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Blogue RBE

Qua | 29.10.25

Como identificar bons livros para crianças?

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Os primeiros livros que uma criança encontra moldam o modo como vê, sente e interpreta o mundo. Livros bem escolhidos despertam curiosidade, ampliam o vocabulário, ajudam a nomear emoções e estimulam a empatia. Pelo contrário, livros de fraca qualidade (de linguagem descuidada, moralismos simplistas ou imagens estereotipadas) limitam o olhar e empobrecem a experiência literária. É através dos bons livros que as crianças aprendem a observar, a questionar e a imaginar. É neles que descobrem o poder das palavras e o prazer da descoberta.

A investigação tem mostrado de forma consistente que o contacto com livros de qualidade desde cedo melhora o desenvolvimento linguístico e cognitivo, mas também fortalece a ligação afetiva entre adulto e criança. 

A leitura partilhada, quando apoiada em livros de qualidade, é uma experiência singular, inesquecível e de descoberta que constrói não apenas o gosto pela leitura, mas também a capacidade de compreender diferentes geografias, o outro e a si próprio. No entanto, o prazer de ler não nasce apenas do ato em si: nasce do encontro com textos bons, esteticamente belos e significativos.

Saber identificar bons livros para crianças é um ato de responsabilidade cultural e educativa. Implica reconhecer que nem todos os livros infantis são iguais e que as escolhas feitas pelos adultos têm impacto direto na forma como as crianças aprendem a ler o mundo. Identificar qualidade literária e estética é garantir que a infância tem acesso a obras que a fazem pensar, imaginar, emocionar-se e crescer com sentido crítico e sensibilidade.

Conhecer bons livros não é ter “uma lista à mão”, mas compreender o que faz de um livro um mediador poderoso entre a infância e o mundo: linguagem rica, qualidade estética, integridade narrativa, diversidade de vozes, relevância cultural e adequação ao desenvolvimento. Nas escolas e nas famílias, essa competência de escolha tem efeitos mensuráveis na linguagem, na literacia e no bem-estar, mas também na construção de identidades, na empatia e no pensamento crítico.

Um bom livro para crianças combina qualidade literária e estética. O texto tem ritmo, musicalidade e coerência; respeita o leitor e oferece espaço à imaginação. A ilustração acrescenta sentido, revela camadas de significado e desperta o olhar artístico. Um bom livro não simplifica, não infantiliza nem subestima: trata a criança como alguém capaz de compreender a complexidade do mundo, mesmo quando o faz com humor, fantasia ou poesia.

A qualidade também se mede pela autenticidade. Livros verdadeiros falam com emoção, não com lições. Transmitem experiência, não receitas. E as crianças sentem essa diferença. As histórias que nascem de um olhar honesto e sensível sobre a vida ficam com elas, tornam-se referências, pontos de ligação e memórias afetivas. São livros que se querem reler e partilhar, porque deixam marcas duradouras. É igualmente essencial que as crianças encontrem, entre esses livros, histórias que as representem e histórias que as desafiem, livros onde se revejam e livros que as ajudem a ver o outro. Essa dupla dimensão, de espelho e janela, é o que faz da literatura infantil uma força de compreensão, empatia e encontro.

Identificar bons livros é, em parte, um exercício de leitura crítica. Envolve perguntar-se: o texto tem ritmo e musicalidade? As palavras criam imagens e emoções?

As ilustrações dialogam com o texto? Limitam-se a repeti-lo ou ampliam-no? Há profundidade no tema? O livro suscita o espanto? desperta a curiosidade? O universo das personagens é plural? Quer o texto quer as ilustrações são livres de estereótipos e preconceitos? O livro suscita o diálogo? A reflexão? É um livro perguntador? Estas, e muitas outras, questões ajudam o adulto a selecionar um livro de qualidade.

Os critérios de qualidade apontados por investigadores, associações profissionais e bibliotecas escolares — qualidade literária e estética, diversidade e autenticidade, adequação etária e coerência — são ferramentas essenciais. Mas, mais do que seguir grelhas, importa desenvolver sensibilidade. Quanto mais lemos bons livros, mais fácil se torna reconhecê-los, porque a qualidade literária deixa rasto e cria memória.

