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Blogue RBE

Qua | 12.10.22

IFLA: Direitos de autor - Problemas e Discussão

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Navigating Copyright for Libraries: Purpose and Scope/ Navegando por direitos autorais para bibliotecas: propósito e finalidade [1] é uma publicação da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), lançada a 8 de setembro, editada por Jessica Coates (National Library Austrália),  Victoria Owen (Universidade de Toronto, Canadá) e Susan Reilly (Biblioteca Eletrónica de Pesquisa Irlandesa, Irlanda) e que reúne 20 artigos de diferentes autores/ abordagens/ geografias para:

- Apoiar a literacia de direitos de autor;

- Ajudar os bibliotecários e profissionais da informação a compreender os fundamentos e como funcionam os direitos de autor;

- Promover o envolvimento na política e defesa destes direitos, a nível local e internacional.

Elaborado em nome do Advisory Committee on Copyright and other Legal Matters (CLM)/ Comitê Consultivo da IFLA sobre Direitos Autorais e Outros Assuntos Legais, esta publicação é dedicada a todos os bibliotecários que trabalham com a “esperança de encontrar uma solução para os desafios de acesso e que continuam a destacar as desigualdades no acesso à informação e apelam à mudança” (Prefácio) e é disponibilizado como recurso educativo aberto (REA) passível de reutilização, tradução e reatualização.

As bibliotecas dão visibilidade aos criadores e suas obras e fazem a mediação entre aqueles e o público:

- Apresentando e facilitando o acesso e utilização das suas obras, a partir do empréstimo universal e gratuito e de encontros e atividades presenciais e à distância;

- Preservando as suas criações;

- Sensibilizando o público para a importância de respeitar estes direitos que permitem que o autor dê continuidade ao seu trabalho de forma digna.

Sob o ponto de vista dos utilizadores, as criações dos autores, inclusive literárias, ajudam a desenvolver competências e a descobrir talentos, a criar e a inovar, para além de transmitirem informação e conhecimento.

Os direitos de autor reúnem vozes de inúmeros setores - indústrias criativas, media, sociedades de autores e artistas, sector tecnológico, sociedade civil – e, na era digital e do conhecimento, constituem uma área controversa para as “bibliotecas e arquivos que são o principal ponto de acesso equitativo à informação para indivíduos e comunidades”.

Apresentam-se, de seguida, dois exemplos de problemas a discutir – o próximo artigo sobre este tópico foca-se nas soluções.

 

Exemplo 1: Limitações legais

Nos cinco séculos de publicação impressa o mundo editorial pouco mudou, mas a transição para a edição digital tem sofrido grandes alterações.

Com o Projeto Gutenberg, iniciado em 1971, pensou-se que o digital iria gerar elevado acesso e reprodução de conteúdos, mas com a generalização do uso de leitores digitais (e-readers) nos últimos 15 anos, tem vindo a crescer a imposição de limites à cópia digital, o que exige a rigorosa compreensão e aplicação dos direitos de autor e respetiva legislação, bem como a consciência de que “os produtores de conteúdos voltados para o consumidor são fonte de intensa pressão sobre os decisores políticos para criarem regimes de direitos de autor que limitem o acesso para todos os fins, incluindo o de investigação e de educação” […] A aplicação de exceções e limitações não acompanhou o ritmo da impressão para a mudança digital (Crews, 2015) e é particularmente dificultada pelo ambiente de licenciamento para conteúdo digital” (p.154).

Para as bibliotecas continuarem a cumprir o seu serviço público, devem, na era digital, poder continuar a beneficiar das exceções aos direitos de autor, caso contrário estas podem deixar de servir o seu interesse público e ficar impedidas da sua principal missão, “recolher, emprestar e preservar materiais culturais importantes” (p. 77).

Como nas bibliotecas as licenças digitais são geralmente adquiridas pelo período de um ano, as suas coleções tornam-se transitórias, não crescem com o tempo e não podem ser preservadas, pelo que seria importante que as bibliotecas tivessem capacidade para copiar, emprestar e preservar as suas coleções em formato digital usando políticas equilibradas que satisfizessem os interesses dos criadores de propriedade intelectual e as necessidades da sociedade.

De acordo com o artigo Copyright in the Digital Single Market Directive (pp. 412 e segs.), com a expansão do digital torna-se difícil estabelecer orientações comuns sobre direitos de autor porque:

- Há “ausência de legislação uniforme” entre países, o que “aumenta o fosso científico e de inovação entre nações desenvolvidas e menos desenvolvidas [sublinhado nosso]”.

