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Blogue RBE

Sex | 04.04.25

Crianças e ecrãs: o que os professores precisam de saber

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O mundo digital está presente no quotidiano de toda a sociedade atual, incluindo, de forma muito marcante, o das crianças e jovens. Para os professores, este cenário representa simultaneamente um desafio e uma oportunidade. Como tirar partido do potencial educativo das tecnologias sem ignorar os riscos associados?

Da responsabilidade da organização Children and Screens: Institute of Digital Media and Child Development, o recente Handbook of Children and Screens: Digital Media, Development, and Well-Being from Birth Through Adolescence surge como uma referência importante para quem deseja compreender, com base na investigação científica, os efeitos dos ecrãs no desenvolvimento infantil e juvenil.

Este livro reúne os contributos de quase 400 especialistas de diversas áreas do conhecimento, oferecendo uma abordagem interdisciplinar e cientificamente rigorosa. Explora o impacto dos ecrãs desde os primeiros anos de vida até à adolescência e está disponível em acesso livre, o que permite que qualquer professor o possa consultar gratuitamente, incentivando assim uma formação mais acessível e atualizada.

Neste artigo, sintetizamos os pontos mais relevantes da obra para o contexto escolar e apresentamos recomendações práticas.

Temas essenciais para a escola

Desenvolvimento cognitivo e uso de ecrãs

O uso excessivo de ecrãs pode comprometer a atenção, a memória de trabalho e a linguagem, sobretudo em idades mais precoces. A exposição passiva, como ver vídeos sem interação, mostra-se menos benéfica do que experiências mediadas por adultos ou com intenção educativa. Neste contexto, os professores desempenham um papel essencial ao promoverem um uso da tecnologia que estimule a criatividade, o pensamento crítico e a aprendizagem ativa.

Saúde mental e bem-estar

O uso das redes sociais está associado a dificuldades de autoestima, ansiedade e sintomas depressivos entre os adolescentes. A obra identifica grupos mais vulneráveis (como adolescentes com baixa autoestima, jovens com histórico de ansiedade ou depressão, e aqueles que experienciam dificuldades familiares ou exclusão social) e reforça o papel da escola na promoção do bem-estar emocional, salientando a importância de reconhecer sinais como isolamento, agressividade ou falta de concentração, que devem merecer especial atenção por parte dos educadores.

Destaca ainda a importância de prevenir e lidar com situações de assédio e cyberbullying, promovendo ambientes digitais seguros e relações respeitosas entre os pares.

Sono e rendimento escolar

A utilização de ecrãs antes de dormir tem efeitos negativos sobre a qualidade do sono, interferindo com o ritmo biológico e dificultando o adormecer. A exposição prolongada à luz azul dos dispositivos digitais, especialmente ao final do dia, inibe a produção de melatonina e atrasa o ciclo natural do sono. Um sono inadequado prejudica a concentração, a memória e o desempenho escolar, além de poder afetar o humor, a estabilidade emocional e a capacidade de autorregulação.

Estas alterações podem manifestar-se na escola sob a forma de cansaço, irritabilidade ou dificuldade em manter a atenção durante as atividades letivas.

Parentalidade e ecrãs

O envolvimento ativo dos pais na mediação do uso de ecrãs é crucial para um desenvolvimento equilibrado. Recomenda-se que as escolas abordem este tema em reuniões com encarregados de educação, fomentando uma colaboração construtiva e um alinhamento entre práticas escolares e familiares.

Neste âmbito, é também importante promover rotinas saudáveis relacionadas com o sono, como desligar os dispositivos com antecedência, evitar o uso de ecrãs no quarto e incentivar outras formas de relaxamento antes de dormir.

Estas medidas, quando trabalhadas em parceria com as famílias, contribuem para o bem-estar e o sucesso educativo dos alunos.

Jogos e comportamentos de risco

O uso problemático da internet e a dependência de videojogos são preocupações em crescimento. A escola pode assumir um papel preventivo através da promoção da literacia digital e da valorização de atividades que incentivem o tempo livre ativo, a socialização e a autonomia dos alunos.

Literacia informacional e mediática: uma missão da escola

A literacia informacional e mediática é uma competência essencial no século XXI, sendo imprescindível para lidar com os desafios associados ao uso generalizado da tecnologia entre crianças e jovens. A escola tem um papel decisivo na formação de cidadãos críticos, empáticos e responsáveis no ambiente online.

