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Blogue RBE

Qui | 17.11.22

Ler a pensar, pensar a ler: mediação da leitura e do diálogo na Biblioteca Escolar

Por Joana Rita Sousa[1]

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A propósito do Dia Mundial da Filosofia (17 de Novembro de 2022) partilho um breve relato de um projeto de mediação da leitura e do diálogo, em parceria com uma Biblioteca Escolar, o Centro de Recursos Poeta José Fanha (AE da Venda do Pinheiro).joana-rita-sousa.png

 

O livro, as oficinas de diálogo e o jazz

O trabalho de mediação do diálogo que desenvolvo com crianças (e também com jovens e adultos) parte muitas vezes do encontro com um livro. Isso não significa que o livro seja sempre a provocação com a qual damos início ao diálogo; por vezes, os livros inspiram-me na fase de preparação das oficinas, no desenhar de perguntários (inventários de perguntas), no imaginar de cenários e temáticas que podem acontecer no diálogo.

Concordo com Marina Santi e defendo que as oficinas de filosofia têm muito de jazz: treinamos muito, preparamos as peças musicais (neste caso, as oficinas) e no momento temos de dar lugar ao improviso e aos contributos das outras pessoas que se juntam a nós para parar, pensar, escutar e dialogar.

Também a leitura de um livro pode ter esse efeito jazzístico, de ser novo de cada vez que o abrimos, lemos ou damos a ler. Podemos ler coisas novas, observar elementos com mais detalhe, rever a nossa interpretação, numa atitude de improviso ou de “logo se vê”. Este “logo se vê” não é uma atitude desinteressada e sem preparação; pelo contrário, é a dedicação à preparação que permite depois abrir para o improviso, escutando quem está ao nosso lado para dialogar.

Um projeto de continuidade na comunidade escolar: Ler a Pensar, Pensar a Ler

Durante o ano letivo 2021/2022 tive a oportunidade de desenvolver o projeto Ler a Pensar, Pensar a Ler, ao abrigo da candidatura (Re)ler com a biblioteca - na companhia da Professora Bibliotecária Jacqueline Duarte, do Centro de Recursos Poeta José Fanha (Biblioteca Escolar), na Escola Básica Venda do Pinheiro.

A Professora Jacqueline entrou em contacto comigo para desenharmos um projeto onde o livro fosse o trampolim do diálogo e onde o diálogo constituísse um momento para voltar ao livro. Depois de desenhar o projeto, fazer a candidatura e ver a candidatura aprovada, partimos para o processo de curadoria de livros e planeamento dos encontros entre as mediadoras e as cinco turmas do 2.º e 3.º ciclos.

Procurámos criar um tempo e um espaço que acolhesse um movimento perpétuo entre a leitura e o pensamento. Para tal, foram pensados momentos de mediação de leitura dinamizados pela Professora Jacqueline e momentos de mediação de diálogo dinamizados por mim.

O primeiro momento de trabalho acontecia entre as turmas e a Professora Jacqueline, pelo que cabia-me seguir o fio do trabalho; fio esse que depois a Professora Jacqueline agarrava e voltava a passar-me. Trabalhámos em parceria, recorrendo a pastas partilhadas da google drive para fazer os nossos registos e documentarmos o processo.

Entre planos de trabalho e muito jazz, lemos, pensámos, voltamos a ler e voltamos a pensar a partir de livros, no espaço da biblioteca escolar.

Os encontros aconteceram em formato presencial, com exceção para o último que teve um formato online. Cada turma era acompanhada pela Professora ou Professor e os encontros aconteceram durante os tempos letivos. Criámos momentos e estratégias para que as Professoras e Professores pudessem continuar o diálogo ou a leitura a partir daquilo que era desenvolvido nos encontros na Biblioteca.

Na rede social instagram é possível encontrar alguns apontamentos consultando o hashtag #lerapensarpensaraler

Perguntas, critérios, juízos e um manual do consenso

O trabalho desenvolvido entre as mediadoras e as turmas, a partir dos livros selecionados, permitiu criar momentos de investigação individual e colaborativa, identificar critérios, relacionar momentos da narrativa com a nossa vida, praticar competências como a síntese (fazendo pontos de situação) ou a analogia (avaliação figuro-analógica), aprender e aplicar ferramentas como o quadrante de perguntas, entre outros.

A turma que trabalhou a partir do livro Discórdia, de Nani Brunini (Pato Lógico) criou ainda um Manual do Consenso para nos ajudar a discordar de forma saudável e respeitosa – sem correr o risco de sermos engolidos pelo “monstro da Discórdia”.

Escutar o que dizem as crianças e os jovens

Em vários momentos convidámos as pessoas participantes a avaliar os encontros e o que neles acontecia:

(...) é uma forma de comunicar e perceber o ponto de vista de outra pessoa.

 acho que fazem muito bem, pois conseguimos expressar a nossa opinião sem sermos “atacados”

 Eu senti que poderia me expressar e dizer a minha opinião.

 Aprendi que o escutar é muito importante; se não escutarmos não conseguimos responder, que sem pensar na resposta não dizemos a coisa certa e que se não dialogarmos não conseguimos entender os outros.

 O que sinto é que são muito divertidos.

 Aprendi, nesta sessão, que existem diversas maneiras de fazer perguntas, como estruturar e construir perguntas, o que foi interessante.

 O que gostei mais foi quando tivemos que fazer as perguntas.

Também houve quem considerasse que os encontros eram “um bocado seca”. Quando desenvolvemos este tipo de trabalho é difícil agradar a cada uma das pessoas e até encontrar estratégias que permitam envolver cada uma das pessoas. É importante estar consciente desse desafio e, simultaneamente, esperançar que sejam momentos para semear algo que talvez dê frutos mais tarde.

O projeto aproximou a filosofia da biblioteca escolar e também aproximou as duas mediadoras envolvidas. Eu e a Professora Jacqueline mantemos o contacto e vou tendo notícias dos alunos com os quais tive a oportunidade de filosofar. Soube recentemente que duas turmas que participaram no Ler a Pensar, Pensar a Ler foram as escolhidas para participarem na iniciativa Transformar a Educação, proposta pela RBE, dinamizada num registo de Assembleia de alunos.

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Projetos como este permitem-me celebrar a Filosofia em vários momentos do ano, para lá do dia que lhe foi consagrado pela UNESCO. Por esse motivo, tenho de agradecer às Professoras e Professores, às Educadoras e Educadores que me convidam para a sua sala ou biblioteca escolar para praticar o #PararPensarEscutarDialogar.

 

[1] Joana Rita Sousa é filósofa, perguntóloga e mestre em filosofia para crianças. É mediadora da leitura e do diálogo. Dedica-se, desde 2008, ao desenvolvimento de oficinas de filosofia destinadas a crianças (a partir dos 3 anos), jovens e adultos.

Dinamiza clubes de leitura e oficinas de diálogo, tendo criado em 2021 criado o Clube de Leitura em Voz Alta #filocri.

 

 

 

 

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