Os textos reunidos neste volume incentivam as bibliotecas à advocacy para leis de direitos de autor simplificadas e inclusivas;

- Em ambiente digital é necessário rever conceitos-chave, como o de Cópia e, quando lidamos com inteligência artificial, rever conceitos como o de Criador e Utilizador.

As legislações nacionais - tal como bolsas de estudo, ciência e artes - têm sobretudo por referência um paradigma pré-digital.

 

Exemplo 2: Limitações tecnológicas de acesso

Nos últimos anos a União Europeia tem procurado atualizar a sua legislação em direitos de autor para permitir "mais acesso transfronteiriço a conteúdos online, utilização mais ampla e fácil de material protegido por direitos de autor na educação, na investigação e em instituições de património cultural e para melhorar o funcionamento do mercado dos direitos de autor" (p. 224).

O principal documento no setor é a Diretiva sobre os Direitos de Autor no Mercado Único Digital [DSM: Digital Single Market] da UE 2019/ 790, em vigor desde abril de 2021, que estabelece normas para o meio digital e transfronteiriço e para facilitar a utilização de conteúdos que estão no domínio público.

Os profissionais das bibliotecas e da informação defendem o equilíbrio entre os direitos dos criadores e os direitos dos utilizadores, mas atualmente estes encontram-se ameaçados.

Observa-se, por um lado, que os meios digitais facilitam:

- A realização de cópias de preservação;

- A criação de ferramentas de investigação em bases de dados;

- O envio de cópias aos utilizadores;

- A divulgação e o acesso às criações porque as plataformas digitais são intermediárias na descoberta, partilha, indexação e receção de conteúdos, permitindo aos criadores alcançar maiores audiências.

Mas, por outro lado, os meios digitais provocam:

- Aumento das violações de direitos de autor - pirataria digital;

- Reforço do controlo por parte dos titulares de direitos e restrição do acesso dos utilizadores, por vezes de forma ilegítima, pois no âmbito da Diretiva europeia as plataformas digitais passaram a ser responsáveis pelas violações dos direitos de autor praticadas pelos utilizadores. E, como o volume de informação a controlar é demasiado elevado para ser feito por meios humanos, são utilizadas muitas vezes ferramentas tecnológicas que censuram conteúdos que são exceção aos direitos de autor. Não obstante a Diretiva salientar, no ponto 8 do artigo 17.º, que a sua aplicação não deve conduzir à “obrigação geral de monitorização”, os utilizadores veem-se muitas vezes impedidos de exercer os seus direitos.

Neste contexto, “O panorama dos direitos de autor oferece um cenário desigual, dividido e incerto para as bibliotecas de todo o mundo”, conclui o artigo Artificial Intelligence and Text and Data Mining: Future Rules for Libraries?. Os utilizadores e as bibliotecas são o elo mais fraco e, por isso, o artigo recomenda a eliminação universal de barreiras transfronteiriças, da distinção uso comercial - não comercial, de limitações de partilha de dados e de resultados de investigação, impeditivas da criatividade e da expansão do conhecimento humano.

 

Conclusão: Literacia dos direitos de autor numa perspetiva crítica

A “literacia dos direitos de autor”, cunhada pelos autores do sítio digital copyrightliteracy.org e usada nesta publicação da IFLA é uma área fundamental da literacia de informação, na qual é importante que os professores bibliotecários assumam uma perspetiva que induza os leitores a compreenderem, respeitarem e darem voz aos direitos de autor consagrados nas leis nacionais e internacionais.

Por outro lado, salienta a publicação, os bibliotecários “devem empenhar-se vigorosamente em debates sobre o futuro das limitações e exceções aos direitos de autor, uma vez que é o seu próprio futuro que está em jogo” (p. 101) e as leis do mercado não devem sobrepor-se à efetivação dos direitos naturais de cada pessoa.

 

Outros artigos sobre o tema:

Direitos de autor: Utilização de conteúdos no âmbito da nova Diretiva

Direitos de autor: Utilização de conteúdos no âmbito da nova Diretiva (II)

Direito de autor: direito humano fundamental

O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

Direitos de autor e Direitos Conexos | Utilização livre

Direitos de Autor - Gestão eletrónica - DRM

 

Referência

1. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, 8 SEp.). Navigating Copyright for Libraries: Purpose and Scope. IFLA: Netherlands. https://www.ifla.org/news/ifla-publication-navigating-copyright-for-libraries%EF%BB%BF/

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