A esse propósito, destacamos o trabalho da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), que tem vindo a assumir um papel central na promoção de competências digitais, na educação para os media e no uso crítico e informado da tecnologia. Através da dinamização de projetos, formação, oficinas e recursos pedagógicos, a RBE contribui de forma significativa para a capacitação de alunos e professores, promovendo práticas seguras, éticas e criativas no uso das tecnologias em contexto escolar. 

O livro Handbook of Children and Screens apresenta ainda exemplos de boas práticas pedagógicas e projetos que vão ao encontro destas iniciativas, incentivando uma relação saudável com a tecnologia. Estes exemplos serão objecto de uma publicação futura, onde exploraremos de forma mais aprofundada a sua ligação ao contexto educativo português.

Recomendações práticas para professores

As recomendações que apresentamos abaixo, com base nas propostas do próprio livro, visam apoiar os professores na criação de contextos educativos mais equilibrados e conscientes no uso da tecnologia.

Pausas regulares e momentos sem ecrã

Em primeiro lugar, é importante incentivar pausas regulares e momentos sem ecrã durante o dia letivo, permitindo que os alunos se envolvam em atividades físicas, interações presenciais e momentos de autorregulação. Estas pausas podem ser integradas de forma simples na rotina escolar, por exemplo, através de momentos de alongamentos, jogos tradicionais no recreio, atividades de respiração ou relaxamento entre blocos de trabalho, e até pequenas conversas em círculo.

Estas estratégias ajudam a reduzir a fadiga digital, a manter a atenção e a promover uma maior concentração nas tarefas escolares.

Integração pedagógica da tecnologia

Outra prática essencial é o desenvolvimento de atividades que integrem a tecnologia com intencionalidade pedagógica, ou seja, que utilizem ferramentas digitais não como fim em si, mas como meio para aprofundar aprendizagens, promover a criatividade e desenvolver competências transversais, como a resolução de problemas e o trabalho colaborativo.

Isto pode concretizar-se através de atividades como projetos de investigação orientados, criação de conteúdos multimédia, exploração de plataformas interativas para simulação de fenómenos ou resolução de desafios, e o uso de ferramentas digitais para a partilha e construção colaborativa de conhecimento. Ao planear com clareza os objetivos de aprendizagem e ao selecionar os recursos tecnológicos adequados, os professores garantem que a tecnologia está verdadeiramente ao serviço da pedagogia e do desenvolvimento integral dos alunos.

Debates e dinâmicas sobre cidadania digital

A promoção de debates e dinâmicas de grupo sobre redes sociais, segurança online e empatia digital é igualmente relevante. Estas atividades podem incluir círculos de diálogo sobre o impacto das redes sociais no quotidiano, análise crítica de notícias ou publicações virais, dramatizações de situações de cyberbullying com discussão orientada, ou até a criação de campanhas de sensibilização digitais em grupos.

Estas abordagens ajudam a desenvolver a literacia mediática dos alunos e promovem uma postura mais crítica, reflexiva e consciente perante os desafios e oportunidades do mundo digital.

Envolvimento das famílias

Por fim, a articulação com as famílias é fundamental. Trabalhar em conjunto com os encarregados de educação na gestão do tempo de ecrã em casa contribui para a criação de rotinas coerentes e saudáveis, reforçando a consistência das mensagens transmitidas na escola e favorecendo o bem-estar global dos alunos.

Esta colaboração pode concretizar-se através de sessões informativas para pais e encarregados de educação, partilha regular de orientações práticas sobre equilíbrio digital, e diálogo contínuo entre professores e famílias sobre os hábitos de uso da tecnologia em casa.

Envolver os adultos no processo educativo digital ajuda a criar um ambiente mais seguro, previsível e positivo para as crianças e jovens, tanto dentro como fora da escola.

Considerações finais

O Handbook of Children and Screens é um recurso valioso para todos os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes. Munidos do conhecimento que esta obra oferece, os professores podem adotar uma abordagem equilibrada e informada, potenciando o uso consciente das tecnologias.

Sendo de acesso gratuito, este livro merece ser divulgado e debatido entre docentes, psicólogos escolares, direções e encarregados de educação. Pela sua abrangência, profundidade e atualidade, recomendamos vivamente a sua leitura integral, disponível online, como referência essencial para uma atuação pedagógica informada e consciente face ao universo digital.

Referência

Rich, M., Hutton, J. S., & Christakis, D. A. (Eds.). (2024). Handbook of children and screens: Digital media, development, and well-being from birth through adolescence. Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-031-69363-2 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0