Entre estantes, histórias e sonhos
por Paula Carriço (Professora Bibliotecária, AE Mouzinho da Silveira, Moita)

Há mais de 25 anos, a minha jornada como professora bibliotecária começou de forma um pouco... peculiar. Na altura, as estantes da biblioteca estavam trancadas, o acesso ao espaço era restrito, e os utilizadores, mais do que visitantes, eram quase considerados intrusos. A ideia de um "espaço vivo" parecia uma utopia distante, como se a biblioteca fosse um santuário, e nós, os bibliotecários, os guardiões das relíquias do conhecimento. Com o passar do tempo e uma boa dose de persistência (e paciência), fui quebrando as barreiras. Abri as estantes. Abri as portas. Abri a mente. Aos poucos, a biblioteca deixou de ser um local fechado, quase misterioso, para se tornar um verdadeiro ponto de encontro. Não foi fácil, claro! Por detrás de cada mudança houve reuniões, sensibilizações, conversas, mas também muitos risos e momentos de (feliz) caos. Afinal, transformar uma BE não é só mudar móveis, é mudar mentalidades. O que me motiva todos os dias é poder dar continuidade a este trabalho, é criar projetos, trabalhar novas ideias, construir novas pontes. As estantes, que antes estavam trancadas, agora estão abertas, não só fisicamente, mas também emocionalmente.
A biblioteca escolar passou a ser um espaço acessível, inclusivo e, mais importante, um lugar onde a imaginação não tem limites. O que mais me orgulha, além das estantes abertas, é o espírito de comunidade que criámos. Não há mais "portas fechadas", só a vontade de partilhar, aprender e crescer juntos. E, claro, nada substitui o cheirinho de livro novo ou a sensação de folhear páginas. Por mais que a tecnologia nos ofereça uma janela para o mundo, a biblioteca continua a ser o palco onde as histórias começam. Este ano, um dos projetos que mais me encheu de orgulho foi o "Mouzinho Aberto ao Mundo", proposta da Biblioteca Escolar e uma verdadeira celebração das múltiplas nacionalidades presentes no nosso agrupamento. O objetivo era, mais do que conhecer as várias culturas, criar um espaço de diálogo e partilha. O projeto envolveu várias disciplinas e todos os ciclos de ensino, uma verdadeira colaboração entre professores e alunos de diferentes idades e backgrounds. O resultado foi surpreendente. As turmas criaram casais de bonecos feitos em papel, utilizando a técnica dos rolinhos, representando cada um dos países existentes na nossa comunidade escolar. Foi emocionante ver cada turma não só a explorar as características culturais, mas a fazer a ponte entre a arte, a história e a identidade. Além disso, produzimos um vídeo que integrou todos os contributos das disciplinas envolvidas, um retrato visual e sonoro do que foi a diversidade cultural na nossa escola. A biblioteca, como centro de recursos e ideias, foi o lugar ideal para dar vida a este projeto.
Se há algo que aprendi nesta jornada de mais de 25 anos, é que a educação, como a biblioteca, deve ser um espaço aberto e em constante evolução. Às vezes, a chave para a transformação está apenas em deixar a porta aberta. Ou, neste caso, as estantes. Ou, ainda, abrir as portas para o mundo, como fizemos com o projeto "Mouzinho Aberto ao Mundo".
Paula Carriço
Professora Bibliotecária, AE Mouzinho da Silveira, Moita
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- Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
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