alienados (pp. 144 segs). Há mesmo temas cuja abordagem deveria ser explicitamente discutida e desconstruída à luz dos direitos humanos universais e interdependentes, de modo a tomar-se consciência dos fatores que envolvem a história de segregação e conflito entre países e populações e de como subsistem no quotidiano, manipulando perceções da realidade – exemplos: escravatura, holocausto, colonialismo, migração, nacionalidade, identidade de género.
Para esta abordagem crítica e inclusiva da leitura e ensino da História o Encontro de Ministros da Educação sobre A educação para a cidadania na era digital 4 (26 de novembro de 2019) incentivou o desenvolvimento de competências para a cultura democrática para que jovens possam crescer com sentimento de adesão aos valores democráticos e ligação dentro e entre países. Neste encontro foi proposta a criação de um Observatório do Ensino de História na Europa 5 que viria a ser criado, por Portugal e 16 Estados-Membros do Conselho da Europa, a 12 de novembro de 2020 e cujas publicações e projetos 6 promovem, não uma normalização da forma como a História é ensinada, mas uma visão multiperspetiva, mais completa e rica do passado - a História é de todos, mas os pontos de vista variam segundo o contexto e lugar de fala – que prepara para uma vida boa com todos numa sociedade diversa.
Para o professor bibliotecário quais são os principais recursos e fontes que reproduzem estereótipos? Para este diagnóstico ouviu a voz da diversidade de utilizadores da comunidade?
Como é que a agenda da biblioteca integra esta discussão, consciencialização e alargar de perspetivas, inclusive com outros atores fora da escola (a inclusão em educação é parte da inclusão social)?
Na vida diária da biblioteca como é que exprime, a cada criança ou jovem, a crença de que tem valor/ potencial e o sentimento de que pertence à comunidade? A construção de um sentido de comunidade é critério para seleção de ferramentas e atividades na internet?
Se “todos os professores devem estar preparados para ensinar todos os alunos” (8.ª recomendação da UNESCO), a educação inclusiva faz parte do seu desenvolvimento profissional? Na ação da biblioteca aplicou-a em que área e quais foram os seus resultados?
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 7 (2006; Artigo 24) e ODS das Nações Unidas reconhecem que a educação inclusiva é um direito (e dever moral), para além de melhorar a aprendizagem de todos. Cabe à biblioteca a criação de contextos que tenham em conta a diversidade de necessidades, percebendo a diferença como oportunidade para aprendermos e prosperarmos uns com os outros e juntos.
Referências
1. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). (2020a). Global Education Monitoring Report 2020: Inclusion and education - All means all. Paris: Autor. Disponível em: https://en.unesco.org/gem-report/report/2020/inclusion
2. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). (2020b). Relatório de monitoramento global da educação – resumo, 2020: Inclusão e educação: todos, sem exceção. Paris: Autor. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373721_por
3. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). (2020c). Sondagem: Inclusão e educação - Todos significa Todos. Paris: Autor. Disponível em: https://gem-report-2020.unesco.org/poll/
4. Conselho da Europa. (2019). Reunião de Ministros da Educação. Paris: Autor. Disponível em: https://www.coe.int/en/web/education/confmin2019
5. Conselho da Europa. (2020). Conselho da Europa lança Observatório de Ensino de História na Europa. Estrasburgo: Autor. Disponível em: https://www.coe.int/en/web/portal/-/council-of-europe-launches-observatory-on-history-teaching-in-europe
6. Conselho da Europa. (s. d.) Ensino de História: História e ensino de história têm sido o foco do trabalho do Conselho da Europa em educação desde o seu início. Estrasburgo: Autor. Disponível em: https://www.coe.int/en/web/history-teaching
7. Organização das Nações Unidas (ONU). (2006). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Nova Iorque: Autor. Disponível em: https://www.un.org/development/desa/disabilities/convention-on-the-rights-of-persons-with-disabilities.html