Biblioteca escolar: 18 anos de desafios e aprendizagem
Por Ana Paula Gervásio de Almeida, professora bibliotecária no AE de Monchique
Há precisamente 18 anos, quando a então Presidente do Conselho Executivo me convidou para desempenhar o cargo de Coordenadora da Biblioteca Escolar no Agrupamento de Escolas de Monchique, aceitei, entusiasmada, sem quaisquer reservas. Era professora de Português, os livros fascinavam-me, desenvolvia, com os meus alunos, algumas atividades de leitura interessantes e tudo me parecia exequível e motivador. Estava longe de imaginar a odisseia que me aguardava!
Duas das bibliotecas do agrupamento acabavam de ser integradas na Rede de Bibliotecas Escolares e, mal comecei, percebi imediatamente que o cargo que assumira era muito mais complexo e exigente do que eu julgava. Questionei, então, a minha decisão, mas esmorecer nunca foi uma opção.
Começou por ser um trabalho físico, musculado, de reestruturação dos espaços e de reorganização do fundo documental. Não houve um livro (e eram muitos!) que tivesse ficado no mesmo lugar. As listagens sintetizadas da CDU foram, então, preciosíssimas. Dávamos, ao mesmo tempo, os primeiros passos nas tarefas de etiquetagem e catalogação.
Paralelamente, as ideias fervilhavam e iam surgindo atividades, novas atividades, que procuravam corresponder aos pressupostos dos normativos curriculares e aos interesses e expectativas dos alunos.
Surge, entretanto, o Modelo de Avaliação da Biblioteca Escolar. Que desafio! Por essa altura, a ação da biblioteca escolar já era reconhecida e valorizada na escola e na comunidade, graças, essencialmente, a um conjunto diversificado de atividades de leitura, que davam corpo ao Projeto aLer+ e que ultrapassavam os limites físicos do espaço escolar, conquistando adeptos. Não obstante, uma apreciação detalhada dos fatores críticos de sucesso, dos impactos nas aprendizagens e dos níveis de desempenho de cada domínio do MABE fizeram-me perceber que estávamos muito aquém de um bom desempenho. Senti-me, então, numa estrada sinuosa, semeada de obstáculos e com tantas etapas por cumprir. Adivinhava-se, no entanto, lá ao fundo, um mar de oportunidades. O MABE era, inquestionavelmente, um instrumento pedagógico de referência e de melhoria contínua: orientava, apontava caminhos, incentivava ao trabalho colaborativo, fomentava parcerias, promovia a criatividade, incutia a vontade de fazer mais e melhor.
Também o referencial «Aprender com a Biblioteca Escolar» se revelou um guia fundamental para o desenvolvimento das literacias da leitura, da informação e dos media, enfatizando o contributo da biblioteca escolar para a aquisição de habilidades essenciais no século XXI.
Progressivamente, a biblioteca afirmava-se na escola como um polo dinamizador do saber, ao serviço da aprendizagem e do desenvolvimento das múltiplas literacias, com particular destaque para o domínio da leitura. Algumas das atividades desenvolvidas eram replicadas noutras escolas e consideradas boas práticas por entidades externas. Os relatórios da IGEC apresentavam considerações muito favoráveis em relação à dinâmica da BE, e os novos professores (que todos os anos chegam à escola) estranhavam, no início, mas, paulatinamente, iam-se tornando cúmplices, assumiam as propostas como suas e, muitas vezes, elevavam-nas a um patamar surpreendente.
Pessoalmente, tenho de admitir que o cargo de professora bibliotecária me dotou de saberes, competências e capacidades que dificilmente teria adquirido noutras funções. O trabalho em rede, quer localmente quer a nível nacional, desempenhou um papel crucial na minha capacitação profissional, proporcionando uma consistente e sistemática partilha de experiências, de recursos educativos e de estratégias pedagógicas e garantindo o acesso regular a formação contínua diversificada e de qualidade, antecipando, muitas vezes, os desafios que uma sociedade em constante mudança impõe à escola. Facultou-me ainda a oportunidade extraordinária de trabalhar colaborativamente com dezenas e dezenas de colegas de diferentes áreas e departamentos, em prol das aprendizagens, do bem-estar e do sucesso pessoal e escolar dos nossos alunos.
Por agora, já na reta final do meu percurso profissional, a biblioteca escolar, tal como a conhecemos nos últimos dezoito anos, está prestes a encerrar portas. A escola vai, finalmente, para obras. É tempo de desfazer dossiês, rasgar papéis, esvaziar gavetas e armários, encaixotar livros… preparar a saída da biblioteca para um espaço provisório. As memórias (boas memórias) cruzam-se com o movimento diário de alunos e professores, indiferentes à desorganização da mudança. Estão certos! Afinal, a biblioteca escolar é muito mais do que um espaço físico. É, acima de tudo, uma vontade, uma atitude.
Ana Paula Gervásio de Almeida,
Professora bibliotecária no Agrupamento de Escolas de Monchique, desde setembro de 2005.
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1. *Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
2. Esta rubrica visa apresentar apontamentos breves do quotidiano dos professores bibliotecários, sem qualquer preocupação cronológica, científica ou outra. Trata-se simplesmente da partilha informal de vivências.
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