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Blogue RBE

Qui | 23.09.21

Centenário de Paulo Freire I: Ligação do conhecimento à vida e ao conhecimento prévio dos alunos

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Em setembro comemora-se o centenário de nascimento do humanista e pedagogo brasileiro Paulo Freire (19 de setembro de 1921 – 1997), fonte de inspiração quando se pensa a educação e a escola – e a biblioteca – em ligação a um propósito social, de libertação e emancipação, individual e coletivo, face à opressão/ autoritarismo e mentira/ desinformação.

Da experiência de educação de adultos ao Plano Nacional de Alfabetização, cuja implementação inicia em 1964 e à sua vasta obra, da qual se destaca Pedagogia do Oprimido, de 1974, há três ideias que destacamos porque podem ajudar à valorização da escola – e da biblioteca – na comunidade e à recuperação e que serão brevemente apresentadas em três publicações neste espaço.

“Para ser grande, sê inteiro: nada/ Teu exagera ou exclui./ Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/ No mínimo que fazes./ Assim em cada lago a lua toda/ Brilha, porque alta vive.” 1

Nas abordagens de educação popular em Angicos, Rio Grande do Norte (1962), feitas sem cartilha, Paulo Freire e colegas educadores estabelecem uma relação de proximidade, respeito e afetividade com seus alunos. Através de encontros informais, inteiram-se e apropriam-se das suas histórias, saberes e valores, bem como do vocabulário específico de cada grupo - "cana", "enxada", "terra", “água”, "colheita" para turma de cortadores de cana-de-açúcar - e identificam os seus problemas e sonhos/ utopias.

Na sequência dos trabalhos de David Ausubel sobre aprendizagem significativa, Paulo Freire defende que aprendemos a partir de relações:

- Consigo próprio;

- Com os outros e, por isso, “Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais” 2. Defende que “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (“do-discência – docência-discência”) 3. Distancia-se, assim, de uma perspetiva elitista/ académica e especializada/ fragmentada de ensino e de um modelo tecnocrático de aulas com conteúdos pré-elaborados/ gravados, dirigidos a um elevado número de alunos e que se expandiu com o confinamento (conceito "bancário" da educação);

- Com o mundo: o educador precisa de aprofundar e alargar a leitura do mundo que os grupos de alunos com quem trabalha fazem a partir do seu contexto local: a “’leitura do mundo’ que precede sempre a ‘leitura da palavra’”4.

A ligação permanente ao mundo e aos outros alimenta a curiosidade, alarga os interesses, promove a vontade de aprender para e ao longo da vida e reforça vínculos/ laços entre a comunidade, promovendo a interculturalidade e o enraizamento.

A aprendizagem gera-se a partir do contacto com a realidade e no coletivo e faz-se com base no diálogo que exige saber escutar e silenciar, disponibilidade de abertura e aceitação do outro nas suas diferenças. O verdadeiro diálogo com os alunos começa quando o professor se interroga sobre o que vai dialogar com eles, inquietando-se sobre a matéria do diálogo que deve ser planeada com eles, na base da sua participação ativa e democrática 5. Quem aprende constrói um sentido pessoal e vivo do currículo e contribui para o currículo da escola.

Ao mesmo tempo que situa os alunos no seu contexto, estabelece a ligação deles com o mundo, levando-os a tomar consciência, questionarem, pesquisarem e desenvolverem uma atitude crítica sobre o seu dia-a-dia, a sociedade e o ambiente e a construírem uma visão global/ sistémica do mundo que ligue os saberes e vivências e lhes permita compreender a complexidade.

 

Referências

1. Pessoa, F. (1933). Arquivo Pessoa: Odes de Ricardo Reis. http://arquivopessoa.net/textos/503

2. Freire, P. (1970). Pedagogia do oprimido. https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf

3. Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/09/9.-Pedagogia-da-Autonomia.pdf

4. Ibid.

5. “Capítulo 3. O diálogo começa na busca do conteúdo programático”. Freire, P. (1970). Pedagogia do oprimido. https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf

6. Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/09/5.-Educa%C3%A7%C3%A3o-como-Pr%C3%A1tica-da-Liberdade.pdf

 

Fonte da imagem: Instituto Paulo Freire. https://www.paulofreire.org/

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