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Blogue RBE

Qua | 09.04.25

Democracia em tempos de algoritmos

2025-04-09.pngA IA está cada vez mais presente nas nossas vidas e na sociedade, influenciando os conteúdos que vemos nas redes sociais, nas pesquisas na internet e, de forma geral, moldando o nosso acesso à informação. Se, por um lado, o processamento e a análise de dados pela IA permitem avanços significativos em várias áreas do conhecimento, por outro lado, essa mesma tecnologia apresenta novos desafios que implicam a utilização do nosso discernimento e sentido crítico.

Assim, no contexto atual, é fundamental que todos nós desenvolvamos a capacidade de questionar, analisar e refletir criticamente sobre as mensagens que recebemos, produzimos e partilhamos. A 13.ª edição da Operação 7 Dias com os Media, que decorrerá de 3 a 9 de maio de 2025, sob o mote “IA, Eu Penso!”, promove a reflexão sobre como podemos, coletivamente, assegurar que o avanço da IA seja acompanhado por um fortalecimento do pensamento crítico, promovendo uma sociedade mais informada, equitativa, consciente e livre. Esta iniciativa, promovida pelo Grupo Informal sobre Literacia Mediática (GILM), convida, portanto, a desenvolver iniciativas e conteúdos que explorem dois eixos essenciais: a Inteligência Artificial (IA) e o Pensamento Crítico.

A Rede de Bibliotecas Escolares está a preparar a participação das bibliotecas escolares nesta Operação. Para além das sessões formativas propostas (Oficina interativa a distância: IA: Upgrade ou Game Over?, para alunos do Ensino Secundário e  Workshop para bibliotecas escolares: Inteligência artificial e pensamento crítico , para docentes) pretende-se também promover uma reflexão crítica sobre temas emergentes e fundamentais para a cidadania contemporânea (ver sugestões de atividades).

Entre estes temas destaca-se a forma como a política está a ser transformada pela tecnologia. A Inteligência Artificial (IA), aliada ao poder das redes sociais e das tecnologias digitais, está a mudar não apenas o que pensamos, mas sobretudo o modo como pensamos sobre política.

Num mundo hiperconectado, onde algoritmos filtram a informação a que temos acesso e conteúdos manipulados circulam com facilidade, torna-se urgente desenvolver uma consciência crítica sobre o impacto da IA nos processos democráticos.

Considerando que em breve decorrerão importantes eleições em Portugal, é particularmente relevante que os jovens — muitos dos quais a aproximarem-se da idade em que se tornam eleitores — sejam capazes de reconhecer as estratégias de influência mediadas pela IA e de analisar criticamente a informação política que consomem.

A biblioteca escolar, enquanto espaço privilegiado de formação para a literacia informacional e mediática e para o pensamento crítico, assume aqui um papel essencial. É neste contexto que se propõe trabalhar com os alunos, desafiando-os a refletir sobre a influência da tecnologia na democracia.

Neste artigo, analisamos os principais desafios e oportunidades que a IA traz para o espaço político atual — focando especialmente o contexto europeu — e algumas sugestões práticas para refletir sobre estes temas na biblioteca. No âmbito do Referencial Aprender com a biblioteca escolar, disponibilizamos também, hoje, uma proposta de atividade para alunos do Ensino Secundário especificamente sobre esta temática: Entre bots e votos: quem manda em quem?.

O poder invisível do microtargeting: quando cada voto é tratado como único

A utilização de IA em campanhas eleitorais tornou-se uma ferramenta poderosa de microtargeting — a capacidade de enviar mensagens políticas altamente personalizadas a segmentos específicos do eleitorado. Esta abordagem permite que os candidatos falem diretamente aos interesses, valores e preocupações dos indivíduos, muitas vezes sem que estes se apercebam da segmentação.

Ao analisar grandes volumes de dados (big data) provenientes de redes sociais, pesquisas online e outras fontes digitais, os algoritmos conseguem identificar preferências, medos, comportamentos e interesses individuais. Munidas destas informações, as campanhas políticas moldam estratégias de comunicação dirigidas, adaptando os seus discursos, mensagens e propostas a cada perfil, aumentando significativamente a probabilidade de influenciar decisões de voto e moldar opiniões de forma quase invisível.

Na Europa, temos visto vários exemplos relevantes:

  • No referendo do Brexit (Reino Unido, 2016), a empresa Cambridge Analytica utilizou perfis psicológicos de milhões de eleitores para personalizar mensagens políticas e influenciar votações.

  • Em França, nas eleições presidenciais de 2017, assistiu-se ao uso de estratégias de microsegmentação de dados para adaptar mensagens políticas a diferentes públicos nas redes sociais.

  • Na Alemanha, os especialistas vêm alertando para o uso crescente de tecnologias baseadas em IA, incluindo campanhas de desinformação e manipulação digital, como ameaças sérias às eleições

Embora o microtargeting torne as campanhas mais eficazes e permita uma comunicação política mais direcionada, levanta questões éticas importantes que merecem atenção. A desigualdade de acesso à informação surge quando apenas alguns grupos recebem determinadas mensagens, distorcendo a igualdade de oportunidades no debate público. A opacidade dos métodos usados torna difícil para os eleitores saberem como e por que razão estão a ser alvo de determinadas comunicações. Além disso, esta prática contribui para a fragmentação do debate público, pois cada cidadão é exposto a narrativas diferentes, comprometendo a existência de uma esfera pública comum onde se possam confrontar ideias de forma aberta e transparente.

