IFLA: Novos líderes e programas de liderança
Enquadramento
Mais do que uma análise de programas; Aprendendo a Liderar: Uma Análise Global da Prática no Terreno das Bibliotecas evidencia o dinamismo e a resiliência do setor das bibliotecas em todo o mundo, que se apresenta como fonte de inovação, capacitação e transformação social.
O Relatório é um marco importante na biblioteconomia porque é a primeira publicação da IFLA centrada exclusivamente em programas de liderança e porque mapeia a paisagem global do desenvolvimento de competências de liderança em bibliotecas, museus, arquivos e áreas da cultura.
Os resultados reforçam a noção de que o investimento em formação em liderança está diretamente ligado ao crescimento institucional e pessoal.
Este artigo estrutura-se em 2 momentos:
A. Programas de liderança: tendências-chave e recomendações
B. Perfil das novas lideranças
A. Programas de liderança: tendências-chave e recomendações
1. Abordagem pedagógica
O modelo híbrido é o formato mais comum de formação – “híbrido (67%), presencial (21%) e online (9%)” – e prevê-se uma crescente procura para tornar a formação mais acessível e flexível, bem como mais contextualizada, adaptada às necessidades e recursos locais.
A combinação entre sessões presenciais e atividades online amplia o alcance geográfico dos programas, e permite integrar diferentes estilos de aprendizagem e ritmos individuais, democratizando o acesso ao desenvolvimento profissional.
Recomenda “Continuar a apoiar e a expandir os modelos híbridos e online de formação, para acomodar diversas preferências de aprendizagem e localizações geográficas”.
A democratização do acesso à formação (inclusão) também se verifica no facto de a maioria ser suportada por bolsas de estudo, patrocínios ou gratuita.
2. Interdisciplinaridade
A liderança num contexto global e digital, baseia-se na interdisciplinaridade e colaboração entre instituições e profissionais, mostrando um entendimento cada vez mais interdisciplinar da liderança, aspeto fundamental numa era em que informação e cultura estão intrinsecamente interligadas.
Recomenda “Expandir a formação em liderança para incluir profissionais fora das funções tradicionais de biblioteca, como arquivistas, profissionais de museus e especialistas em tecnologia, promovendo uma abordagem mais inclusiva e interdisciplinar à liderança”.
Esta é uma perspetiva inovadora, que reconhece no líder o poder de construir redes colaborativas amplas e resilientes.
3. Inovação curricular
Ao nível do currículo da oferta formativa, o Relatório evidencia a diversificação de temas:
- Clássicos, como “Liderança e Gestão (88%);
- Emergentes, como Advocacia e Envolvimento Comunitário (71%), Planeamento Estratégico (64%) e Gestão da Mudança (55%), Gestão de Projetos (53%), Inovação (53%), Diversidade e Inclusão (35%), Tecnologia (32%)”,
indicando um esforço claro para formar líderes com visão holística e competências multidimensionais.
Recomenda “Integrar temas emergentes, como literacia digital, inteligência artificial nas bibliotecas e privacidade de dados, nos currículos dos programas, a par dos temas tradicionais”, antecipando, de forma crítica, os desafios que as bibliotecas enfrentam num mundo cada vez mais digital e interconectado e construindo resiliência.
4. Avaliação
O Relatório evidencia que há um compromisso com a avaliação de impacto e com a monitorização dos resultados dos programas de formação em liderança.
Globalmente verifica-se
- Recolha sistemática de feedback dos participantes,
- Medição da progressão de carreira,
- Análise das competências adquiridas,
o que evidencia uma cultura de accountability, responsabilização dos responsáveis pelos resultados destes programas, garantindo transparência, avaliação e melhoria contínuas com base em objetivos claros.
Esta dimensão é fundamental para validar a eficácia dos programas e assegurar que os investimentos em formação resultam em mudanças concretas nas práticas profissionais e na cultura organizacional.
E quais são os métodos de avaliação de aprendizagens mais usados?
A autoavaliação é o mais comum, implementado em 56% dos programas, seguido de avaliações baseadas em projetos, 52%; avaliadores internos e externos são usados em 36% e 18% dos casos, respetivamente e exames e questionários são os menos comuns, 15%.
