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Blogue RBE

Qui | 21.11.24

Filosofia, bibliotecas e livros

por Júlia Martins* e Joana Rita Sousa**

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Em 2002, a UNESCO instituiu o Dia Mundial da Filosofia, reconhecendo a esta área do saber um papel essencial nas nossas vidas. É comum a ideia de que a filosofia é um saber complexo, demasiado abstrato e inacessível; ao mesmo tempo, outros adoram envolver-se nas questões filosóficas e em reflexões que permitem ampliar o nosso conhecimento do mundo, a curiosidade e a libertação de preconceitos e crenças acríticas.

A propósito do Dia Mundial da Filosofia (que se assinala hoje), Júlia Martins e Joana Rita Sousa marcaram encontro num google doc para conversarem sobre filosofia, livros e bibliotecas.

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Joana: Tenho muita dificuldade em dissociar a leitura, os livros e as bibliotecas do ofício da filosofia. Concordas que o prazer da leitura faz parte do acto de filosofar?

Júlia: Aqueles que fazem da filosofia uma prática, também gostam de ler, estudar e defendem a filosofia enquanto exercício benéfico para as pessoas, em geral, e em particular para a Humanidade. 
Aqueles que amam a filosofia, partilham um gosto especial por frequentar bibliotecas e visitar livrarias em busca de [mais] um livro que poderá ser essencial neste exercício que é filosofar.

Joana: As bibliotecas fazem parte do meu percurso de estudante de filosofia e, mais concretamente, de pessoa que se dedica a investigar as perguntas. A nossa iniciativa dos #LivrosPerguntadores traduz a obsessão que partilhamos por livros que provocam perguntas. No fundo, uma biblioteca não é só um conjunto de livros organizados por temas ou por faixas etárias, ou géneros. Uma biblioteca é um conjunto de perguntas prontas para nos provocar dentro de cada um dos livros. O que pensas desta ideia, Júlia?

Júlia: Numa biblioteca habitam muitos livros. Em cada livro habitam perguntas. No entanto, não basta que existam bibliotecas, livros e perguntas. É necessário pessoas.
Pessoas curiosas, inquietas, provocadoras e que gostem de ser provocadas. Pessoas que gostem de vaguear entre estantes, saltar de livro em livro sempre em busca de uma emoção nunca sentida, daquela informação imprescindível, da viagem inesquecível, de novas geografias conquistadas, das múltiplas vidas vividas ou simplesmente daquele excerto que nos provoca espanto, inquietação e que nos suscita o questionamento. 
As bibliotecas são espaços vivos, dinâmicos onde se constroem saberes, se aprende a fazer, mais e melhor, e onde se descobre que no uno há múltiplo.  
A filosofia e as bibliotecas convergem na categoria tempo. O tempo da leitura, da reflexão e do conhecimento. 
Os professores bibliotecários e os bibliotecários enquanto gestores desses espaços devem ser cuidadores deste tempo e indutores de práticas transformadoras quer no modo de estar, quer no modo de ser.

Joana: Tens experiência como professora bibliotecária. O que foi mais desafiante para ti nesse tempo?

Júlia: Ser professor bibliotecário é um desafio enorme. Desempenhei esse cargo nos primeiros anos de vida da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) foram muitos os desafios. Hoje, fazendo uma retrospetiva constato que alguns foram superados, outros permanecem e novos desafios surgem. Temos de continuar atentos e informados para melhor atuar. A filosofia contribuiu para desempenhar o cargo de forma critica. Naquele tempo foi desafiante:

  • mudar o conceito de espaço nas bibliotecas: abandonar armários fechados com livros, e substituí-los por estantes onde os livros estivessem em livre acesso; haver espaços com diferentes funcionalidades, onde os alunos podiam ouvir música, ver filmes, ler revistas…  foi muito gratificante acompanhar esta mudança e ver as bibliotecas com muitos alunos.
  • induzir um novo conceito de gestão na biblioteca escolar: a criação de um catálogo informatizado; a construção de uma política documental e a criação de redes dentro de uma grande rede que é a RBE.

Talvez o maior desafio tenha sido o de promover a leitura e contribuir significativamente para construção de leitores. Haverá bibliotecas sem leitores?  A formação de leitores é um processo, sabemos onde começa, mas não onde termina.  Criar a necessidade, o hábito de leitura é, e continua a ser, o desafio!   Ler e dar a ler para que cada leitor seja, desde mais tenra idade, um cidadão competente, atento, reflexivo e crítico e que desempenhe um papel ativo na criação de sociedades que se querem livres e democráticas.

