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Blogue RBE

Qua | 30.11.22

IFLA: Liberdade intelectual | temas - problemas

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A edição de outubro do jornal oficial da IFLA [1] é dedicada à Liberdade Intelectual e foi desenvolvida em colaboração com o Comité Consultivo da IFLA sobre Liberdade de Acesso à Informação e Liberdade de Expressão (Freedom of Access to Information and Freedom of Expression - FAIFE) [2] para marcar o 20.º aniversário da Declaração da IFLA sobre Bibliotecas e Liberdade Intelectual [3]. 

O jornal reúne artigos de investigação, estudos caso e ensaios originais sobre o tema e aborda diversos temas-problemas, dos quais apresentamos exemplos.

 

Segredo profissional

Segundo Estrada-Cuzcano e Alfaro-Mendives, no artigo Análise do Sigilo Profissional na Ibero-América, em contexto de biblioteca escolar, quando se fala de Liberdade Intelectual deve ter-se em conta dois documentos de referência:

- A Declaração sobre Bibliotecas e Liberdade Intelectual, adotada pela IFLA em 1999 e que estabelece que “Os utilizadores da biblioteca terão direito à privacidade pessoal e ao anonimato. Os bibliotecários e outro pessoal da biblioteca devem não revelar a terceiros a identidade dos utilizadores ou os materiais que utilizam”;

- A Declaração de Direitos da Biblioteca, adotada pela American Library Association em 1939 e, cuja última revisão é de 2019 [4]. Estabelece que “Todas as pessoas, independentemente da origem, idade, contexto histórico ou pontos de vista, possuem direito à privacidade e confidencialidade no seu uso da biblioteca. As bibliotecas devem defender, educar e proteger a privacidade das pessoas, protegendo todos os dados de utilização da biblioteca, incluindo informações de identificação pessoal”.

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Fonte da imagem: American Library Association. (2019). Library Bill of Rights Poster. USA: ALA. https://ala-production-services.myportfolio.com/library-bill-of-rights-poster

 

O segredo profissional faz parte da liberdade de expressão e é, por um lado, um dever e obrigação deontológica do profissional da biblioteca, comum a outras profissões, como a de jornalista, médico ou padre e, por outro lado, um direito legal do utilizador.  

Historicamente, está prevista na Declaração dos Direitos do Homem de 1789, artigo 11: “A livre comunicação de ideias e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem [sublinhado nosso]. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever e imprimir com liberdade, mas responderá pelos abusos dessa liberdade que vierem a ser definidos em lei.”

Também está prevista no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

A liberdade intelectual compreende os princípios da confidencialidade e da privacidade, bem como o do acesso à informação adaptada às necessidades de cada utilizador.

De acordo com a American Library Association (2007), em contexto de biblioteca, “A privacidade tem a ver com o uso da informação sem intervenção de terceiros. A confidencialidade, por outro lado, está ligada aos dados pessoais dos utilizadores (informação pessoal identificável), que é protegida por profissionais” e que incluem, por exemplo, nome, morada, correio eletrónico, telefone, idade e género do utilizador.  Deve ser uma prioridade para o profissional da biblioteca manter a privacidade e a confidencialidade de dados pessoais e sensíveis.

Relativamente à informação, é fundamental “assegurar que a seleção e disponibilidade de materiais e serviços da biblioteca seja regida por considerações profissionais e não por opiniões políticas, morais e religiosas” (Declaração da IFLA, quinto princípio), isto é, que seja neutra, no sentido de objetiva.

 

Neutralidade

Gabriel Gardner, no artigo do Jornal da IFLA, Liberdade intelectual e prioridades alternativas na pesquisa sobre biblioteca e ciência da informação, apresenta uma análise bibliométrica, da literatura sobre biblioteca e ciências da informação, na qual conclui que o número de obras que mencionam os termos Liberdade Intelectual e Neutralidade aumentou apenas ligeiramente, enquanto entradas na área da Justiça Social -  sobre hierarquias, estereótipos, inclusão, vulnerabilidade, sub-representação, diversidade e feminismo - aumentaram significativamente, sobretudo a partir de 2015. Este deslocamento de conceitos pode conduzir a uma nova compreensão e vivência da liberdade intelectual.

 

Automatizar a liberdade intelectual

De acordo com o primeiro e segundo princípios da Declaração da IFLA, “As bibliotecas fornecem acesso a informação, ideias e obras da imaginação. Servem de portas de acesso ao conhecimento, pensamento e cultura” e “prestam apoio essencial […] à tomada de decisões independentes”.

No seu artigo sobre este tópico, Catherine Smith equaciona a possibilidade de a Inteligência Artificial poder ser utilizada em operações da biblioteca ligadas a serviços técnicos, como a descrição (catalogação e a classificação) e a recuperação de recursos.

Estas são áreas complexas pois, apesar de se pretender garantir a uniformidade e a Interoperabilidade dos termos descritivos de pesquisa, quando humanos catalogam, podem introduzir preconceitos e estereótipos, pessoais e culturais que distorcem a informação do catálogo. Por exemplo, o especialista em catalogação americano, Sanford Berman, no seu livro Prejudices and antipathies, mostra que a Biblioteca do Congresso usava linguagem que reflete e reproduz desigualdades e hierarquias.

Há a perceção generalizada que as máquinas são mais neutras do que os humanos e que a IA poderia ser treinada para analisar textos e atribuir descritores com base num vocabulário controlado que poderia garantir rigor e neutralidade. Referindo Paynter, Catherine Smith distingue entre a avaliação automática, realizada por um programa de computador, na qual a classificação dos assuntos resultaria de um processo matemático, quantitativo e a avaliação realizada por peritos humanos, temática e qualitativa.

No entanto, na prática, “a IA e outros processos algorítmicos amplificariam preconceitos observados em dados que usados para os treinar [sublinhado nosso]”. A utilização de IA para catalogação constituiria um perigo para quem defende a liberdade intelectual e o acesso equitativo aos recursos. Ao nível da catalogação, os bibliotecários são insubstituíveis:

”Catalogadores humanos introduzem inevitavelmente preconceitos pessoais e culturais no seu trabalho, mas a inteligência artificial pode perpetrar preconceitos a uma escala nunca antes vista. A automatização deste processo pode ser entendida como uma ameaça maior do que a manipulação produzida pelos operadores humanos”.

 

Este artigo continua no dia 2 de dezembro.

 

Referências

1. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, Oct.). IFLA Journal. Netherlands: IFLA. https://repository.ifla.org/bitstream/123456789/2143/1/ifla-journal-48-3_2022.pdf

2. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022). Advisory Committee on Freedom of Access to Information and Freedom of Expression. Netherlands: IFLA - FAIFE. https://www.ifla.org/units/faife/

3. International Federation of Library Associations and Institutions. (1999). IFLA Statement on Libraries and Intellectual Freedom. Netherlands: IFLA. https://repository.ifla.org/bitstream/123456789/1424/1/ifla-statement-on-libraries-and-intellectual-freedom-en.pdf

4. American Library Association. (2019). Library Bill of Rights. USA: ALA. https://www.ala.org/advocacy/intfreedom/librarybill

5. Fonte da imagem: International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, 23 Nov.). Out Now: December 2022 issue of IFLA Journal. Netherlands: IFLA. https://www.ifla.org/news/out-now-december-2022-issue-of-ifla-journal/

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