Os dados revelam que a maioria dos inquiridos (59%) observou que os participantes assumiram novas responsabilidades ou funções após completarem o programa:
“Um dos resultados mais encorajadores é o feedback positivo dos participantes, com a maioria a reportar [autoavaliação] um aumento na confiança e a melhoria de competências profissionais e capacidades de liderança mais desenvolvidas. Além disso, muitos assumiram novas funções ou responsabilidades após a conclusão da formação, refletindo os benefícios concretos destes programas na formação dos futuros líderes do setor bibliotecário” e a sua eficácia.
A liderança apresenta-se como ferramenta de transformação do percurso profissional individual e das dinâmicas organizacionais das bibliotecas.
Os objetivos/finalidades destes programas confirmam-no, ao pretenderem desenvolver competências práticas de:
- Desenvolvimento de Liderança (74%),
- Inovação (24%),
- Colaboração e Networking (23%),
- Envolvimento Comunitário e Advocacia (9%).
Mostram como são centrais na transformação, inovação e adaptação das bibliotecas aos desafios de um ambiente informativo em rápida mudança.
5. Redes de networking e de mentoria
Um dos objetivos-chave dos programas de liderança, indicados pelos seus responsáveis, é a Colaboração e Networking (23%), precedido por Desenvolvimento de Liderança (74%) e Inovação (24%).
Este é também um dos benefícios mais relatados pelos participantes (61%), precedido por Aumento da Confiança nos Seus Papéis (76%) e Melhoria de competências profissionais (73%). Desenvolvimento de Novas Competências reúne 59% das respostas.
Recomenda “Aumentar as oportunidades de networking profissional, como programas de mentoria e projetos colaborativos, garantindo que o desenvolvimento da liderança se estenda para além da formação formal”.
Recomenda também "Promover uma maior colaboração entre associações bibliotecárias internacionais e regionais para partilhar boas práticas, criar programas conjuntos de liderança e proporcionar oportunidades de networking transfronteiriço para líderes emergentes”.
É um aspeto inovador das novas lideranças, encará-las como um processo relacional e contínuo, de fortalecimento de laços entre líderes, a nível local e global, baseado na troca de experiências, na partilha de boas práticas e no apoio mútuo entre profissionais.
Também é importante que estes programas tenham uma maior vertente prática e participativa, podendo incluir oficinas com envolvimento de todos os participantes.
Neste contexto, apresenta a recomendação: “Dar maior ênfase a competências práticas e aplicáveis, como gestão de projetos, permitindo que os participantes apliquem de imediato os conhecimentos adquiridos nos seus contextos profissionais”.
Refere ainda programas de formação inspiradores que incluem mentoria personalizada e aprendizagem entre pares.
B. Perfil das novas lideranças
O Relatório traça ainda o perfil das novas lideranças no setor das bibliotecas, da informação e da cultura:
- Orientado para a inovação e a transformação;
- Valoriza simultaneamente várias áreas de conhecimento e dialoga com pessoas e comunidades de diferentes culturas;
- Digitalmente competente;
- Colabora e cria redes de apoio, mentoria e aprendizagem contínua, tirando partido da inteligência coletiva;
- Decide baseado na avaliação de resultados e presta contas da sua ação (accountability);
- Comprometido com a equidade, a inclusão e a justiça social;
- Foco estratégico e pensamento a longo prazo;
- Sabe adaptar estratégias a novos contextos (resiliência).
Concluindo
O relatório Aprendendo a Liderar decorreu da análise de 66 programas de formação em liderança, de associações da IFLA e de voluntários/indivíduos, de diferentes regiões, apresentados por inquérito (outubro e novembro de 2024).
Apresenta a liderança como elemento estruturante da capacidade das bibliotecas se adaptarem às transformações tecnológicas e sociais do século XXI.
Através de uma abordagem abrangente, revela como as bibliotecas estão a evoluir, de simples centros de informação, para instituições ativamente envolvidas na inovação, advocacy e capacitação comunitária e global.
Referência
Saleh, E. & Alsereihy, H. & Ismail, H. & Hassan R. (2024, Dec.). Learning to Lead: A Scan of Global Library Field Practice. https://repository.ifla.org/items/497fac92-7b01-42ca-a93f-0f81d0719070