Nas bibliotecas, nas escolas ou em casa, um conjunto simples de perguntas pode ajudar a orientar a escolha e a reflexão sobre os livros. São questões que afinam o olhar, convidam à comparação e transformam o ato de escolher num exercício de leitura crítica e partilhada.

🟥Qualidade literária

  • A linguagem é rica, expressiva e adequada à idade da criança?
  • A história tem ritmo, coerência e um final com sentido?
  • O texto desperta imaginação, humor ou emoção?

🟥Qualidade estética

  • As ilustrações dialogam com o texto e acrescentam-lhe novas camadas de significado?
  • O design e o formato convidam à leitura e respeitam a experiência da criança?
  • O livro revela cuidado artístico e estimula a atenção ao detalhe visual?

🟥Diversidade e inclusão

  • As personagens representam diferentes culturas, corpos, famílias ou modos de vida?
  • As representações são respeitosas, sem estereótipos ou caricaturas?
  • O conjunto de livros disponível oferece espelhos e janelas, histórias que refletem e ampliam o mundo das crianças?

🟥Adequação e autenticidade

  • O conteúdo é desafiante, mas ajustado à idade e à maturidade da criança?
  • As vozes e as situações são autênticas, evitando moralismos simplistas?
  • A história respeita a inteligência emocional da criança e convida à reflexão?

🟥Valor educativo e literário

  • O livro ensina pela experiência estética ou pela lição explícita?
  • Provoca curiosidade, empatia e desejo de saber mais?
  • Continua a interessar e a emocionar em leituras sucessivas?

Saber identificar bons livros é uma competência essencial de todos os mediadores da leitura: professores, educadores, professores bibliotecários, bibliotecários e famílias. É o conhecimento do acervo, o olhar crítico e a sensibilidade de quem lê que asseguram que as crianças têm acesso a obras que as formam como leitores e cidadãos. 

Selecionar livros de qualidade é, por isso, uma tarefa sensível e rigorosa, própria do trabalho do mediador de leitura, que poderá ser um especialista, mas também o professor, o professor bibliotecário, a família ou o adulto mais próximo. O importante é a disponibilidade para acompanhar, o jovem leitor, na aventura de descobrir o mundo, através das palavras e das ilustrações, dos olhares, dos gestos, das vozes, das emoções. Selecionar um livro de qualidade é criar um espaço de acolhimento, de escuta, de afetividade e diálogo, de múltiplas significações e transformações.

Nas bibliotecas escolares, essa curadoria é um trabalho contínuo: avaliar o acervo existente, identificar lacunas, procurar equilíbrio entre géneros e origens, garantir diversidade cultural e linguística. É também acompanhar o que se publica, distinguir tendências passageiras de obras consistentes e criar oportunidades de contacto com diferentes formas de expressão literária e artística.

Cada escolha é um gesto de mediação, um convite à descoberta e um ato de confiança na capacidade das crianças para escutarem e dialogarem, compreenderem e sentirem, de se construírem como pessoas. Cada escolha é, também para o mediador, um espaço de autodescoberta, de trabalho e reflexão, de relação com os livros e com a leitura.

As crianças têm direito a livros que respeitem a sua inteligência, alimentem a curiosidade e ampliem o seu mundo. Esse direito é também um dever dos adultos: garantir que as histórias e as imagens que chegam às suas mãos sejam verdadeiras, belas e desafiantes. Num tempo em que proliferam conteúdos rápidos, uniformes e muitas vezes produzidos de forma automática, conhecer bons livros é também um ato de resistência, uma forma de preservar o valor da palavra e da imaginação.

Promover esta competência entre educadores, professores bibliotecários e famílias é investir numa literacia que começa antes da leitura: a literacia de quem sabe escolher. Saber identificar bons livros é um passo decisivo para formar leitores exigentes, sensíveis e curiosos. 

Porque só quem conhece seleciona melhor e só quem escolhe bem oferece às crianças a possibilidade de crescer com livros que as ajudam a compreender o mundo e a si próprias.

 

Referências

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0