Enfrentar o discurso de ódio através da educação
Entende a UNESCO que enfrentar o desafio do discurso de ódio é um problema urgente para as sociedades de todo o mundo.
Avanços recentes nas tecnologias da informação, nas comunicações e nos meios de comunicação de massa online alteraram de forma significativa o ritmo e o alcance de sua disseminação, o que levou a um aumento alarmante na proliferação e nos impactos do discurso de ódio dirigido a indivíduos e grupos.
O discurso de ódio representa uma ameaça direta à realização da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, pois compromete os direitos humanos e a coesão social, desafia a segurança dos membros de grupos-alvo e das sociedades democráticas, e reduz o potencial para as pessoas terem experiências de vida equitativas em comunidades multiétnicas e multiculturais.
Assim, é imperativo que os governos locais, regionais e nacionais, assim como as organizações internacionais, abordem a proliferação desse tipo de discurso.
Considera a UNESCO que lutar contra o discurso de ódio depois de ele acontecer não é suficiente, devendo ser evitado, combatendo-se as suas causas profundas através da educação. As estratégias para moderar e reduzir a sua propagação exigem apoio e investimento em abordagens educativas que sensibilizem e fortaleçam a resiliência dos estudantes que possam vir a ter contacto com esse tipo de discurso.
Diante disso, a UNESCO publicou recentemente Enfrentar o discurso de ódio por meio da educação: Um guia para formuladores de políticas[i] que tem como objetivo deslocar a questão do discurso de ódio, que enfoca quase exclusivamente a correção através da vigilância e da monitorização, para o combate ao problema através da educação, uma abordagem consistente com a Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas contra o Discurso de Ódio, lançada em 2019, que enfatiza a necessidade de se enfrentar as causas e os aspetos motivadores, ao mesmo tempo que os seus impactos são mitigados.
Também é consistente com os esforços da UNESCO para aperfeiçoar capacidade de os sistemas educativos enfrentarem os desafios mundiais à paz, à justiça, aos direitos humanos, à igualdade de género, ao pluralismo, ao respeito à diversidade e à democracia.
Principais recomendações
1. Priorizar a questão do discurso de ódio e tomar medidas para combatê-lo com planos de implementação concretos, incluindo marcos de ação e alocações orçamentárias.
2. Integrar os esforços para combater o discurso de ódio nas iniciativas existentes do setor de educação para fornecer uma abordagem integral da questão.
3. Garantir que as estratégias aplicadas para enfrentar o discurso de ódio defendam o direito à liberdade de expressão.
4. Estabelecer e implementar orientações e mecanismos claros para apoiar indivíduos e grupos que são alvo do discurso de ódio em ambientes educativos, incluindo mecanismos claros de denúncia e normas de conformidade.
5. Incorporar nos currículos formais atividades educativas que abordem as causas profundas do discurso de ódio, prestando especial atenção às desigualdades históricas e contemporâneas.
6. Criar e atualizar continuamente os currículos relativos a Alfabetização Mediática e Informacional e cidadania digital.
7. Incluir nos currículos atividades educativas para fortalecer habilidades de pensamento crítico, aprendizagem social e emocional, diálogo intercultural e cidadania global, a fim de promover a mudança de comportamento pró-social necessária para enfrentar o discurso de ódio e promover a inclusão e a diversidade.
8. Incentivar atividades extracurriculares que conduzam ao pensamento crítico e ao diálogo intercultural e que sejam capazes de contribuir para um ambiente inclusivo.
9. Desenvolver e implementar mecanismos para incentivar e capacitar as escolas a garantir que o clima de aprendizagem nas salas de aula seja seguro, respeitoso e inclusivo, para que se tornem modelos de diversidade e inclusão, e para que cultivem uma abordagem de toda a escola nos esforços destinados a enfrentar o discurso de ódio.
10. Fornecer aos educadores e aos líderes escolares formação em serviço para dotá-los de novas abordagens educacionais, para que sejam capazes de responder e enfrentar o discurso de ódio nas suas atividades diárias e nas interações com os estudantes.
11. Construir a resiliência dos sistemas educacionais por meio de um esforço integrado, incluindo o apoio familiar e comunitário e parcerias com várias partes interessadas.
12. Estabelecer critérios para avaliar e analisar a eficácia das intervenções que visam a enfrentar o discurso de ódio.
E as bibliotecas?
Se algumas das recomendações elencadas implicam decisões políticas e planos de ação detalhados, outras podem ser assumidas desde já, estando perfeitamente alinhadas com aquela que é ação das bibliotecas, tal como se encontra modelada pelo Quadro Estratégico da Rede de Bibliotecas Escolares.
Assinalamos a negrito pontos de contacto com o nosso trabalho, encontrando-se à cabeça, naturalmente, a sexta recomendação, que põe a tónica na a Alfabetização Mediática e Informacional e cidadania digital, uma preocupação que a RBE tem colocado na agenda das bibliotecas já há muito tempo, especialmente desde 2012, quando publicou o referencial Aprender com a Biblioteca Escolar. A mesma preocupação tem sido espelhada em propostas de trabalho como o concurso Medi@ação, o Projeto Debaqi, a iniciativa Da tua biblioteca ao Público ou mesmo os Miúdos a votos. O imperativo deste trabalho tem sido também evidenciado pelo facto de a literacia dos media e da informação ser prioridade para as bibliotecas escolares desde 2020.
Também as recomendações que remetem para a interculturalidade e questões de cidadania estão perfeitamente alinhadas com a ação que tem vindo a ser desenvolvida pelas bibliotecas, indo ao encontro do propósito do eixo Pessoas: “Garantir que as bibliotecas são organizações que promovem a defesa da dignidade humana e da justiça, o compromisso com a equidade e o valor da diversidade, da democracia e da liberdade”.
Continuemos pois, a nossa labuta diária, fortalecendo o pensamento crítico e a inclusão, na certeza de que estamos a fazer a nossa parte na defesa da paz, da justiça e dos direitos humanos.
[i] UNESCO (2023) Enfrentar o discurso de ódio por meio da educação: Um guia para formuladores de políticas. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000387092/PDF/387092por.pdf.multi
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