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Blogue RBE

Ter | 12.12.23

IFLA: Resposta estratégica de biblioteca à Inteligência Artificial

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1. Enquadramento

A 20 de novembro o AI SIG (Artificial Intelligence Special Interest Group/ Grupo Especial de Interesse em Inteligência Artificial) da IFLA publicou um documento de trabalho que pretende “apoiar a tomada de decisões locais sobre IA”, Desenvolvendo uma resposta estratégica de biblioteca à Inteligência Artificial [1], que está aberto a comentários e sugestões feitas no formulário disponível na fonte.

Resultou de um encontro presencial na Escola de Informação da Universidade de Sheffield, Inglaterra, focado na questão: “Inteligência Artificial: Onde é que ela se encaixa na sua estratégia de biblioteca?”. Neste os participantes, incluindo os que aderiram através da internet (até 250), apresentaram os seus pontos de vista [2].

O presente artigo baseia-se nestes dois documentos, sendo que o segundo inclui PowerPoint do encontro [3]. São todos de Andrew Cox, coordenador do IFLA AI SIG e professor na Universidade de Sheffield.

2. Questões de informação e éticas

O documento [1] refere uma série de ameaças de modelos de IA, como o Chat GPT, das quais se destacam cinco:

  • Criação descontrolada de notícias falsas, para manipular e polarizar a opinião pública, espalhar desinformação e minar a democracia, ou mesmo incitar à violência”;

  • Violação de “direitos autorais ao usar texto e dados sem permissão (Dreben, 2023). Poucos provedores de LLM disponibilizaram abertamente detalhes dos dados de treino” (opacidade) - LLM (Large Language Model) corresponde ao uso de técnicas de aprendizagem profunda e de dados de grande dimensão (big data);

  • Violação de dados pessoais (privacidade) e aumento da vigilância das grandes tecnológicas;

  • Impactos ambientais significativos, é o novo petróleo também pela sua pegada ambiental;

  • Agravamento das divisões digitais e sociais.

Quais são os riscos potenciais da IA e como é que a biblioteca – inclusive a sua, local - pode contribuir para mitiga-los é uma das questões do documento [1], que, a partir de uma análise SWOT explora as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças da IA para as bibliotecas.

No âmbito das fraquezas há duas que importa destacar:

  • Ainda não existem ferramentas de IA para bibliotecas;

  • “IA impulsionada pelas Big Tech muitas vezes entram em conflito com os valores fundamentais da biblioteca, como a proteção da privacidade, a remoção de preconceitos, o acesso para todos e o livre acesso” e com as questões do poder político, da democracia ameaçada pelas grandes empresas privadas de tecnologias.

No âmbito das oportunidades, para além das apresentadas infra, colaborar com cientistas de dados.

 3. Qual o impacto de IA nas bibliotecas?

“As bibliotecas adotarão a IA de formas que se alinhem com as funções existentes” e tornando as suas coleções mais acessíveis.

Pode “mudar o trabalho diário de conhecimento, por exemplo, através da tradução, do resumo e da geração de texto” e de “ferramentas como ResearchRabbit, Scite, Elicit e Openread que realizam tarefas de apoio à revisão de literatura”, relacionando artigos de forma personalizada.

Pode mudar o funcionamento da biblioteca através da introdução de sistemas de biblioteca backend que permite ao administrador da biblioteca gerir utilizadores, livros, requisições e devoluções de forma simplificada e à distância – e.g. RPA (Robotic Process Automation) para processar dados bibliográficos. Também ao nível do marketing é possível adaptação de “textos às necessidades de públicos específicos”. Junto aos utilizadores, chatbots podem responder a pedidos de consulta e a dúvidas, recolher e tratar os seus dados e apoia-los em tarefas de rotina, bem como prever padrões do seu comportamento e apoiar decisões do bibliotecário. O artigo refere bibliotecas que já existem em que robôs fazem o inventário e aplicam o Sistema Automatizado de Armazenamento e Recuperação (ASRS) de recursos, através de prateleiras inteligentes e automatizadas - que poderiam existir no subsolo da biblioteca – e que entregam documentos ao utilizador sob pedido.

Estas novas valências melhoram a eficiência da biblioteca ou tornam-na irrelevante?

Na “Tabela 1. Impactos da IA nas operações da biblioteca” e na “Tabela 2. Serviços de IA” é especificada a previsão das principais mudanças na gestão e serviços da biblioteca [1].

4. Que competências são necessárias para interagir com IA?

A apresentação [3] evoca o conceito de Competências de Fusão/ Fusion Skills (Daugherty & Wilson, 2018) que remete para o carater holístico da aprendizagem:

“As competências de fusão combinam [numa mesma aprendizagem] educação, artes, design, tecnologia e negócios, refletindo a forma como a vida é transformada pela fusão destas disciplinas, gerando oportunidades para novas aprendizagens, negócios, produtos e serviços” e é “sobretudo orientada para o processo” (Find Fusion, 2023) [4]. Neste contexto, o importante é trabalhar em colaboração com IA: 1. Treinando-a; 2. Delegando tarefas ou explicando os resultados a atingir; 3. Apoiando a sua utilização responsável para não prejudicar os humanos (Wilson & Daugherty, 2018) [5].

