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Qua | 12.02.25

CNE: Estado da Educação 2023 e o problema de PLNM

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1. PLNM: problema central

O relatório do Conselho Nacional de Educação, Estado da Educação 2023 [1], tornado público este mês, considera que um dos problemas centrais do sistema educativo de Portugal é a reduzida oferta de PLNM (Português Língua Não Materna), “medida de inclusão essencial” (CNE, p. 20) perante as novas demografias e a diversidade social da escola. 

A sua não frequência “põe em causa a igualdade de oportunidades no ensino e pode causar danos irreversíveis no percurso de aprendizagem” (CNE, p. 130). Sem compreenderem a língua, não aprendem o que está previsto no currículo das diversas disciplinas, não transitam e tendem a abandonar a escola, situação que prejudica a sua – e das suas famílias - integração social.

A média de retenção e desistência de alunos migrantes no ensino básico é 10,3%, (2 progenitores estrangeiros), enquanto de pais portugueses é de 3,2%, o que faz um total de +7,1%. No 3.º ciclo a média sobe para 16,4%, + 13,2% (CNE, p. 147).

“São particularmente inquietantes os resultados nas disciplinas de matemática e os desempenhos no domínio da língua escrita. O mesmo se pode dizer relativamente às competências digitais” - mais de metade revela dificuldades ou não conseguiu responder às tarefas (CNE, p. 21). 

2. PLNM: abordagens, atividades e recursos - exemplos

PLNM é uma disciplina que pode ser oferecida do 1.º ao 12.º ano de escolaridade, em substituição de Português. A abertura de uma turma obriga a um mínimo de 10 alunos. No 1.º ciclo é lecionada muitas vezes como apoio. 
Seguindo o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas tem 2 níveis de iniciação, A1 e A2 e um intermédio, B1, findo o qual o aluno integra a disciplina de Português do ano em que está matriculado. 

Visa criar condições para o domínio da língua de escolarização e socialização e distingue-se do PLA (Português Língua de Acolhimento) para imigrantes adultos, que pode ser dirigido a familiares (CNE, p. 229).

O Relatório refere casos de alunos migrantes com sucesso, cujos professores de PLNM, para além de promoverem o desenvolvimento de competências linguísticas, funcionam como mediadores, pondo em prática diversas ações e medidas, em articulação com outros professores/disciplinas e serviços da escola e da comunidade.

“Ajudam-nos a resolver problemas do foro social ou sanitário, dão-lhes a conhecer a comunidade, os espaços, os hábitos nacionais, alertam-nos para algumas diferenças, fazem-nos participar em campeonatos desportivos, criam atividades que mostram e dão sentido às suas culturas” (CNE, p. 240). 

Ao ser um “mediador de culturas, de línguas, de hábitos” (CNE, p. 237), o professor de PLNM ajuda a criar proximidade, relação e sentido de pertença a quem chega, fazendo-o sentir-se em casa.

Também refere exemplos de alunos migrantes que fazem parte de Associações de Estudantes ou que são delegados de turma e que têm voz localmente.

O Relatório apresenta outras sugestões, como por exemplo:

  • Criação de equipa de acolhimento que, durante o ano letivo, põe em prática um plano de acolhimento a alunos migrantes – o AE Adelaide Cabette elaborou um Guia de acolhimento em panjabi. Para esta equipa “podem mobilizar-se intérpretes e mediadores culturais (nacionais ou estrangeiros, voluntários, alunos ou outros encarregados de educação residentes em Portugal há mais tempo, até mesmo docentes estrangeiros” (CNE, p. 229) - pode acolher-se e incluir-se em qualquer lugar da escola e da comunidade e não apenas no gabinete do especialista;

  • Diversificação dos serviços da biblioteca e dos centros de recursos (CNE, p. 232);

  • Coadjuvação, durante as aulas, entre professores de PLNM e de outras disciplinas;

  • Tutorias e mentorias, inclusive entre alunos da mesma nacionalidade, mas que conhecem a língua portuguesa e trabalhos de projeto que promovem o relacionamento interpessoal e o sentido de pertença (CNE, p. 230);

  • Desburocratização através de “agilização de matrículas” e da disponibilização de “documentos, guias e folhetos em várias línguas” (CNE, p. 232);

  • Apoio individualizado extra-aula inclusive com a colaboração de encarregados de educação estrangeiros e ex-docentes (CNE, p. 234);

  • Celebração de datas comemorativas – “interagir com os colegas [partilha recíproca], ensinando-os a dizer “Bom dia! Boa tarde!” nas suas línguas, lendo poemas nas suas línguas, vestindo trajes tradicionais, dando a conhecer aspetos e significados das suas culturas, participando em campeonatos desportivos, partilhando lanches com outros sabores” (CNE, p. 234);

  • Articulação com as “equipas de apoio à integração de estrangeiros (de mediadores)” dos municípios (CNE, p. 233), geralmente disponíveis;

  • Participação dos alunos “com recurso a materiais simplificados e a contextualizações claras, no respeito pelo nível de língua” e “valorizando os traços da cultura dos países de origem” (CNE, p. 233). 

3. O desafio da língua: números

Apresentando como fonte o INE (Instituto Nacional de Estatística), em 2023 ingressaram nas escolas públicas 118 594 crianças e jovens, 11,1% do total de alunos matriculados (CNE, p. 226).

