DUDH: A internet livre e aberta está em risco?
Este artigo é a continuação de: Na era digital, a liberdade está em crise?
1. Dia Internacional dos Direitos Humanos: direito ao ambiente e direitos digitais
A 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que estabelece um ideal de liberdade e justiça a ser alcançado por todos os povos e nações, através de legislação e costumes/moralidade: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Art.º 1.º da Declaração).
Decorridos 76 anos, ampliaram-se os direitos ou liberdades fundamentais. Passaram a ser considerados, não apenas os direitos civis (e.g. liberdade de expressão), políticos (e.g. ao voto) e sociais (e.g. à educação, saúde, trabalho digno), as 3 primeiras gerações de direitos, mas também o direito ao ambiente e os direitos tecnológicos para o mundo digital que, por esta ordem, formam os direitos de quarta e quinta gerações.
O direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável (ONU, 2021) corresponde a uma mudança de paradigma. Passa-se de um modelo antropocêntrico para um modelo global e interdependente de direitos humanos, que valoriza e dignifica todas as espécies e elementos da natureza e estabelece uma ética da responsabilidade para com as futuras gerações, que devem ter os mesmos direitos.
A consagração dos direitos digitais resulta da importância crescente da liberdade de expressão e privacidade e marca um novo modelo de direitos: os direitos exercidos na vida real devem poder ser exercidos também na internet (cidadania digital). Abrangem, entre outros direitos, conetividade universal e de qualidade, internet aberta, literacia digital, transparência dos algoritmos e direito ao esquecimento. No espaço europeu foram instituídos, entre outros documentos, pela Declaração Europeia sobre os direitos e princípios digitais para a década digital (Comissão Europeia, dez. 2022) e pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (2018). Em Portugal, pela Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, Lei nº 27/2021.
2. Quais as consequências do capitalismo digital para os direitos digitais?
Quando a Rede Mundial de Computadores, World Wide Web (WWW), foi criada, em 1989, por Tim Berners-Lee, foi idealizada como um sistema global de informação acessível a todos, sem restrições e sem controle excessivo de governos ou empresas.
Vint Cerf e Bob Kahn, "pais da Internet" que transformaram uma rede militar e académica limitada (ARPANET) num sistema global e interconectado, também defendem uma internet acessível e aberta.
A World Wide Web Foundation, criada em 2009 por Berners-Lee, defende uma rede descentralizada, acessível, justa (sem discriminação), de comunicação livre (liberdade de expressão), que garante a privacidade para todos.
Este ideal está comprometido pelo controlo crescente da internet por grandes corporações, baseado num modelo personalizado de internet assente na vigilância e na pressão de lucro (capitalismo digital). As consequências são profundas para os direitos digitais, por exemplo:
- Direito à privacidade: dados pessoais são recolhidos, tratados e vendidos, muitas vezes sem o consentimento dos seus titulares, permitindo a criação de perfis do utilizador que podem ser usados para fins comerciais e manipulação política e social, como apresentado no documentário The Great Hack - título português, Nada é Privado: O Escândalo da Cambridge Analytica;
- Liberdade de expressão: as grandes plataformas controlam os conteúdos visíveis ou suprimidos, muitas vezes através de algoritmos pouco transparentes. As regras de moderação de conteúdos não são aplicadas de forma justa, podendo excluir vozes marginalizadas ou favorecer determinados discursos, como apresentado no documentário The Cleaners.
Quem controla o que vemos e pensamos?
Quais os critérios de eliminação e publicação (excluir… ignorar…)?
Esta atividade é compatível com uma democracia?
Isto, sem falar nas desigualdades no acesso à internet devido à restrição de conteúdos ou serviços.
O capitalismo digital põe em risco a visão original de uma rede livre, aberta e inclusiva. Superar estes desafios requer esforços coordenados dos governos, organizações e cidadãos para regular e fiscalizar as práticas destas corporações, promover a literacia digital e promover a justa participação de todos.
As bibliotecas escolares contribuem, dia a dia, nas comunidades, para esta consciencialização e para que cada um conheça os seus direitos e saiba como exercê-los, sem deixar de cumprir os deveres a que está obrigado, pois os direitos digitais são universais e reforçam-se quando o maior número de pessoas os exerce.
Observação:
Este artigo resultou de uma comunicação, junto de alunos de Filosofia e professores, do Agrupamento de Escolas de Bonfim, Portalegre.
Referências
- 📷 Bloco & Beetz, Christian & Riesewieck, Moritz. (2018). The Cleaners. https://www.youtube.com/watch?v=1h7-JyQ-JR4
- Noujaim, Jehane & Amer, Karim. (2019). Nada é Privado: O Escândalo da Cambridge Analytica. https://www.netflix.com/pt/title/80117542
- Pereira da Silva, Jorge. (2024). Direitos Fundamentais para o Universo Digital. FFMS. https://ffms.pt/pt-pt/livraria/direitos-fundamentais-para-o-universo-digital