A “interrogação inteligente - Saber qual a melhor forma de fazer perguntas à IA, em todos os níveis de abstração, para obter as informações de que necessitamos”, tal como a “capacitação baseada em bots” e a “rehumanização do tempo - A capacidade de aumentar o tempo disponível para tarefas claramente humanas, como interações interpessoais, criatividade e tomada de decisões” são algumas das competências de fusão, mencionadas na apresentação (Daugherty & Wilson, 2018) [3].

Esta nova abordagem reformula o quadro de 10 competências para prosperar na Quarta Revolução Industrial proposto, em 2016, pelo Fórum Económico Mundial:

“1. Resolução de problemas complexos; 2. Pensamento crítico; 3. Criatividade; 4. Gestão de pessoas; 5. Coordenação com os outros; 6. Inteligência emocional; 7. Julgamento e tomada de decisões; 8. Orientação para o serviço; 9. Negociação; 10. Flexibilidade cognitiva” [6].

Este quadro resultou da consulta a diretores de recursos humanos e principais empregadores globais e foi publicado no relatório, O Futuro do Emprego apresentado neste Fórum. Dedicado à Quarta Revolução Industrial, vaticinava: “Daqui a cinco anos, mais de um terço das competências (35%) consideradas importantes na força de trabalho atual terão mudado” [6].

Em Portugal, O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória responde às competências exigidas no mundo atual?

5. Literacias de IA

De acordo com as conclusões da apresentação [3], profissionais da informação podem desempenhar as seguintes tarefas:

  • Escrever código (programador);

  • Criar e gerir dados usados no processo de aprendizagem de IA (gestor de IA);

  • Trabalhar com RPA (Robotic Process Automation/ Automação Robótica de Processos), interagindo e resolvendo, na retaguarda, incidentes de tarefas automatizadas com IA (assistente de IA);

  • Criar comunidades de IA e educar com/ para IA, na qualidade de formador, tarefa que pode ser partilhada com a biblioteca [2].

A literacia em IA faz parte da literacia da informação e media e “é a compreensão da IA em qualquer uma das suas manifestações, envolvendo a capacidade de ‘avaliar criticamente as tecnologias de IA; comunicar e colaborar de forma eficaz com IA; e usar a IA como ferramenta online, em casa e no local de trabalho’ (Long e Magerko, 2020)” [1]. Segundo o documento “literacia em IA passou rapidamente para o primeiro plano” [1] e deve estender-se à equipa e funcionários da biblioteca e utilizadores. Complementarmente, também é importante conhecer as perceções e o modo como os utilizadores usam IA, para além de desenvolver estudos sobre boas práticas.

O documento propõe que a IA seja desenvolvida de forma participativa, por todas as partes interessadas, inclusive com a colaboração da biblioteca e dos cidadãos [1].

 6. Modelo de pesquisa

IA generativa, como o Chat GPT, permite, de forma personalizada, redigir textos (ensaio, poema, candidatura de emprego/ projeto) em várias línguas, responder a perguntas, escrever código de um programa informático, criar imagens, resolver problemas de matemática e responde simulando conversas humanas.

Com base nele, Cox inquire se abre “Um novo paradigma de pesquisa?”, por frases ou instruções/ prompts em linguagem natural, diverso do da biblioteca (por palavras-chave: assunto, título, cota, coleção, autor, etc.).

Qual será o modelo de pesquisa da biblioteca inteligente?

Como pode a biblioteca tradicional adaptar-se a este novo modelo?

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 Referências

[1]. Cox, A. (2023, 20 Nov.). Developing a library strategic response to Artificial Intelligence. https://www.ifla.org/developing-a-library-strategic-response-to-artificial-intelligence/

[2]. Cox, A. (2023, Apr.). Library strategy and Artificial Intelligence. https://nationalcentreforai.jiscinvolve.org/wp/2023/06/05/library-strategy-and-artificial-intelligence/

[3]. Cox, A. (2023, Apr.). Artificial Intelligence: Where does it fit into your library strategy? https://drive.google.com/file/d/1uAvlt0Ucdcg8eQqNN5f0OXF1xHGpg_MF/view

[4]. Find Fusion. (2023). Fusion skills essential to success in the 21st century. https://www.culturesummit.com/fusion-skills-essential-to-success-in-the-21st-century/

[5]. Wilson, J. & Daugherty, P.. (2018). Collaborative Intelligence: Humans and AI Are Joining Forces. https://hbr.org/2018/07/collaborative-intelligence-humans-and-ai-are-joining-forces

[6]. World Economic Forum. (2016). The 10 skills you need to thrive in the Fourth Industrial Revolution. https://www.weforum.org/agenda/2016/01/the-10-skills-you-need-to-thrive-in-the-fourth-industri[1]al-revolution/

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