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Blogue RBE

Sex | 21.03.25

Entre filtros e ilusões: a ditadura da perfeição

2025-03-21.pngNos dias de hoje, é quase impossível navegar pelas redes sociais sem nos depararmos com imagens aparentemente perfeitas. Rosto impecável, pele sem marcas, olhos grandes e brilhantes, nariz afilado e lábios volumosos. Estas características, potencializadas pelos filtros de beleza e aplicações de edição de imagem, estão a criar um novo fenómeno psicológico preocupante: a dismorfia da selfie.

O que é a dismorfia da selfie?

É um transtorno em que as pessoas desenvolvem uma perceção distorcida da sua aparência, influenciada pelos padrões irreais impostos pelos filtros e editores digitais. Este fenómeno está relacionado com o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), uma condição psicológica que leva à obsessão com supostos defeitos na aparência física.

A exposição constante a imagens editadas faz com que muitas pessoas comecem a ver-se de forma negativa no mundo real, comparando-se não apenas a influenciadores e celebridades, mas também às versões irreais de si mesmas criadas pelos filtros. O impacto destas comparações pode ser devastador para a autoestima e a perceção da própria imagem corporal.

O impacto na autoestima e na saúde mental

A busca incessante pela "perfeição digital" pode levar a diversos problemas psicológicos, incluindo:

  • Baixa autoestima: A pessoa passa a sentir-se inadequada e insatisfeita com a sua aparência real, uma vez que nunca consegue atingir o padrão artificial criado pelos filtros.

  • Ansiedade social: O medo de não corresponder à imagem idealizada pode levar ao isolamento social, ao receio de se expor em ambientes públicos e até à recusa de encontros presenciais.

  • Depressão: A frustração constante por não atingir padrões inatingíveis pode resultar em sintomas depressivos, agravando o bem-estar emocional.

  • Aumento do suicídio juvenil: Estudos indicam que a pressão estética e a insatisfação corporal estão entre os fatores de risco para o aumento de taxas de suicídio entre os jovens, especialmente entre as adolescentes, que são o grupo mais vulnerável a estas influências. O impacto da comparação digital e a constante exposição a imagens inatingíveis contribuem para sentimentos de desespero e inadequação, levando alguns jovens a desenvolverem transtornos psicológicos graves.

  • Busca excessiva por procedimentos estéticos: Muitas pessoas recorrem a cirurgias plásticas e procedimentos invasivos para tentarem replicar a imagem filtrada na vida real, o que pode gerar arrependimento, complicações de saúde e dependência de alterações corporais constantes.

Os grupos mais afetados por esta problemática incluem adolescentes, especialmente raparigas, que estão mais expostas à pressão estética e à comparação social nas redes. Além disso, indivíduos com transtornos de ansiedade, baixa autoestima ou propensão a problemas de imagem corporal são particularmente vulneráveis. A comunidade LGBTQ+ também enfrenta desafios adicionais, devido às expectativas irreais impostas sobre a aparência e a aceitação social no ambiente digital.

A influência das redes sociais e a responsabilidade das plataformas

As redes sociais desempenham um papel fundamental na propagação destes padrões irreais. O uso de filtros tornou-se tão comum que, em muitos casos, é difícil distinguir uma foto editada de uma imagem natural. Além disso, o algoritmo das redes favorece conteúdos visualmente "perfeitos", reforçando a ideia de que só quem se encaixa nestes padrões recebe atenção e validação.

Algumas plataformas já começaram a tomar medidas para reduzir este impacto negativo, como o Instagram, que removeu certos filtros que simulavam procedimentos estéticos. No entanto, estas mudanças ainda são insuficientes, pois as aplicações de edição continuam acessíveis e amplamente utilizadas.

A responsabilidade também recai sobre os utilizadores, que devem praticar um consumo consciente de conteúdo e questionar os padrões irreais impostos pelo mundo digital.

A educação para a literacia mediática e a consciência dos efeitos psicológicos destas imagens são essenciais para mitigar os danos causados por esta tendência.

Como combater a desmorfia da selfie?

  • Praticar a autoestima real: Aceitar a própria aparência e valorizar características autênticas, reconhecendo que a beleza não está apenas na perfeição física, mas na individualidade.

  • Reduzir o uso de filtros: Evitar a dependência de edição extrema nas fotos, promovendo uma imagem mais realista e natural de si mesmo.

  • Seguir conteúdo positivo: Acompanhar perfis que promovem a autoaceitação e a diversidade de corpos, em vez de apenas aqueles que reforçam padrões inalcançáveis.

  • Fomentar um ambiente digital mais saudável: Partilhar imagens reais e incentivar conversas sobre os perigos da edição excessiva.

  • Procurar ajuda psicológica: Se a insatisfação com a aparência está a afetar a saúde mental, procurar um profissional é essencial; os psicólogos podem ter uma ação decisiva para trabalhar questões de autoimagem e autoestima.

O papel das bibliotecas escolares no combate à dismorfia da selfie

As bibliotecas escolares podem desempenhar um papel fundamental na promoção de uma relação mais saudável com a autoimagem e o mundo digital. Algumas formas através das quais as bibliotecas podem ajudar incluem:

  • Educação para a literacia mediática: Promover sessões e workshops sobre o impacto dos filtros e da edição de imagem, ajudando os alunos a compreenderem o modo como as redes sociais podem distorcer a perceção da realidade.

  • Criação de espaços de reflexão: Disponibilizar materiais e livros que abordem temas como autoestima, imagem corporal e os perigos da comparação digital.

  • Promoção de debates e campanhas de consciencialização: Organizar palestras com especialistas em psicologia e mediação digital para discutir a influência das redes sociais na perceção da autoimagem. Incentivar os alunos a criarem campanhas de sensibilização sobre o assunto.

  • Incentivo à representação realista da imagem corporal: Dinamizar sessões de leitura de livros e conteúdos que apresentem diversidade de corpos e narrativas que valorizem a aceitação do próprio corpo, complementadas com debates e reflexões.

  • Parcerias com professores e pais: Criar programas educativos que incentivem o diálogo entre alunos, professores e famílias sobre os desafios do mundo digital e a necessidade de um consumo consciente de redes sociais.

A dismorfia da selfie é um problema crescente que merece atenção. Num mundo onde a aparência digital pode ser facilmente manipulada, é fundamental reforçar que a verdadeira beleza está na autenticidade e na autoaceitação. O primeiro passo para combater este fenómeno é levar a reconhecer que não são necessários filtros para se ser belo na vida real.

Nos ambientes educativos em que nos movemos, é crucial promover um ecossistema digital mais saudável e encorajar uma relação mais equilibrada com a própria imagem. Passar a mensagem de que a beleza real é aquela que reflete quem realmente somos, sem a pressão de nos encaixarmos em padrões artificiais e inalcançáveis deve estar, também, nos objetivos das bibliotecas escolares.

Ao investirem na literacia mediática e na promoção de uma autoestima saudável, elas tornam-se agentes da prevenção da dismorfia da selfie e contribuem para o desenvolvimento de uma geração mais crítica e equilibrada em relação à sua imagem.


Referências

📷 Imagem de Polina Tankilevitch de Pexels via https://www.canva.com/ 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0