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Blogue RBE

Ter | 15.11.22

Biblioteca Escolar: O desafio da anticensura

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Fonte da imagem: [4].

Pensar, ler e escrever, com espírito crítico e emoção, pode ser transgressor e mudar, para sempre, a comunidade, o país e o mundo. 

Tendo consciência do perigo que podem representar as ideias e as palavras, a Ditadura Militar de 1926 instituiu a censura, mas é “a partir de 1934, que os Serviços de Censura, com a colaboração da polícia política, que apreendia exemplares nas livrarias, editoras e em rusgas domiciliárias, iniciaram uma terrível campanha de silenciamento da palavra impressa, mas também das artes, cinema, teatro e de todas as áreas da informação, incluindo os jornais, a rádio e, mais tarde, a televisão”, ampliando o “controlo, vigilância e repressão dos escritores, editores, distribuidores e livreiros” [1].

Foram censuradas obras consideradas “imorais, pornográficas, comunistas, irreligiosas, subversivas, más, antissociais, deseducativas, dissolventes, anarquistas e revolucionárias” [2], que desafiavam a ordem estabelecida nacionalista, imperialista e colonialista, católica, patriarcal e heteronormativa, que defendiam direitos fundamentais e a possibilidade de cada um ser quem quiser, que denunciavam problemas sociais estruturais - como a pobreza, o analfabetismo e a exploração dos trabalhadores - de um país adiado, que vivia da aparência e status quo. “Não vivíamos num país real, mas numa Disneyland qualquer, sem escândalos, sem suicídios, nem verdadeiros problemas” [3], diz Eduardo Lourenço, visando este período. 

Porque a Rede de Bibliotecas Escolares advoga a inteira liberdade/ independência de criação e circulação de ideias e o direito universal à educação e à cultura, tendo em vista uma vida boa para todos, apoia o lançamento da Biblioteca da Censura, da iniciativa do jornal Público e da editora A Bela e o Monstro [4]. 

Através desta Coleção as pessoas têm acesso, pela primeira vez à reimpressão fidedigna/ fac-símile das obras originais conforme foram modificadas pela censura, através de carimbos, cortes, rasuras, relatórios. Para assinalar meio século de liberdade cada livro proibido pelo Estado Novo (1933 -1974) é libertado no dia 25 de cada mês.

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Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril. (2022). 50 anos 25 de Abril. Portugal: Comissão comemorativa. https://www.50anos25abril.pt/comissao

Esta é uma iniciativa realizada no contexto das comemorações dos 50 anos do 25 de abril de 1974, que se celebram de 23 de março de 2022 a dezembro de 2026 [5] e que conta com o apoio, para além da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, do Arquivo da RTP, da rádio Antena 1 - realiza uma entrevista sobre o livro publicado em cada mês - e da Ephemera (Arquivo da Censura) e Torre do Tombo.

A ideia da Coleção decorre da exposição “Obras proibidas e censuradas no Estado Novo” [6], comissariada por Álvaro Seiça, Luís Sá e Manuela Rêgo e em exibição na Biblioteca Nacional de Portugal, entre 3 de maio e 16 de setembro 2022. 

Esta coleção de livros, destinados a não serem lidos, encerrados na Biblioteca dos Serviços de Censura em Lisboa, secreta e privada, constituía uma “antibiblioteca”, nas palavras de Seiça [1].

Guardiã da memória - neste caso, traumática e intencionalmente marcada e amputada - e responsável por criar as condições para que, no futuro, a História não se repita, a Rede de Bibliotecas Escolares incentiva as bibliotecas escolares a associarem-se à iniciativa, desafiando crianças e jovens e suas comunidades a conhecer o contexto em que estes livros foram escritos e publicados, a ler excertos e a dar-lhes visibilidade, recriando-os com inteira liberdade.

Esta experiência, pessoal e subjetiva, de cada leitor pode gerar um movimento global anticensura, de libertação e aprofundamento da imaginação e do pensamento destinado a celebrar a liberdade de opinião/ expressão e o fim de todas as censuras. 

À data da Revolução do 25 de Abril, os jovens tiveram um papel muito ativo na contestação da ditadura e da repressão, como é o caso do estudante universitário Ribeiro Santos assassinado pela PIDE [7].

Ao longo da História, foram diversos os objetos de censura. Por exemplo, na Idade Média o riso chegou a ser proibido, conforme experiencia frei William Baskerville, no romance de Umberto Eco, O nome da rosa. Em tom humorístico, concluímos o desafio anticensura lembrando Guerra Junqueiro que no poema proibido “Pedro Soriano” declara, ‘Tamanho membro merece um poema” [8].

Para mais informações e sugestões de atividades, aceda ao Portal RBE: Biblioteca da censura.

Referências

1. Seiça, Álvaro. (2022, 25 abr.). Biblioteca da Censura: a devolução ao público. Lisboa: Público. https://www.publico.pt/2022/04/25/edicoes-publico/noticia/biblioteca-censura-devolucao-publico-2003734

2. Biblioteca Nacional de Portugal. (2022). Obras proibidas e censuradas no Estado Novo: Guia da exposição. Lisboa: BNP. https://www.bnportugal.gov.pt/images/stories/agenda/2022/obras_proibidas_guia.pdf

3. Lourenço, Eduardo. (1978). O Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português [p.31]. Lisboa: D. Quixote. https://www.livrariaferreira.pt/livro/labirinto-da-saudade/

4. Sousa, João. A Bela e o Monstro. https://www.facebook.com/ABelaeoMonstroEdicoes

5. Nacional de Portugal. Coleção Biblioteca da Censura. Lisboa: BNP. https://www.bnportugal.gov.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1688%3Aapresentacao-colecao-biblioteca-da-censura-4-de-maio-18h00&catid=173%3A2022&Itemid=1686&lang=pt

6. Biblioteca Nacional de Portugal. (2022). Obras proibidas e censuradas no Estado Novo. Lisboa: BNP. https://www.bnportugal.gov.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1682%3Aexposicao--biblioteca-da-censura-obras-apreendidas-e-proibidas-no-estado-novo--3-maio-3-set&catid=173%3A2022&Itemid=1680&lang=pt

7. Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril. (2022). Ribeiro Santos. Portugal: CC. https://www.50anos25abril.pt/iniciativas/primaveras-estudantis/ribeiro-santos

8. Segundo o Guia da Exposição Biblioteca da Censura, a Biblioteca Nacional de Portugal antes do Estado Novo tinha obras classificadas como Obras Proibidas, com a cota O.P., que incluíam livros que não faziam parte do catálogo geral de acesso ao público, nem podiam ser levadas para a Sala de Leitura. Algumas dessas obras não faziam parte do inventário dos Serviços da Censura, como é caso do poema “Pedro Soriano”:

“Pedro Soriano foi o herói de um casamento simulado que houve em Lisboa. Tinha o membro viril desenvolvidíssimo. Uns amigos de Junqueiro encarregaram-se de lhe apresentar o Soriano porque, tendo contado a Junqueiro a do membro, ele dissera que exageravam. Junqueiro viu e exclamou: ‘Tamanho membro merece um poema’”.

Junqueiro, Guerra. (1882). Pedro Soriano. Lisboa: Tipografia José F. Ferreira, in: Livraria Alfarrabista Manuel Ferreira. https://www.livrariaferreira.pt/livro/pedro-soriano/

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