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Blogue RBE

Ter | 28.11.23

Juntos formamos leitores

Por Graça Trindade, Diretora do CFAE Nova Ágora

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Marcel Proust [1] refere a relação da criança com o livro como se se tratasse de uma relação de interdependência:

(…) não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigavam a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de intensidade no céu azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual só pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capítulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nós uma recordação de tal modo doce (de tal modo mais preciosa no nosso entendimento atual do que o que líamos então com amor) que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora, é apenas como sendo os únicos calendários que guardámos dos dias passados, e com esperança de ver refletidas nas suas páginas as casas e os lagos que já não existem.[2]

O desejo de ler faz parte do quotidiano, porque necessário a cada um de nós, e requer um conhecimento do mundo, repleto de informação e de novas tecnologias, pelo que se torna cada vez mais importante diversificar as aprendizagens na leitura. O ensino da leitura, indispensável à sociedade e ao indivíduo, constitui um fator chave da educação e da aprendizagem. Como afirma Mialaret, ela “é inseparável da formação do pensamento e do desenvolvimento do espírito crítico; saber ler constitui, pois, o resultado de toda uma educação, educação essa que nunca se pode dar por concluída”.[3]

Graça_Trindade.jpgSendo a minha formação académica na área das humanidades, e como professora de português, motivar os alunos para aleitura de livros por prazer sempre foi uma das minhas preocupações, entendendo a aquisição da competência leitora do aluno como contribuição subsidiária ao desenvolvimento de competências transversais. 

Atualmente, em muitos casos, o livro entra na vida da criança antes da idade escolar, fazendo parte dos seus brinquedos e atividades quotidianas, mas compete à escola ensinar o aluno a LER. Nesta tarefa, que raramente é linear, nas últimas duas décadas, a realidade escolar passou a contar com a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE): bibliotecas escolares mais dinâmicas, com um papel muito relevante no desenvolvimento do currículo, fazendo uso de variadas estratégias e de um manancial de recursos transversais a objetivos educativos e funcionais. As bibliotecas escolares são realmente espaços de desenvolvimento de diversas literacias, promovendo a aprendizagem da leitura, no seu sentido mais abrangente e também mais preciso, contribuindo para a formação integral do indivíduo, educando-o para os sentidos e valores, enriquecendo a sua experiência pessoal, em resposta aos referenciais curriculares, como sejam o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania.

Hoje, poder-se-á afirmar que a escola não existe sem a biblioteca escolar. Por isso, espera-se sempre que se conclua a cobertura total das escolas da rede pública e eventualmente reforçar programas às escolas na dependência de outros ministérios.[4]

A biblioteca escolar, sendo “parceira” na formação e na educação dos jovens, intervindo na melhoria das aprendizagens e das múltiplas literacias, na cidadania e no envolvimento da comunidade educativa, conta para o sucesso da sua ação, agregando Valor às estratégias de aprendizagem, com a figura do professor bibliotecário. Este(s) profissional (ais) tem demonstrado competência, conforme o quadro estratégico, ajudando na criação de uma estrutura que pretende ser “inovadora, funcionando dentro e para fora da escola, capaz de acompanhar e impulsionar as mudanças nas práticas educativas, necessárias para proporcionar o acesso à informação e ao conhecimento e o seu uso, exigidos pelas sociedades atuais.”[5] Deste modo, o professor bibliotecário assume um papel relevante, e procura a cada momento reforçar a sua formação.

Pensando na ação presente, com vista para o futuro, há que destacar o papel ativo que os diversos membros da RBE têm vindo a exercer na formação dos agentes educativos, antes, durante e após a situação pandémica, dando sustentabilidade a práticas a distância e serviços de bibliotecas híbridos, que temos o gosto de ter ido acompanhado. Em colaboração com os centros de formação de associação de escolas, alguns professores bibliotecários e também membros da RBE dinamizam ações de formação,  em diferentes modalidades e suportes, adaptando-se aos novos contextos e apresentando recursos/ferramentas inovadoras, de forma a ir ao encontro de necessidades manifestadas pelos docentes de todos os níveis de ensino. Seriam inúmeros os exemplos a apontar, mas o destaque significativo foca-se em torno da promoção da leitura numa perspetiva inter e transdisciplinar, também com ferramentas digitais, mas também no âmbito da literacia dos media e da informação, promovendo respetivamente competências ao nível da leitura e particularmente leitura reflexiva, providenciando cenários de aprendizagem em diferentes ambientes, nos vários ciclos de ensino. Na verdade, como Centro de Formação, contribuímos para este bem-estar e esta aproximação entre o saber e o saber-fazer dos docentes numa escola que reforça o reconhecimento do poder da leitura para o sucesso, a que as bibliotecas escolares não são alheias.

Reconhecemos e salientamos, com efeito, o papel da RBE, cujo esforço nunca será demais, pois a missão é sublime: transmitir como legado que “a leitura [é o] passaporte para a liberdade.”[6]

Juntos formamos melhor!

Graça Trindade
Diretora do CFAE Nova Ágora

Referências

  1. Romancista, ensaísta e crítico literário francês (1871-1922)
  2. PROUST, M. (1997). O Prazer da Leitura. Lisboa: Teorema.
  3. MIALARET, G. (1997). A Aprendizagem da Leitura. Lisboa: Estampa, p.18.
  4. Rede de Bibliotecas Escolares. (2021). Bibliotecas Escolares; presentes para o futuro. Programa Rede de Bibliotecas Escolares: Quadro estratégico: 2021-2027. https://rbe.mec.pt/np4/file/890/qe__21.27.pdf
  5. Idem
  6. Ibidem
  7. 📷 Imagem criada com recurso a https://www.canva.com/ 

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