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Blogue RBE

Seg | 12.05.25

Bibliotecas: a ligar épocas e culturas

1 (1).jpg1. Ligar Culturas, ligar Pessoas, eixo central do Quadro Estratégico da RBE

“Garantir que as bibliotecas são organizações que promovem a defesa da dignidade humana e da justiça, o compromisso com a equidade e o valor da diversidade” (p.17)

A sociedade tem vindo a tornar-se mais heterogénea, como consequência de:

A biblioteca escolar tem sabido adaptar-se, afirmando-se como comunidade intercultural e plurilingue, representativa de todas as pessoas/ culturas, conforme recomenda o Manifesto da Biblioteca Multicultural (IFLA/UNESCO, 2009):

Bibliotecas de todos os tipos devem refletir, apoiar e promover a diversidade cultural e linguística a nível internacional, nacional e local [e no ciberespaço] e, assim, trabalhar para o diálogo intercultural e a cidadania ativa. […] Especial atenção deve ser dada aos grupos que são muitas vezes marginalizados em sociedades culturalmente diversas: minorias, requerentes de asilo e refugiados, residentes com permissão de residência temporária, trabalhadores migrantes e comunidades indígenas” [povos originários, viviam nas terras antes de terem sido colonizadas/ “descobertas”] e tradicionais, como a comunidade Roma

Neste âmbito, a Rede de Bibliotecas Escolares gostaria de deixar uma palavra de reconhecimento às bibliotecas que aprofundam as seguintes tendências: 

♦️ Identificar, preservar e valorizar as principais línguas maternas faladas na comunidade escolar, numa abordagem integrada em que o bibliotecário - ou alunos monitores - assume o papel mediador cultural.

  • Porque, a ciência evidencia que esta valorização tem benefícios cognitivos para os alunos e que é essencial para o seu sucesso educativo e inclusão social;

  • Para enriquecimento cultural de todos, porque, quando se comemora a Década Internacional das Línguas Indígenas 2022-2032, importa lembrar a diminuição crescente da diversidade linguística global – segundo o Relatório Mundial das Línguas metade das 7 mil línguas faladas atualmente no mundo estão ameaçadas de extinção [não são apenas as espécies naturais] até final do século (UNESCO, 2021).

♦️  Construir uma coleção inclusiva e diversa

  • Vários formatos para o mesmo título;

  • Diferentes autores e protagonistas para obras literárias, incluindo de grupos marginalizados ou sub-representados;

  • Diferentes ideias, pontos de vista e opiniões.

Os bibliotecários devem liderar a construção de 

coleções que respondam às necessidades das comunidades como um todo. Eles precisam manter o foco em garantir que todos possam encontrar-se numa biblioteca, e não apenas aqueles que gritam mais alto ou desfrutam de maior poder político. Quando este não é o caso, as bibliotecas não estão a realizar todo o seu potencial para serem as forças do progresso e da equidade [intelectual] que deveriam ser. Esta situação é particularmente alarmante no caso das bibliotecas escolares, dado o papel vital que as bibliotecas desempenham na construção de competências e no alargamento de experiências” [1]. 

♦️  Envolver/ escutar todos os utilizadores no planeamento, ação estratégica e avaliação dos serviços e da coleção, que deve ser co-construída com aqueles que deles beneficiam, aplicando-se o princípio, “Nada sobre nós sem nós”, conforme as Diretrizes para Serviços Bibliotecários Inclusivos da IFLA (2025). 

♦️  Proporcionar experiências de fruição, discussão crítica da informação e participação comunitária, funcionando como ágoras contemporâneas e centros culturais.  No século XXI o saber/ cultura/ biblioteca não é apenas acumulação de informação, mas também experiência e memória coletiva, viva e em constante transformação. As bibliotecas escolares são, assim, agentes de coesão social e de ligação tangível entre culturas. 

A biblioteca escolar/ escola deve constituir uma “comunidade convivencial” (A. Nóvoa), desempenhando um papel fundamental “na construção de uma ‘vida em comum’” (p. 59), pois nunca foi tão urgente uma educação que contribua para a democratização das sociedades e para o futuro da nossa humanidade comum (p. 51) [2].

Neste contexto, as Diretrizes para Serviços Bibliotecários Inclusivos da IFLA destacam a acessibilidade abrangente/ holística da biblioteca, não só física, tecnológica e dos serviços, mas também social (pertença).

♦️  Recolher e partilhar histórias reais autênticas e inspiradoras, incluindo as produzidas por cidadãos digitais (antropologia e etnografia digital), que reflitam o ambiente cultural em que as pessoas realmente vivem, pois a psicologia cognitiva e a neurociência demonstram que:

2. Ligar épocas, de forma justa e inclusiva  

Atualmente reforça-se o direito inalienável dos povos e comunidades à sua própria história e cultura, que devem tornar-se acessíveis e representativas da diversidade social (democratização). 

O relatório Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação (UNESCO, 2021) reconhece a educação e a cultura como bens comuns fundamentais e defende que a construção de futuros mais justos e inclusivos exige o envolvimento de uma pluralidade de vozes, de todos (memória histórica), pois a nossa herança é “intencionalmente incompleta”, apresenta “exclusões” e “requer correções”, reparação, numa perspetiva de justiça epistemológica. Neste sentido, José Agualusa diz, na sua obra A Rainha Ginga, que “Angola tem muito passado pela frente”. 

Neste contexto, o trabalho de curadoria da biblioteca escolar assume-se como prática interpretativa e ética, não apenas técnica ou de gestão, que enquadra/contextualiza e problematiza os registos e recursos do passado, orientado por valores humanistas e pelos desafios da atualidade, designadamente da paz, da liberdade intelectual e da justiça, que são para a RBE uma responsabilidade fundamental.

Além disso, o seu papel é formar leitores com competências críticas, capazes de desenvolver, autonomamente, uma leitura/ expressão reflexiva e contextualizada dos registos/ recursos e cultura herdada, cumprindo a missão de ligar, alargar e aprofundar todas as épocas. Demarca-se da lógica do presentismo/ imediatismo do universo digital e da superficialidade das redes sociais, proporcionando tempo e espaço (físico e digital) para o pensamento, a escuta e a co-construção de sentido. 

Nota
Este texto serviu de base à comunicação apresentada na sessão abertura da 16.ª edição dos Contornos da Palavra, em Viana do Castelo

Referências

  1. Barbara Lison, Presidente da IFLA, a 5 de junho de 2023, in: IFLA. (2024, 18. 03).  International organisations for authors, publishers, booksellers and libraries call for key freedoms to be respected. https://www.ifla.org/news/freedom-of-expression-to-read-and-to-publish
  2. Nóvoa, António & Alvim, Yara. (2022). Escolas e Professores: Proteger, Transformar, Valorizar. Empresa Gráfica do Estado da Bahia – EGBA.

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0