A leitura é transversal. É essencial. Lendo compreenderemos melhor o mundo, refletimos de forma mais clara e seremos, sem dúvida, mas inquietos e mais perguntadores. A inquietude dos livros e da leitura não é dissociada das bibliotecas, esses espaços de maravilhamento e descoberta. Espaços onde aprendemos a olhar, a escutar e a sentir o mundo de forma diferente. Não será este o mundo de maravilhamento, de descoberta e de questionamento, o mundo da Filosofia? 

Haverá bibliotecas sem leitores? E haverá filosofia sem o espanto de saber ler e o maravilhamento de dar a ler? 

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Seguem-se seis sugestões de livros para ter nas estantes das bibliotecas escolares. Escolhemos estes livros por permitirem uma grande proximidade entre as pessoas leitoras, a filosofia e as perguntas. Nem todos os livros são sobre conteúdos da história da filosofia. Cada um destes livros é um excelente trampolim para perguntar perguntas que inquietam a humanidade desde há muito.

A escolha foi difícil!  Muitos outros títulos poderiam ser destacados. Porém, há que começar por algum lado. Comecemos por aqui.

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A Bebedeira de Kant
, de David Erlich (Planeta)

“Estes são alguns dos 50 episódios mais improváveis da história da Filosofia. Atravessando o tempo, da Filosofia Antiga, à Medieval, passando pela Filosofia Moderna até chegar à Contemporânea, o filósofo e professor David Erlich traça uma história da filosofia original. Partindo destes episódios curiosos, o autor apresenta o pensamento e o contributo dos mais importantes filósofos de todos os tempos. Mostrando, assim, os temas, as teorias e as ideias filosóficas que todos precisam de conhecer para compreender o mundo em que vivemos e a forma como pensamos.” 

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101 Dilemas Éticos para o filósofo de bancada
, de Eric Chaline (Jacarandá)

“Uma divertida introdução à ética com algumas escolhas morais difíceis, apresentando 101 situações imaginárias - algumas divertidas, outras trágicas, outras ainda desconfortavelmente realistas, que irão confrontar os leitores e levá-los a reexaminar as suas convicções mais profundas sobre o que é certo e o que é errado. Exemplo: imagine que vai a passear e vê uma criança a afogar-se. O lago não é fundo, por isso sabe que pode salvar a criança sem colocar a sua vida em risco. Porém, a água está imunda e naquele dia tem vestido um fato caro. O que deve fazer?”

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Espreita pela Janela
, de Katerina Gorelik (Poets and Dragons)

“Quem não gosta de olhar através das janelas de uma casa de bonecas? Neste livro poderá dar uma espreitadela a muitas delas, cada uma mais intrigante que a outra. Mas, cuidado… o que verá poderá não ser o que parece. Um livro fantástico de Katerina Gorelik, com janelas cortadas na capa e no interior do livro.”

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Grande História Visual da Filosofia
, de Masato Tanaka (Minotauro editora)

 “Mais de 200 conceitos chave da filosofia ocidental explicados com imagens compreensíveis, frescas e inovadoras, que de um modo acessível iluminam processos mentais de grande complexidade e abstração. De Tales a Derrida, passando por Schopenhauer, por fim a filosofia ao alcance de todos.”

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Diálogos Para o Fim do mundo, de Joana Bértholo (ed. caminho)

 “Há uma história de amor, num tempo futuro após o fim do mundo, quando o amor ganhou sentidos novos ou deixou até de fazer sentido. Junto com o cinema, os museus e o próprio tempo. Há um famoso general do exército vermelho e uma velha que se lembra de tudo, do que importa e do que não importa. Três irmãs que carpem o destino dos homens e uma pequenina com ar de imperatriz. Há um cão mítico, e incontáveis pores-do-sol. Há até a bordo uma orquestra prussiana, que todas as tardes toca exactamente a mesma peça de Wagner. Segue tudo e todos juntos, num ajuntamento de opções flutuantes, uma espécie de arca. O que todos mais querem é chegar ao Brasil. Mas não sabemos se o Mundo não acaba entretanto.” 

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Recomeçar
, de Oliver Jeffers (Orfeu Negro, editora)

“Recomeçar é um livro de um pai para os seus filhos, mas também de um artista e activista. Parte de perguntas simples para incentivar uma reflexão conjunta: Onde começámos? Para onde queremos ir? É uma tomada de consciência sobre a realidade humana e as histórias que lhe dão sentido. Para construirmos um futuro por um propósito e por amor. Para que não precisemos de um «eles» para sermos «nós», pois é o que somos.” 

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* Júlia Martins

Acredita no poder da leitura. Dar a ler é um desafio que gosta de abraçar. É leitora e frequenta, de forma assídua, Clubes de Leitura. Saiba mais

**Joana Rita Sousa

É filósofa, perguntóloga e mestre em filosofia para crianças. Desde 2008 que viajo pelo país promovendo oficinas de pensamento crítico e criativo, para todas as idades. Saiba mais

 

📷Imagem criada em https://www.canva.com/

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Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0