Questões para reflexão:

Design sem nome.jpg

Se cada eleitor recebe uma mensagem política diferente, ainda partilhamos um debate público comum?

Como garantir a transparência nas campanhas digitais?

Deepfakes: a nova fronteira da manipulação política

Outra tecnologia impulsionada pela IA que levanta desafios sérios à política contemporânea são os deepfakes — vídeos, áudios ou imagens manipulados que recriam com realismo impressionante figuras públicas, podendo induzir em erro o público e comprometer a confiança nas fontes de informação. Graças aos avanços nos algoritmos de geração de conteúdo, estas manipulações tornaram-se cada vez mais difíceis de detetar, o que representa um risco acrescido para a integridade dos processos democráticos. A facilidade com que um deepfake pode ser partilhado nas redes sociais amplia o seu impacto, permitindo que informação falsa ou enganadora se propague rapidamente antes de ser desmentida.

  • Em França, durante as eleições europeias de 2024, circularam vídeos manipulados com recurso a inteligência artificial (deepfakes), visando influenciar a perceção pública de figuras políticas proeminentes.

  • Na Europa, existem preocupações crescentes sobre o impacto de deepfakes nas campanhas eleitorais, embora até ao momento os exemplos mais discutidos se refiram sobretudo a riscos previstos e menos a casos documentados de grande escala.

No atual contexto, teme-se que a proliferação de deepfakes corroa gravemente a confiança do público nos conteúdos audiovisuais e, por extensão, no próprio debate democrático. Quando os cidadãos não conseguem distinguir entre o que é real e o que é fabricado, instala-se um clima de desconfiança generalizada em relação à informação disponível. Este fenómeno, conhecido por "crise de autenticidade", pode reduzir a eficácia da comunicação política legítima, dificultar a formação de opiniões fundamentadas e enfraquecer a participação cívica. Assim, o impacto dos deepfakes não se limita a episódios isolados de desinformação, mas ameaça a própria qualidade e estabilidade do processo democrático.

Questões para reflexão:

Design sem nome.jpgSe não pudermos confiar no que vemos ou ouvimos, como protegemos a verdade na esfera pública?

Que estratégias educativas podem ajudar a reconhecer e combater os deepfakes?


Algoritmos e redes sociais: a criação de bolhas informativas

As redes sociais utilizam algoritmos para filtrar e priorizar o conteúdo que cada utilizador vê, com base nos seus interesses, comportamentos anteriores e padrões de interação. Estes algoritmos procuram maximizar o tempo de permanência dos utilizadores nas plataformas, apresentando-lhes conteúdos que reforcem as suas preferências e visões de mundo. Como resultado, criam-se as chamadas bolhas de informação ou câmaras de eco, ambientes digitais onde predominam opiniões semelhantes e onde as ideias divergentes têm pouca visibilidade.

Casos documentados na Europa:

  • Nas eleições para o Parlamento Europeu (2024), foram identificadas campanhas organizadas de desinformação — como as operações "False Façade", "Portal Kombat" e "Doppelgänger" — que procuraram manipular o contexto informativo e polarizar o debate político.

  • Na Roménia, durante a eleição presidencial de 2024, surgiram denúncias de campanhas coordenadas de desinformação, sobretudo através do TikTok, levantando sérias preocupações sobre a integridade do processo eleitoral.

As bolhas informativas reforçam crenças existentes, pois expõem os utilizadores apenas a ideias e opiniões que confirmam as suas visões prévias, reduzindo a abertura à diversidade de perspetivas. Este isolamento informativo limita a capacidade de questionar, ponderar e confrontar diferentes pontos de vista, enfraquecendo o pensamento crítico e a capacidade de debate argumentativo. Como consequência, o contacto com perspetivas divergentes diminui significativamente, prejudicando o debate democrático plural e dificultando a construção de consensos sociais alargados, essenciais à vitalidade das democracias.

Questões para reflexão:

Design sem nome.jpgComo podemos incentivar o contacto com opiniões divergentes?

Que competências devem ser desenvolvidas para uma literacia digital crítica?


A biblioteca escolar, enquanto espaço de literacia, é chamada a contribuir para as reflexões que levantamos ao longo do artigo e para a formação de cidadãos informados, conscientes e participativos.

Ao incentivar os alunos a questionarem as fontes de informação, a analisarem criticamente os conteúdos que consomem e partilham e a debaterem ideias de forma fundamentada, a biblioteca contribui para o fortalecimento da democracia e para a construção de uma sociedade mais consciente e plural.

Sugere-se também que as bibliotecas escolares partilhem informações e incentivem momentos de reflexão e diálogo sobre estes temas entre os docentes, promovendo a integração transversal da literacia informacional e mediática e congregando vontades neste Ano Europeu da Educação para a Cidadania Digital

Refletir e debater: IA e democracia

Para promover o debate sobre este tema nas bibliotecas escolares, propõe-se a visualização e análise dos seguintes vídeos:

Questões para debate:

Design sem nome.jpgComo está a tecnologia a transformar a política?
Que estratégias podem ser adotadas para proteger a democracia na era da IA?
Que papel podem ter os jovens na promoção da literacia informacional de mediática e do pensamento crítico?


Referências

📷 Imagem criada com ChatGPT e Canva

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0