Infraestruturas de Ciência Aberta na Europa
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O relatório da SPARC Europe (Aliança de Publicações e Recursos Académicos na Europa), Scoping the Open Science Infrastructure Landscape in Europe (OSI)/ Delineando o Panorama da Infraestrutura de Ciência Aberta na Europa (outubro de 2020) resulta de um estudo feito com base num inquérito sobre projetos ou infraestruturas prestadoras de serviços de ciência aberta com sede nos 28 países europeus.
Das 353 respostas recebidas de bibliotecas, empresas ou organizações, apenas 120 foram consideradas relevantes e, destas, só uma é de Portugal: a Biblioteca Digital da Universidade de Coimbra, no âmbito do projeto global UC Digitalis que agrega e difunde conteúdos digitais para desenvolvimento da comunidade nacional e internacional.
Numa visão geral, as OSI que integram este estudo operam a nível mundial, embora tenham sede na Europa, são geridas por organizações sem fins lucrativos, servem objetivos de pesquisa (os conteúdos mais consultados são revistas, dados e primeiros resultados de investigação), descoberta ou inovação e arquivo ou preservação digital e o seu público-alvo são investigadores (114) e bibliotecas (74) de todas as disciplinas científicas e cultura. Integram total (mais de metade) ou parcialmente software de código aberto e cumprem padrões FAIR (localização/ findability, acessibilidade, interoperabilidade e reutilização).
Em síntese, “Vemos um ecossistema OSI diversificado, interconectado, aberto, profissional e viável a desenvolver-se na Europa em terreno sólido - um ecossistema em que vale a pena investir. É um sistema que é composto por valiosos prestadores de serviços, grandes e pequenos, ao serviço da comunidade global de investigação. No entanto, as OSI ainda têm um conjunto de questões a enfrentar” (p. 53).
A avaliação das OSI que integram este estudo baseia-se nos 7 princípios para serviços de comunicação académica da SPARC e COAR (Confederation of Open Access Repositories/ Confederação de Repositórios de Acesso Livre):
1. Boa governança - A comunidade de utilizadores está representada e contribui equitativamente para a direção do serviço e tomada de decisão;
2. Padrões abertos - Idealmente é baseada em software de código aberto que permite a interoperabilidade e o conteúdo é gerido por normas internacionais bem estabelecidas;
3. Recolha de dados justa - Recolhe dos utilizadores apenas os dados necessários e o tipo de dados e forma como são usados é clara e publica;
4. Transparência de custos e contratos - "As condições contratuais do serviço e os preços são transparentes e equitativos e não inclui acordos de não divulgação";
5. Migração fácil – “O conteúdo gerado pelo utilizador ou de que ele é proprietário pode migrar facilmente para outra plataforma ou serviço após rescisão do contrato, sem qualquer taxa adicional”;
6. Planificação da sucessão - Se o serviço for de uma organização sem fins lucrativos, os seus termos e condições devem incluir o modo de transferência ou encerramento; se for prestado por uma entidade com fins lucrativos, deve requer a autorização do cliente;
7. Conteúdo Aberto - "O conteúdo, metadados e dados de utilização são imediata, aberta e livremente disponíveis em formato mecanicamente legível através de padrões abertos e utilizando licenças (como CC0 [licença Creative Commons Zero - Sem Direito de Autor nem Direitos Conexos, isto é, obra em domínio público] ou similares) que facilitam a reutilização".
De acordo com estes princípios e, considerando que 35 OSI registam outras boas práticas, observa-se no relatório (p. 29) que nos aspetos do Conteúdo Aberto (38) e Padrões Abertos (38) e mesmo Boa Governança (16), a generalidade da amostra revela maturidade, enquanto permanecem um desafio à confiança nestas estruturas a Transparência (8), Fácil Migração (6), Plano de Sucessão (3) e Recolha de Dados (3).