Segundo o Relatório, no ano letivo 2022/2023 estiveram inscritos nas escolas portuguesas mais 32,7% de crianças e jovens estrangeiros do que no ano anterior.

As nacionalidades mais representadas são a brasileira (65 862), a angolana (12 180) e a ucraniana (5 691) (CNE, p. 226). Do total de alunos brasileiros somente 140 frequentou PLNM (p. 228).

Relativamente a PLNM, o CNE reconhece que “falta informação sistematizada, baseada em indicadores estabilizados, que permita acompanhar taxas de cobertura e de frequência da disciplina” (CNE, p. 20). Sem conhecer os dados de cada escola/ agrupamento será difícil planear e concretizar medidas eficazes.

“No ano letivo 2022/2023 inscreveram-se em PLNM 13 923 alunos” (CNE, p. 228), menos de 12% do total de alunos migrantes. Alunos de nacionalidade ucraniana (1 909 alunos) e indiana (1 117 alunos) são os que mais frequentaram PLNM, a seguir aos portugueses (CNE, p. 229).

A dimensão do desafio da língua extravasa a questão dos migrantes quando se observa que, apesar de PLNM ser uma disciplina criada para alunos recém-chegados a Portugal, 3 095 dos alunos que a frequentaram têm nacionalidade portuguesa (CNE, p. 229), mas o seu contexto familiar é provavelmente estrangeiro. 

4. Outras medidas

Estado da Educação 2023 destaca medidas inovadoras que ajudam a concretizar ações contextualizadas necessárias a alunos migrantes. Exemplos:

  • Plano 21|23 Escola+ que reforçou a autonomia das escolas ao nível da gestão;
  • Programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), cuja revisão (Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2021, 2021, 1.7.1.) permite "a inclusão das escolas que tenham uma elevada percentagem de alunos migrantes e com grande diversidade de línguas maternas” (CNE, p. 233), que podem passar a ter mais docentes, técnicos e especialistas;
  • Plano Aprender Mais Agora  (Resolução do Conselho de Ministros n.º 140/2024, 2024) que tem 3 eixos, sendo o segundo “inclusão e sucesso de alunos migrantes”. O Governo compromete-se, entre outras medidas, a contratar mais mediadores linguísticos e culturais, a simplificar equivalências no ensino básico e a ensinar Português aos pais dos alunos migrantes;
  • Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) nas escolas.

Em consonância com o Aprender Mais Agora 2024, o Relatório do CNE propõe a revisão da disciplina PLNM, não tanto tendo por foco a atualização dos instrumentos para diagnóstico e orientação dos alunos e a criação de um nível zero, como propõe aquele plano de recuperação de aprendizagem, mas visando a revisão dos conteúdos e competências a desenvolver em PLNM, tendo sobretudo em conta o seu tempo de aquisição e “a passagem do B2 a nível de proficiência linguística integrado no PLNM. Só depois os alunos passariam para a frequência do Português” (CNE, p. 239).

5. Alunos migrantes favorecem todos

Em 5 anos letivos, 2018 – 2024, passou-se a ter + 160% de alunos migrantes e este número tem tendência ascendente (Aprender Mais Agora).

A chegada, em grande escala, de migrantes às escolas nacionais gera contextos multiculturais, aos quais não são estranhas “situações de isolamento, formam-se grupos por nacionalidade, nalguns casos gerando rivalidades e, por vezes, situações de bullying, de xenofobia, de discriminação” (CNE, p. 231), problemas não exclusivos destes alunos, mas que podem aumentar em contextos de vulnerabilidade.

Alunos migrantes são o grupo mais representado no escalão A da ASE (Ação Social Escolar) e as “elevadas taxas de retenção e desistência das crianças e jovens cujos progenitores são estrangeiros alertam para a necessidade de ativação efetiva de medidas de inclusão e discriminação positiva” (CNE, p. 21).

Para que haja inclusão efetiva, vivida no dia a dia, “É tarefa de todos encontrar as oportunidades que cada aluno traz consigo; encontrar a colaboração dos que chegam; aproveitar e tornar mais úteis os alunos que já se instalaram há mais tempo, apoiar e integrar os alunos e famílias mais fragilizados no domínio da língua e cultura portuguesas. Em suma, de uma escola multicultural, colaborativamente, deve chegar-se à interculturalidade” (CNE, p. 234).

Para que isso aconteça, é importante compreender que este caminho é uma oportunidade de inovação e transformação positiva de toda a escola e comunidade, “que enriquece todos, portugueses e estrangeiros. A valorização da cultura e da língua do outro permite encontrar semelhanças e diferenças, abrindo as perspetivas sobre si próprio, os outros e o mundo circundante. A diversidade importa porque desafia, ensina e faz crescer” (CNE, p. 226).

Obs. Este artigo tem continuação

Há 6 anos a Rede de Bibliotecas Escolares realizou a ação de formação Aprender Português Língua Não Materna com a Biblioteca Escolar, na sequência da qual as bibliotecas escolares aprofundaram e multiplicaram a sua ação no âmbito de PLNM. O próximo artigo destacará esta ação no âmbito de PLNM, apresentando exemplos de bibliotecas escolares. 

Referência
1. 📷 Fernandes, Domingos & Gonçalves, Conceição (coord.).  (2024, dez.). Estado da Educação 2023. CNE. https://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/estado-da-educacao/2408-estado-da-educacao-2024 

 

 

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