IFLA: Declaração sobre Direitos de Autor e Inteligência Artificial
Objetivos
A Declaração da IFLA sobre Direitos de Autor [Copyright] e Inteligência Artificial (IA) [1] é um documento estratégico que visa apoiar as bibliotecas membros da IFLA “na abordagem de questões de direitos de autor relacionadas com o uso de IA e desenvolvimento de programas e serviços bibliotecários relevantes”.
Elaborada pelo Comité Consultivo da IFLA sobre Direitos de Autor e outras Questões Legais, em colaboração com o Grupo de Interesse Especial da IFLA sobre IA e outros, é fundamental num contexto de integração crescente de IA nas práticas bibliotecárias.
Contextualização: lei de direitos de autor e inovação das bibliotecas
Leis de direitos autorais:
- Regulam a maneira como a informação é acedida, partilhada e criada;
- Têm um papel importante na decisão de como os modelos de IA são treinados e podem ser utilizados [2].
A Declaração da IFLA reconhece o papel inovador das bibliotecas, destacando que estão numa posição única para liderar a adoção e utilização ética de IA e sublinha que podem ser pioneiras a vários níveis:
- Apoio ao treino de IA, disponibilizando repositórios abertos com dados e conteúdos para treino de modelos linguísticos, por exemplo adaptados a contextos locais;
- Inclusão de conteúdos gerados por IA nas coleções - por exemplo, criação de sistemas de recomendação bibliográfica baseados em IA;
- Utilização de IA para gestão automatizada de coleções digitais, catalogação, descoberta de coleções e melhoria da eficiência de serviços essenciais, como referência e empréstimo entre bibliotecas.
Desafios e respostas
- Limitação do uso de obras com direitos de autor
O avanço de IA comporta desafios significativos, especialmente devido à crescente tendência dos titulares de direitos de autor em limitar:
- O uso de conteúdos para treino de modelos de IA;
- Exceções que permitam o acesso livre à informação.
Estas restrições afetam a missão das bibliotecas.
Em muitos países, a legislação de direitos de autor evoluiu para acomodar as novas tecnologias, respondendo “às preocupações legítimas dos criadores, incluindo as bibliotecas no seu papel de criadoras de processos e serviços baseados em IA. No entanto, este não é o caso em todos os países”, persistindo desigualdades legais que podem dificultar a inovação nas bibliotecas (A, B, C).
- Outros desafios
A IFLA sublinha que muitos desafios sobre IA vão além dos direitos de autor, abrangendo questões de ética, privacidade, segurança e impacto ambiental. Nestes casos, recomenda que as bibliotecas procurem orientação em fontes de políticas apropriadas.
Recomendações para bibliotecas
- IA orientada por valores
A IFLA defende que a adoção ou recomendação de ferramentas de IA pelas bibliotecas deve ser guiada por valores:
As bibliotecas devem considerar implementar ou recomendar, aos utilizadores, ferramentas de IA com uma abordagem orientada por valores (values-driven approach). Por exemplo, as ferramentas de IA não devem comprometer a liberdade de expressão, a privacidade ou outras áreas de preocupação (como os impactos ambientais e as limitações da ação humana).
- Alargamento das exceções aos direitos de autor
Apela à “promoção de limitações e exceções que permitam a extração de texto e de dados (text and data mining) de conteúdos legitimamente adquiridos ou acedidos, bem como o acesso a conjuntos de dados tão vastos quanto possível como defesa contra preconceitos e erros” [3].
- Coleções para IA respeitando os princípios FAIR e CARE
As bibliotecas podem contribuir para este objetivo preparando coleções para a IA com licenças adequadas e respeitando os princípios FAIR (Findable, Accessible, Interoperable, Reusable) e CARE (Collective Benefit, Authority to Control, Responsibility, Ethics), que promovem um uso ético, transparente e equitativo da informação, especialmente no que respeita a dados de comunidades sub-representadas.
Esta abordagem deve ser acompanhada pela “monitorização contínua dos serviços de IA nas bibliotecas, para garantir a diversidade e o acesso equitativo à informação”.
- Literacia em IA
O documento também defende que as bibliotecas devem ter papel ativo na promoção da literacia em IA, capacitando utilizadores e profissionais para compreenderem, questionarem e utilizarem ferramentas de IA de forma informada e crítica.
Recomendações para os Governos
Até agora o debate tem-se centrado entre os sectores dos direitos de autor e as grandes empresas de IA, não deixando espaço para se concentrar nas prioridades das bibliotecas: dar acesso à informação, à educação, à investigação e à participação cultural.
O documento apela a uma ação colaborativa de governos, empresas de IA e titulares de direitos, recomendando que:
- Governos e empresas disponibilizem recursos para apoiar repositórios e infraestruturas de dados;
- Titulares de direitos e fornecedores não imponham cláusulas contratuais que limitem indevidamente o uso de IA pelas bibliotecas ou impeçam o exercício de exceções legais:
“Detentores de direitos e comerciantes não devem incluir nos contratos uma linguagem que dificulte ou restrinja indevidamente a utilização da IA pelos utilizadores das bibliotecas ou que impeça a utilização de quaisquer exceções aplicáveis na legislação de direitos de autor”.
A declaração refere iniciativas internacionais que a IFLA apoia, como a ICOLC Statement on AI Licensing, que promovem uma abordagem colaborativa e ética, equilibrando os interesses de autores, fornecedores, utilizadores e bibliotecas, e defendendo o acesso aberto e equitativo à informação.
Conclusão
A Declaração da IFLA reforça o papel das bibliotecas como instituições centrais na promoção da literacia, inclusão digital e desenvolvimento ético da IA.
Ao defender uma abordagem baseada em valores, a IFLA posiciona as bibliotecas como agentes de inovação e inclusão, capazes de liderar a integração responsável da IA na sociedade, sem comprometer o acesso ao conhecimento e direitos fundamentais.
Diferenciando-se de abordagens estritamente jurídicas, a declaração apresenta uma visão abrangente e ética sobre IA, posicionando as bibliotecas como espaços de experimentação tecnológica ao serviço do bem comum.
Outros artigos sobre direitos de autor
- IFLA: Direitos de autor - Problemas e Discussão
- IFLA: Direitos de Autor para bibliotecas – Algumas soluções
- IFLA: Declaração sobre bibliotecas e IA
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- Direitos de autor: Utilização de conteúdos no âmbito da nova Diretiva (II)
- Direito de autor: direito humano fundamental
- O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos
- Direitos de autor e Direitos Conexos | Utilização livre
- Direitos de Autor - Gestão eletrónica - DRM
Referências
- IFLA. (2025, April 5th). IFLA Statement on Copyright and Artificial Intelligence (AI). https://repository.ifla.org/items/e9f1f982-7876-46ed-91f9-e508a60cda72
- IFLA. (2025, 29 April). Realising potential, supporting users: IFLA Statement on Copyright and Artificial Intelligence. https://www.ifla.org/news/realising-potential-supporting-users-ifla-statement-on-copyright-and-artificial-intelligence/
📷 Imagem de Gerd Altmann por Pixabay