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Blogue RBE

Sex | 02.12.22

IFLA: Liberdade intelectual | temas – problemas (continuação)

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O jornal oficial da IFLA é um jornal digital gratuito que publica artigos de investigação, estudos caso e ensaios originais sobre informação e bibliotecas.

É publicado trimestralmente (em março, junho, outubro e dezembro), os artigos são revistos por pares e todos os profissionais do setor, de todos os países, podem submeter artigos em inglês.

A edição de outubro, dedicada à Liberdade Intelectual [1], aborda diversos tópicos, dos quais apresentamos exemplos, dando continuidade ao artigo anterior.

 

Autoridades complexas

Segundo a Declaração da IFLA, a biblioteca deve disponibilizar ao utilizador “o acesso a toda a informação” que ele pretende.

Porém, quando um utilizador solicita informação falsa que pode pôr em perigo a sua saúde e a saúde pública, por exemplo, informação que apoie o argumento das vacinas poderem ser perigosas para a saúde, o que deve fazer o bibliotecário?

Kate Mercer, Kari Weaver e Khrystine Waked no artigo, Navegando por autoridades complexas apresentam diversas situações controversas e dilemas com que pode confrontar-se o bibliotecário na atualidade, em que os media sociais são a principal fonte de informação, veiculando desinformação, factos alternativos e teorias da conspiração e em que o acesso a noticias é feito com base em algoritmos que reforçam o hábito das pessoas apenas aceitarem evidências que confirmam os próprios pontos de vista. É assim que em plena crise pandémica Covid-19 se disseminou a descrença sobre a existência do vírus, bem como mensagens sobre terapias alternativas à vacinação.

Segundo os autores, quando os profissionais da biblioteca são confrontados com autoridades controversas apresentadas pelos seus utilizadores, há que “reformular a questão [do acesso a ‘toda’ a informação para], ‘Como providenciar o acesso a toda a informação com contexto e crítica? [sublinhado nosso]’”, pois “O trabalho do bibliotecário deve ser contextualizar essa informação apropriadamente [sublinhado nosso]”, reservando ao utilizador o direito de decidir posteriormente em inteira liberdade.

Para além disso, “Enquanto bibliotecários, devemos estar autorizados a manter os nossos limites éticos pessoais, enquanto ainda permitimos o acesso a informação sobre todos os pontos de vista [sublinhado nosso]”.

O desenvolvimento de uma consciência crítica por parte dos utilizadores também pode resultar da interação informal com eles, no âmbito da qual o profissional da biblioteca levanta questões como: “Onde é que ouviste isso pela primeira vez? Descobriste porque é que as pessoas te estão a dizer isso? Olhaste para a proveniência das fontes? Achaste a informação bombástica? [sublinhados nossos]”

Ao manter este diálogo o bibliotecário está a usar as ferramentas de avaliação crítica da informação que o utilizador lhe está a solicitar, explicando-lhe como é que os profissionais procedem.

 

Censura

Alex Byrne no artigo, Uma declaração para todas as épocas, sublinha a importância dos princípios 5, 6 e 7 da Declaração da IFLA para o compromisso da biblioteca com a diversidade e pluralidade:

- “devem adquirir, preservar e disponibilizar a mais ampla variedade de materiais, refletindo a pluralidade e diversidade da sociedade”;

- “devem assegurar que a seleção e disponibilidade de materiais e serviços da biblioteca seja regida por considerações profissionais e não por opiniões políticas, morais e religiosas”;

- “devem adquirir, organizar e divulgar livremente a informação e opor-se a qualquer forma de censura”.

Byrne sublinha que é dever profissional do bibliotecário apresentar uma diversidade de vozes, sobretudo das pessoas marginalizadas e oprimidas ao longo da História: indígenas, negros, ciganos, LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexual e outras identidades de género), minorias linguísticas e religiosas. E especifica: “As nossas bibliotecas devem apresentar as suas histórias – ficção e não ficção – nas suas palavras [sublinhado nosso]”, respeitando o lugar de fala [2] de cada pessoa e cultura.

A biblioteca deve celebrar a individualidade e a diversidade de informação e afirmar-se anti-racista, anti-sexista e promover a luta contra o discurso de ódio.

Referindo Bestgen, Byrne considera que a cultura do cancelamento ou da supressão de opiniões e factos inconsistentes com a opinião da maioria também pode ter efeitos na liberdade intelectual e no discurso livre, podendo gerar auto-censura.

Nos últimos anos têm crescido interferências nas escolhas dos bibliotecários, principalmente quando se trata de recursos destinados a crianças e jovens que abordam temas delicados, como orientação sexual ou discriminação/ racismo.

Medo, atitude moralista, posicionamento político conservador são as principais razões destas tentativas para limitar a livre expressão e circulação de ideias.

Os bibliotecários têm o papel desafiante - e vital - de garantir uma cultura de liberdade e de inclusão, proporcionando uma diversidade e pluralidade de informação, bem como de questionar preconceitos e estereótipos a partir da defesa de valores humanistas. Este ambiente questionador e reflexivo é favorável à expansão da liberdade intelectual, “um dos direitos mais preciosos da humanidade”.

Byrne, presidente da FAIFE quando a Declaração foi adotada pela IFLA, relembra as palavras que escreveu nessa ocasião:

“As bibliotecas devem fazer ressoar muitos pontos de vista divergentes, incluindo o inaceitável, e mesmo o que muitos podem achar odioso. ... Ao tornar disponíveis tais [controversos e divergentes] materiais, mesmo aqueles que os profissionais da biblioteca podem achar repugnantes ou apenas disparatados, as bibliotecas não estão a apoiar o argumento desses pontos de vista, mas a defender o princípio essencial da liberdade intelectual”.

 

A crise epistémica

Sarah Hartmen-Caverly, considera que a informação e comunicação contemporânea experiencia uma “crise epistémica” derivada de ”teorias da conspiração, desinformação, distração através de uma engenharia da atenção [exemplo, notificações], ‘fake news’, sobrecarga de informação, má informação, manipulação, polarização, propaganda e vigilância” em larga escala e que está normalizada.

Relativamente à desinformação, por exemplo, The Washington Post Fact Checker contabilizou 30.573 alegações falsas ou enganosas de Donald Trump nos quatro anos da sua presidência.

Sinal da crise dos média foi a resposta à crise pandémica, na qual se verificaram sérias restrições à livre expressão e ao acesso a informação e, por outro lado, a comunicação foi inconsistente, gerando distorção da verdade e falta de confiança do público, por exemplo, relativamente à vacina Oxford-AstraZeneca.

Hartmen-Caverly destaca que a liberdade intelectual deve desempenhar um papel central na definição da coleção, da abordagem educativa e da programação da biblioteca que deve desenvolver-se num contexto livre de desconfiança, de manipulação e de censura. Para o efeito, é fundamental que o profissional da biblioteca examine e atualize criticamente e continuamente os seus pressupostos e considere pontos de vista alternativos, novas informações, pois “A crise epistémica é uma oportunidade para redobrar estes esforços” e fortalecer a liberdade intelectual.

 

Referências

1. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, Oct.). IFLA Journal. Netherlands: IFLA. https://repository.ifla.org/bitstream/123456789/2143/1/ifla-journal-48-3_2022.pdf

2. Cf. Discriminação: abordagem educativa e títulos.

3. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, Oct.). IFLA Journal. Netherlands: IFLA. https://www.facebook.com/IFLA.org/photos/a.598622580166691/6143082945720599

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0