Caminhamos para a criação de comunidades de investigação progressivamente mais abertas por natureza e a situação financeira é o aspeto que pode ameaçar a estabilidade e continuidade no futuro de algumas estruturas. Apesar de oferecerem uma variedade de serviços e de a maioria ter um conselho ou grupo de direção onde os interessados – investigadores e bibliotecas – estão equitativamente representados e serem guiadas por documentos de missão (94 de 118) ou planos estratégicos (68 de 118), evidenciando uma boa governação, muitas são geridas com baixo número de recursos humanos (incluindo voluntários) e financiamento reduzido, não tendo um orçamento anual e dependendo de subsídios ou aprovação de projetos por parte do governo nacional, Comissão Europeia ou outras entidades. Este nível de precariedade pode comprometer a capacidade de desenvolvimento tecnológico e deve ser uma preocupação para utilizadores que delas dependem. Promover comunidades de prática para aprender com as experiências de cada uma, aprofundar orientações estratégicas, continuar a diversificar fontes de receitas são formas de adaptação aos desafios.
Para enfrentar desafios o estabelecimento das 17 metas universais e interdependentes de desenvolvimento sustentável, designadamente da meta 4, “Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, ao longo da vida e para todos”, bem como a experiência global da pandemia Covid-19 e suas consequências, reforçaram o valor e importância do acesso aberto ou livre da ciência, educação e cultura e da cooperação entre todos os setores da sociedade e governação.
Neste contexto são exemplos recentes de outras ações:
- A International Federation of Library Associations and Institutions/ Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) e seus parceiros lideram uma carta aberta apelando à ação do Diretor-Geral da World Intellectual Property Organization/ Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) para que dirija uma reforma vital que adapte as leis de propriedade intelectual e direitos autorais ao mundo global digitalizado, no sentido de que sejam um apoio - e não uma força de bloqueio - ao desenvolvimento sustentável e ação à distância das bibliotecas e outras organizações de educação e investigação em todo o mundo;
- A Open COVID Pledge é um projeto criado por pessoas da comunidade científica e académica, atualmente administrado pela Creative Commons, que convida organizações em todo o mundo a assumirem um compromisso (pledge), disponibilizando gratuitamente patentes e direitos de propriedade intelectual em prol da luta contra a doença;
- A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reuniu com líderes da área da ciência em todo o mundo assumindo o compromisso de reforçar a cooperação e partilha universal de dados e resultados de pesquisa e experimentação para prevenir e mitigar crises globais e a pandemia procedendo a uma reforma, sem precedentes, nos métodos de trabalho que geraram um rápido progresso científico e tomada de decisões e alianças entre decisores políticos, empresas privadas e sociedade, tendo por base evidência científica e interesse público (UNESCO mobiliza 122 países para promover ciência aberta e cooperação reforçada face à COVID-19).
A Rede de Bibliotecas Escolares incentiva e apoia políticas e práticas de acesso livre (O compromisso da Rede de Bibliotecas Escolares para que o conhecimento e a cultura seja um bem e um desígnio de todos, Semana Internacional de Livre Acesso) para que o conhecimento e sua comunicação seja um bem público ao alcance de todos e não seja controlado por um pequeno número de empresas que agem para satisfazer os interesses económicos dos seus acionistas.
Referências:
Bilder, G.; Lin, J. & Neylon, C. (2019). Principles for Open Scholarly Infrastructure. COAR & SPARC. https://sparcopen.org/wp-content/uploads/2019/01/Sparc-Good-Practice-Principles-v4.pdf
Creative Commons. (2020). Open COVID Pledge. https://creativecommons.org/creative-commons-response-to-covid-19/
Ficarra, V.; Fosci, M.; Chiarelli, A.; Kramer, B. & Proudman, V. (2020). Scoping the Open Science Infrastructure Landscape in Europe (Report). Sparc Europe https://sparceurope.org/new-sparc-europe-report-out-scoping-the-open-science-infrastructure-landscape-in-europe/
International Federation of Library Associations and Institutions. (2020). IFLA lidera carta aberta sobre propriedade intelectual e COVID-19. https://www.ifla.org/node/92993
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (2020). UNESCO mobiliza 122 países para promover ciência aberta e cooperação reforçada face à COVID-19. https://en.unesco.org/news/unesco-mobilizes-122-countries-promote-open-science-and-reinforced-cooperation-face-covid-19