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Blogue RBE

Sex | 03.05.24

Fios seguros, pontos variados, costuras permanentes

por Ana Lídia Lopes, Professora bibliotecária no AE Dr. António Granjo, Chaves

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Levanto-me. Acordo assarapantada. Arranjo-me à pressa. Não são os afazeres domésticos ou as obrigações familiares o centro das minhas preocupações. A escola reclama-me. A Biblioteca chama por mim. Agora Biblioteca, amanhã Biblioteca, sempre a Biblioteca. Mas faço-o com gosto, com entusiasmo, sempre com uma vontade, espero que eterna, de melhorar as coisas, de as ver acontecer, de poder contribuir, com modéstia, humildade e muito empenho, para que uma vasta panóplia de visados, sejam eles alunos, colegas ou outros elementos da comunidade, possa melhorar as suas capacidades pessoais e o seu desempenho nas diferentes tarefas para as quais são solicitados.

Nas últimas semanas, há uma tarefa específica: remodelar o espaço de uma das três bibliotecas do Agrupamento que tenho a meu cargo. Foi necessário e exigível tornar o espaço disponível num lugar mais acolhedor, atrativo, funcional. Em permanente trabalho de colaboração, delineou-se o processo com a diretora e a coordenadora interconcelhia e… mãos à obra! Com o precioso auxílio de funcionários, colegas e associação de pais, arrastaram-se móveis, coloriram-se paredes, reorganizaram-se livros e outros materiais.

Sabemos que a existência da Biblioteca Escolar não se justifica apenas pelos espaços que possui, pelos equipamentos que disponibiliza ou pelos serviços que presta, mas também pelo conjunto de recursos educativos que coloca à disposição de alunos e professores, auxiliares fundamentais para que todo o processo formativo se desenrole com desenvoltura e equidade. O importante são sempre as pessoas e as suas atitudes e não os lugares. Contudo, temos também presente que a funcionalidade e a agradabilidade dos espaços são motivadoras, influentes, relevantes.

Mais um retalho da manta que costuro com afinco e não sei quando acaba …

Chego a casa. É preciso tirar a tinta das mãos, o pó que entope o nariz, o suor do corpo. Ah! E a família. Sim, a família, porque os professores bibliotecários também têm família, embora às vezes isso não pareça. Mas rápido, porque, à noite, temos uma palestra: convidámos alguém que nos viesse falar, a alunos, pais e professores, sobre formas de promover o sucesso e melhorar as prestações escolares e é preciso tudo controlar, ver se está em ordem: a disposição e decoração do espaço, a mesa de honra, o som. Será que escapou alguma coisa? Depois, a receção aos intervenientes. Noite fria de inverno. Será que o processo de mobilização do público foi bem-sucedido?

Tudo correu pelo melhor: excelente orador, bons participantes, escola enriquecida. Outro retalho para acrescentar …

Regresso a casa. Afundo-me no sofá. Ligo instintivamente a televisão, mas nada vejo, nada oiço. Penso. Será que a manta está a ser bem tecida? E transporto-me para o ano de 2014/2015, primeiro a exercer funções como professora bibliotecária. Neste mesmo espaço, físico e temporal, senti o peso da grandiosidade do que de mim se esperava, identifiquei-me como um viajante à descoberta do lugar. Mal eu sabia que tinha como missão liderar um modelo de biblioteca escolar como espaço de aprendizagem ilimitado, promotor de metodologias de aprendizagem dinâmicas e construtivas, que contribuísse para que todos os alunos pudessem desenvolver capacidades de criação, interação, autonomia, ao mesmo tempo que devia cooperar com colegas na definição de objetivos comuns. Entre outras funções, para os alunos, a biblioteca teria de ser um serviço que os ajudasse no seu desenvolvimento intelectual e das suas competências e, em simultâneo, que contribuísse para a incorporação de capacidades facilitadoras da sua progressão pessoal e social; para os professores, ser considerada como um recurso útil para o cumprimento do currículo e a realização da prática educativa. Encargo difícil, mas desafiante. Amparava-me na formação, que julgava apropriada, e em alguns conhecimentos e destrezas, que cria suficientes, mas faltava-me perceber que, para o exercício de tal cargo, precisava, para além do suporte profissional e vocacional, de uma enorme porção de generosidade, implicação e dedicação, impregnadas, porque não dizê-lo, de forte altruísmo e gratuitidade.

Deito-me. Aconchego-me numa manta. Sinto-me confortável e QUASE sossego. Quase… porque, entretanto, puxo a outra manta tecida com os retalhos e dou conta que fico com os pés de fora. Continua incompleta. E amanhã é um novo dia e mais um retalho há que amanhar. Cosido com fios seguros, pontos variados, costuras permanentes. Essa será, pois, a função de um professor bibliotecário: tecer, dia após dia, um pequeno retalho para acrescentar a uma manta que nunca estará concluída, mas será trabalhada, com afinco e abnegação, a bem do ensino, da educação, de uma Escola que se pretende aberta, plural, dinâmica, inclusiva.

Ana Lídia Lopes,
Professora bibliotecária no Agrupamento de Escolas Dr. António Granjo, Chaves

📷 https://www.rawpixel.com/ 

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  1. Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
  2. Esta rubrica visa apresentar apontamentos breves do quotidiano dos professores bibliotecários, sem qualquer preocupação cronológica, científica ou outra. Trata-se simplesmente da partilha informal de vivências.
  3. Se é professor bibliotecário e gostaria de partilhar um “retalho”, poderá fazê-lo, submetendo este formulário.

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

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