Metaverso: cautelas e caldos de galinha…
Como podemos compreender através dos vários artigos que temos vindo a publicar sobre este assunto, embora ainda não completamente presente na forma como as empresas de tecnologia o preveem, já encontramos manifestações do metaverso em muitas situações. As tecnologias que o suportam (realidade aumentada e realidade virtual) são cada vez mais usadas e o seu potencial é enorme, podendo configurar uma revolução na internet com resultados tão grandiosos como o seu próprio aparecimento (web 1.0) ou a possibilidade de interação que a caracteriza atualmente (web 2.0) – Aguarda-se a designada web3.
Vimos já várias potencialidades que se desenham no horizonte e que, certamente, serão complementadas com outras que ainda não conseguimos antever. No entanto, como tudo o que caracteriza a invenção humana, o metaverso traz riscos associados que importa conhecer e encontrar formas de acautelar, uma vez que se trata de um gigantesco mundo virtual fundado nos princípios da descentralização e da ausência de controlo. Tal como a internet criou desafios para a segurança, a privacidade e a proteção, o metaverso escalará esses desafios e trará outros.
Os riscos ameaçam utilizadores de todas as idades, mas quando estão em causa crianças e jovens, ainda com a sua construção cognitiva e emocional em processo, a apreensão quanto ao futuro é maior. Por isso é imprescindível que formuladores de políticas, educadores e pais se mantenham atualizados sobre os desenvolvimentos tecnológicos recentes em relação ao metaverso, não só para potenciar os seus benefícios, mas também para conhecer, prevenir e contrariar os perigos.
Assim, riscos e perigos potenciais do metaverso podem incluir ou ser devidos a:
🔴 Verificação de idade - A verificação da idade nas plataformas digitais continua a ser muito imprecisa e não confiável. É uma tarefa difícil para as empresas de tecnologia realizarem a nível universal sem violar dados pessoais. Portanto, embora o metaverso precise desesperadamente dessa verificação, em alguns fóruns, os esforços de verificação de idade foram interrompidos.
🔴 Falta de pesquisa - Como o metaverso é relativamente novo, ainda não existem estudos de longo prazo sobre o seu impacto na saúde e no desenvolvimento das crianças.
🔴 Lentidão da política - A tecnologia tende a evoluir mais depressa do que a legislação. Se os avanços tecnológicos no metaverso ultrapassarem o progresso das políticas, isso pode representar vários riscos para crianças (e adultos).
🔴 Perigos fisiológicos - Os equipamentos de RV podem causar náuseas ou fadiga ocular nas crianças. Esses dispositivos imersivos também podem fazer com que elas se alheiem do seu ambiente físico real, podendo originar lesões.
🔴 Riscos psicológicos - Alguns estudos emergentes indicam que pode existir uma relação direta entre as tecnologias de RV subjacentes ao metaverso e as implicações psicológicas, como vício, agressão e dissociação da realidade.
🔴 Riscos de memória - Alguns pesquisadores acreditam que o metaverso pode levar à criação de falsas memórias em crianças.
🔴 Violação de privacidade. - Grande parte do metaverso é personalizável – mas também é quase totalmente rastreável. Portanto, se uma criança cria um ambiente e um avatar, definindo a sua aparência e modo de agir, as empresas podem aceder a esses dados e usá-los para direcionar anúncios para crianças. Num mundo em que o real e o virtual se mesclam de forma quase impercetível, a própria publicidade será indetetável.
🔴 Desinformação e manipulação - Uma tecnologia altamente popular no metaverso é a chamada deepfake, um tipo de tecnologia que permite substituir a aparência de alguém por um rosto diferente nos media ou no vídeo. Esta tecnologia pode ser usada para manipular ou persuadir pessoas (incluindo crianças). Grupos extremistas também se têm mostrado altamente eficazes no recrutamento em plataformas de media sociais através de campanhas de memes direcionadas e influenciadores que gradualmente começam a introduzir conteúdo extremista. (A esse propósito sugerimos a leitura de História ameaçada: negação e distorção do Holocausto nas redes sociais). Infelizmente, o metaverso pode representar um risco elevado para difusão de discursos de ódio e o recrutamento de jovens por grupos extremistas.
🔴 Exposição a material impróprio para a idade, incluindo conteúdo sexual - No metaverso, as crianças podem deparar-se com clubes de striptease virtuais ou simulações de atos íntimos. Podem também encontrar outros jogadores que desejam prepará-los para abusos ou ameaças de agressão sexual.
🔴Cyberbullying e perseguição – Crianças e jovens podem sofrer cyberbullying de outros que conhecem na vida real. Trata-se de riscos que se apresentam já na web 2.0, mas que poderão assumir novos contornos quando a diferença entre o real e o virtual se tornar difícil de distinguir.
🔴 Perigos financeiros - Os hackers vagueiam pelo metaverso e procuram ativamente formas de sequestrar as informações pessoais dos utilizadores. As crianças podem estar menos cientes dos riscos de partilhar informações pessoais ou financeiras online. Havendo a ideia de integrar o uso da criptomoeda nas experiências do metaverso, há que ter consciência de que ela também tem os seus riscos, incluindo a alta volatilidade e a fraca regulamentação governamental.
Como prevenir?
Empresas, legisladores, educadores e pais têm de conhecer bem o metaverso e desenvolver ações que permitam evitar estes riscos:
As empresas precisam de projetar dispositivos de realidade virtual e sistemas de metaverso vocacionados para as crianças. Isso significa auscultadores adequados, mecanismos de segurança eficazes e práticas de recolha mínima de dados do utilizador.
Os legisladores precisam de investir em pesquisa sobre realidade virtual e metaverso, impedir que as plataformas manipulem as crianças online e aplicar requisitos básicos de privacidade. A legislação em vigor, por exemplo, deve alargar-se ao metaverso.
Os educadores e os pais devem tornar-se consumidores informados de metaverso. Eles não precisam de saber tudo sobre o metaverso, mas devem tentar entender a forma como crianças e jovens se podem envolver com ele. Tal como para a web 2.0, educadores e pais devem informar-se, formar-se e formar continuamente para o uso dos media (de que o metaverso faz parte).
O metaverso anda já por aí e a desenvolver-se rapidamente. Continuará, todos os dias, a trazer crianças e jovens para territórios digitais desconhecidos. Apoiado pelas tecnologias de realidade virtual e aumentada, aproximará os mundos online e offline, numa fusão que será muito produtiva em alguns aspetos, mas intimidadora, confusa e potencialmente prejudicial noutros. Mais do que nunca, saber usar os media é imprescindível!
Bibliografia
1. ConnectSafely (s.d.) Metaverse and Virtual Reality Safety Tips for Parents. https://www.connectsafely.org/metaverse-and-vr-tips-for-parents/
2. Equipe Security.org. (2022, 12 de maio). Parents’ Guide to the Metaverse. https://www.security.org/digital-safety/parents-metaverse-guide/
3. Reed, N. (2022, 23 de março). What Are Kids Doing in the Metaverse? https://www.commonsensemedia.org/kids-action/articles/what-are-kids-doing-in-the-metaverse