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Blogue RBE

Qui | 14.01.21

Equidade educativa, um desafio para esta década

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A educação é um direito humano fundamental e uma condição para o desenvolvimento económico e social, a saúde e o bem-estar. Sem ela, a vida e o mundo seriam infinitamente limitados e destituídos de um propósito. Segundo o Manual para a medição da equidade na educação (Unesco, 2019): “a melhoria do desempenho educacional está associada a maiores ganhos pessoais, à redução da pobreza e a maiores taxas de crescimento da renda nacional [PIB] (Becker, 1975, 2002)” e “ Um número maior de anos de educação está associado a uma melhor saúde, à redução da mortalidade materna e infantil, a menos mortes relacionadas com desastres, a menos conflitos e ao aumento da participação cívica, entre outros benefícios” (p. 10).

É a resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), Transformar o nosso mundo: Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável assumida em 2015 que, pela primeira vez, coloca a equidade no coração da agenda internacional de educação. Na área da educação o ODS 4 desafia os Estados-Membros da ONU a “garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.

O relatório da Rede Euridyce, Equidade na educação escolar na Europa: estruturas, políticas e desempenho dos alunos (outubro de 2020) compara a equidade nos 42 sistemas educativos existentes nos 37 países europeus abrangidos e tem como referência as escolas públicas no ano letivo 2018/ 2019.
Divulgando boas práticas e permitindo que os países aprendam uns com os outros e melhorem as suas políticas internas, constitui-se como um instrumento para tornar os sistemas educativos mais inclusivos e justos.

Porque é que a equidade é importante em educação?
Porque assegura que a origem ou circunstâncias pessoais e sociais - nível de escolaridade e qualificação profissional dos pais, existência em casa de livros infantis e de apoio ao estudo, situações de migração - não sejam um obstáculo a que cada um desenvolva os seus talentos e atinja o seu pleno potencial (justiça social) e que a educação fundamental se dirija a todos (inclusão).
Nos seus documentos oficiais, para referir a equidade os países usam uma diversidade de termos - justiça, igualdade de oportunidades, igualdade/ desigualdade, desvantagem, não discriminação, grupos vulneráveis, grupos de risco e abandono escolar precoce – cujo conteúdo nem sempre coincide.
Apesar da falta de consenso sobre o uso e definição do conceito, a maioria dos sistemas europeus de educação apoia ou promove a equidade, implementando pelo menos uma iniciativa política importante.
Portugal faz parte dos países que tem a equidade educativa na sua agenda, apresentando diferentes medidas, por exemplo:

- Educação e cuidados para a primeira infância (do nascimento até aos 6 anos)
O relatório sublinha que se tem verificado nos últimos anos dos países europeus, entre os quais Portugal, a tendência para implementar estes programas e que a maioria dos países aplicou medidas para melhorar a qualidade e acesso a estes serviços, uma vez que há o reconhecimento de que promovem o desenvolvimento da criança e têm efeitos no seu desempenho escolar, sobretudo nas crianças em situação desfavorecida. No entanto, são estas que menos participam nestes programas, seja pelo seu custo, por barreiras culturais e linguísticas ou falta de informação.
- Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar
Lançado em 2016, considera que são “as comunidades educativas quem melhor conhece os seus contextos, as dificuldades e potencialidades, sendo, por isso, quem está melhor preparado para encontrar soluções locais e conceber planos de ação estratégica, pensados ao nível de cada escola, com o objetivo de melhorar as práticas educativas e as aprendizagens dos alunos” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/ 2016). Visa reduzir para metade as taxas de retenção e abandono escolar.

No cenário português e para igual período, poderiam ter sido consideradas outras medidas, implementadas em Portugal mas que não são referidas no relatório Eurydice, designadamente: diversificação de percursos formativos através de cursos com dupla certificação (escolar e profissional); Apoio Tutorial Específico para alunos do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico com mais de duas retenções; apoio económico nas despesas escolares das famílias de contextos desfavorecidos (Ação Social Escolar); gratuitidade dos manuais escolares. 

O relatório Eurydice examina outros fatores que influenciam positivamente a justiça e inclusão dos sistemas educativos europeus: autonomia das escolas e criação de um clima de escola que valorize o esforço, disciplina, entreajuda e resiliência dos alunos; programas de literacia e numeracia (para os quais a ação da biblioteca escolar contribui); liberdade das famílias na escolha da escola dos seus educandos; orientação vocacional que orienta os jovens e famílias, atuando preventivamente sobre o insucesso e abandono escolar; professores especializados em baixo desempenho dos alunos.

Fatores que prejudicam a equidade são: a falta de financiamento do Estado que, no cenário de pandemia e quebra do rendimento nacional, assume particular preocupação; a retenção dos alunos (apesar de ser uma medida generalizada nos países europeus, apresenta tendência descendente); a concentração de alunos com desempenhos ou condições socioeconómicas semelhantes numa mesma turma ou escola (estratificação e discriminação); a escolha demasiado precoce do percurso educativo.

Não obstante os países europeus apresentarem importantes políticas conducentes à equidade dos alunos, isto não significa necessariamente que esta seja para eles e, por si só, uma prioridade, já que as políticas de equidade educacional são apenas uma dimensão do desempenho dos alunos e da vida na escola. Por isso, “intervenções políticas que podem ter sido concebidas principalmente por outras razões [exemplos: risco de exclusão, abandono escolar e retenção] podem ter impacto em questões de equidade e, por conseguinte, estar a ser abrangidas pelo âmbito deste relatório” (p. 53). A dificuldade em avaliar a equidade em educação resulta, não apenas do facto de as medidas adotadas não se dirigirem especificamente a este fator, mas também de nem sempre produzirem efeitos imediatos, muito embora haja indicadores que sugerem um efeito positivo e duradouro a longo prazo.

Durante a pandemia Covid-19, a perda de atividades letivas e a transição para o ensino à distância agravou a situação dos estudantes desfavorecidos, tornando urgente relançar a promoção da equidade, eficiência e qualidade do sistema público de educação, para que ele continue a contribuir para a realização pessoal e a mobilidade social.

 

Referências

Comissão Europeia/EACEA/Eurydice, 2020. Equity in school education in Europe: Structures, policies and student performance. Eurydice report. Luxembourg: Publications Office of the European Union. Disponível em https://eacea.ec.europa.eu/national-policies/eurydice/sites/eurydice/files/equity_2020_0.pdf .

 

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