Bibliotecas escolares: onde nasce a paixão
por Pedro Liberto Ferreira, Diretor da ES José Saramago, Mafra
Cresci rodeado por livros. O meu pai, um homem dedicado à sua vasta coleção, construiu uma biblioteca respeitável com cerca de 10 mil exemplares. Contudo, essa coleção impressionante não existia para despertar o gosto pelos livros nos outros. Era um espaço muito pessoal, uma manifestação do seu amor pela leitura, mas não foi criada com o objetivo de encantar ou formar novos leitores.
Enquanto criança e jovem, essa vastidão de livros à minha volta não me levou a mergulhar no mundo da leitura. O simples facto de estar rodeado de histórias não foi suficiente para me despertar a paixão pelos livros. Na verdade, a enormidade daquela biblioteca, somada à ausência de uma orientação pedagógica que me motivasse a explorar aqueles volumes, talvez tenha até contribuído para o meu distanciamento inicial dos livros.
Foi mais tarde que compreendi o verdadeiro poder da leitura e onde realmente reside a magia de uma biblioteca: não no número de livros, mas na forma como eles são apresentados, partilhados e promovidos. É aqui que as bibliotecas escolares desempenham um papel fundamental. Elas também existem para cultivar o gosto pela leitura, para abrir as portas a novos leitores e, acima de tudo, para transformar essa experiência em algo envolvente, acessível e emocionante.
Os professores bibliotecários, juntamente com os professores, desempenham um papel crucial nesta missão. Eles não apenas compartilham a sua paixão pelos livros, como o fazem de uma forma pedagógica, usando estratégias e formas que cativam os alunos e os incentivam a descobrir o prazer da leitura. São os professores que fazem a ponte entre o livro e o leitor, que envolvem, que emocionam e que, acima de tudo, inspiram.
Ao contrário da biblioteca do meu pai, as bibliotecas escolares são lugares onde os livros ganham vida, onde as histórias saltam das páginas para o coração e para a mente dos alunos. É um local privilegiado para despertar a verdadeira paixão pela leitura.
Hoje, sou um defensor incondicional das Bibliotecas Escolares, especialmente numa era em que as nossas crianças, jovens e até adultos estão presos a ecrãs. Jonathan Haidt, no seu livro A Geração Ansiosa, sublinha que o tempo excessivo nas redes sociais e no entretenimento digital está a contribuir para o aumento dos níveis de ansiedade e solidão, resultando numa geração mais vulnerável emocionalmente e menos resiliente. Ele descreve este fenómeno como uma forma de 'sequestro mental', onde as interações digitais superficiais nos privam da capacidade de sermos empáticos, de sonhar, de refletir e, acima de tudo, de nos conectarmos com a nossa própria humanidade.
Da mesma forma, Michel Desmurget, em Ponham-nos a Ler, argumenta que a leitura é uma ferramenta fundamental para contrariar os efeitos negativos da cultura digital. Ele destaca que a leitura não só nos devolve a nossa humanidade, como também nos oferece um refúgio deste ritmo frenético e fragmentado da vida moderna. Ao lermos, vivemos outras vidas, exploramos diferentes formas de estar e de pensar. Desmurget defende que o ato de virar uma página não apenas alimenta a imaginação, mas também expande a nossa visão do mundo e aumenta a nossa capacidade de empatia. A leitura permite-nos sonhar e, através dos sonhos, imaginar e construir um futuro mais justo, mais criativo e, sem dúvida, mais humano.
As bibliotecas escolares são, sem dúvida, um espaço onde estes mundos podem ser revelados aos nossos alunos. E é por isso que acredito firmemente na importância das bibliotecas escolares e no trabalho incansável dos professores bibliotecários, que, através da sua paixão e dedicação, fornecem aquilo que uma coleção imensa de livros, por si só, nunca conseguirá. Tal como a "Passarola" do romance Memorial do Convento de José Saramago, que levanta voo carregada de esperanças e sonhos, as bibliotecas escolares podem e devem erguer as mentes das nossas crianças e jovens. Que elas possam voar, imaginar, e acreditar num futuro diferente, melhor e mais humano.
Pedro Liberto Ferreira
Diretor da Escola Secundária José Saramago, Mafra