Minha Senhora de Mim ou o desígnio de ser mulher
No passado dia 4 de fevereiro, a mulher, poeta e guardiã da liberdade no feminino, partiu, deixando o mundo mais empobrecido.
Nascida em Lisboa (1937), Maria Teresa Horta frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Cedo se destaca pela sua militância cívica, em defesa da emancipação feminina e da liberdade, algo que lhe valeu, aos olhos do antigo regime, perseguição, agressão física, censura, processos judiciais e ameaça de prisão (por concretizar devido ao 25 de abril).
A poeta estreou-se nas lides literárias em 1960 com uma obra intitulada “Espelho inicial”. Escolheu o jornalismo como via profissional e associou-se ao grupo de ilustres poetas “Poesia 61”, um retorno à tradição vanguardista que, em termos emblemáticos, “Orpheu” tinha representado. (2)
Para além da poesia, a autora escreveu romances e contos, mostrando a sua versatilidade e o domínio de diferentes géneros literários e, sobretudo, a sua singularidade criativa no panorama português.
Maria Teresa Horta foi pioneira no exercício de funções dirigentes no cineclubismo em Portugal e é considerada um dos expoentes do feminismo da lusofonia, apesar da própria afirmar: Eu sou precisamente o contrário do que as pessoas imaginam das mulheres feministas. (8)
Em 1971, em coautoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, inicia a escrita de “Novas cartas portuguesas”, obra a três mãos publicada em 1972, a partir das cartas de amor de Mariana Alcoforado (séc. XVII). Desde logo, a obra foi banida pela censura e as autoras acusadas e levadas a julgamento. A nível internacional, este caso inspirou protestos em todo o mundo. (5)
As “Novas cartas portuguesas” constituíram um marco na vida e obra das “três Marias”, que juraram nunca revelar qual o contributo individual.
Sem surpresa, Maria Teresa Horta figura na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo, elaborada pela estação pública britânica BBC, que inclui artistas, ativistas, advogadas ou cientistas – “BBC 100 Women”. É descrita como uma das feministas mais proeminentes de Portugal e autora de muitos livros premiados, com destaque para o livro “Novas Cartas Portuguesas”, no qual era denunciada a opressão sobre as mulheres, no contexto da ditadura, da violência, da guerra colonial, da emigração e da pobreza que dominava Portugal à época. (5)
Nomes como Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Doris Lessing, Iris Murdoch e Delphine Seyrig fizeram eco do acontecimento, criticando o obscurantismo do governo do Estado Novo.
Esta obra ficou durante décadas esquecida e, para surpresa da autora, a reedição em 2010 surge com uma projeção mediática que lhe causou perplexidade.
Acerca de Maria Teresa Horta, importará, mais do que os factos mundanos, mergulhar na obra multifacetada, para melhor compreender a pessoa por detrás da escrita e do ativismo.
Na biografia “A desobediente”, de Patrícia Reis (Contraponto Editores, 2024), ressalta a ideia fundamental da vida e da obra de Maria Teresa Horta, como alguém que tudo faz apaixonadamente. (10)
No dia do seu desaparecimento, o jornal Expresso destaca uma frase da autora, na republicação do podcast de 2019, “A beleza das pequenas coisas”: Sou uma pessoa extremamente triste, mas não sou frágil. Sempre lutei pela liberdade, desde os 15 anos. (4)
Algumas obras inspiraram outras formas de expressão, adquirindo uma dimensão artística e comunicativa trans linguística. Como exemplos, “Mulheres de Abril”, obra levada a cena; “Verão Coincidente”, adaptado ao cinema, numa curta-metragem de António de Macedo; “Les sourcières - Feiticeiras”, com música de António Chagas Rosa; “A Dama e o Unicórnio”, com música de António de Sousa Dias.
A escritora Maria Teresa Horta foi justamente premiada ao longo da sua carreira literária. Mais recentemente, foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura, em 2020, e a condecoração, em 2022, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. (3)
Nome maior da literatura portuguesa, a autora deu início a uma viragem na escrita no feminino. Considerar Maria Teresa Horta apenas uma poeta do erotismo é, no mínimo, redutor e superficial, pois toda a obra reflete um eterno inconformismo, uma natureza subversiva e uma genialidade notável.
Morrer de Amor
Morrer de amor
ao pé da tua bocaDesfalecer
à pele
do sorrisoSufocar
de prazer
com o teu corpoTrocar tudo por ti
se for precisoMaria Teresa Horta, in “Destino” (1)
O dia chegou em que o mar há de buscar, cúmplice, os olhos de água de Maria Teresa Horta e ambos cessarão a sua troca de segredos, transparentes e líquidos, corpos de matérias diversas, suspensos no tempo, aguardando o reencontro…
Referências
- Citador. Poemas. Maria Teresa Horta. https://www.citador.pt/poemas/morrer-de-amor-maria-teresa-horta
- E-cultura. Centro Nacional de Cultura. A vida dos livros. “Poesia 61”. https://www.cnc.pt/poesia-61/
- E-cultura. Centro Nacional de Cultura. Lusa. Agência de Notícias de Portugal. (2025) https://www.e-cultura.pt/artigo/34348
- Expresso. Podcast. A beleza das pequenas coisas. Maria Teresa Horta (1937-2025): “Sou uma pessoa extremamente triste, mas não sou frágil. Sempre lutei pela liberdade, desde os 15 anos”. https://expresso.pt/podcasts/a-beleza-das-pequenas-coisas/2025-02-04-maria-teresa-horta--1937-2025--sou-uma-pessoa-extremamente-triste-mas-nao-sou-fragil.-sempre-lutei-pela-liberdade-desde-os-15-anos-7042e030
- Forbes Staff. (2024). Líderes. Maria Teresa Horta na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras. https://www.forbespt.com/maria-teresa-horta-na-lista-das-100-mulheres-mais-influentes-e-inspiradoras/
- Lusofonia Poética. Maria Teresa Horta. https://www.lusofoniapoetica.com/portugal/maria-teresa-horta
- Maria Teresa Horta – Página Oficial. Facebook. https://www.facebook.com/profile.php?id=100050232770628&locale=pt_BR
- Raynaud, Maria João. (2001). Portal da Literatura. Vozes e olhares no feminino. Edições Afrontamento. Porto. https://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=756
- SPAUTORES. Sociedade Portuguesa de Autores. Morte de Maria Teresa Horta, poetisa e cidadã combativa. https://www.spautores.pt/morte-de-maria-teresa-horta-poetisa-e-cidada-combativa/
- Vasconcelos, Helena. (2024). A Desobediente, de Patrícia Reis: uma exemplar biografia de Maria Teresa Horta. https://www.publico.pt/2024/04/16/culturaipsilon/critica/desobediente-patricia-reis-exemplar-biografia-maria-teresa-horta-2085726
- 📷 Lameiro, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons