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Blogue RBE

Ter | 23.08.22

Benefícios da escrita em grupo entre pares

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Neste excerto do livro 4 Essential Studies, Penny Kittle e Kelly Gallagher explicam porque é que têm alunos espalhados por todo o país a escrever em conjunto.

Embora saibamos que o acompanhamento que se faz a cada aluno durante o processo é o meio mais eficaz de promover a escrita, deparamo-nos com uma realidade implacável: não conseguimos chegar a todos os alunos quando eles precisam de nós. Há demasiados alunos e pouco tempo (as turmas de Kelly têm em média 38 alunos). Por este motivo, temos de os ajudar a darem feedback construtivo uns aos outros. Descobrimos que a forma mais eficaz de o fazer é colocar os alunos a escreverem em pequenos grupos.

A escrita em grupo, contudo, não deve ser confundida com grupos que editam os trabalhos dos pares. Não colocamos os alunos em grupos para editarem os esboços uns dos outros. Temos dois problemas com essa prática. Em primeiro lugar, o conhecimento que os nossos alunos têm da gramática e da estrutura frásica, muitas vezes, não é sólido. Fazem correções indevidas ao editarem os trabalhos dos colegas, ou afirmam simplesmente: «Parece-me bem» e nenhum aluno ganha nada com isso. Em segundo lugar, quando os alunos acreditam que o objetivo de lerem o trabalho de um colega se limita a encontrar erros, ficam com uma visão muito restrita que não corresponde ao que se pretende. Demasiados alunos terminam os seus próprios esboços rapidamente sem mergulharem no conteúdo dos mesmos. «A minha vírgula está no sítio certo?» não é o mesmo tipo de conversa que «O que sabes sobre o meu irmão depois de leres este episódio?» Queremos que os alunos desejem comunicar bem, não apenas que façam a edição dos trabalhos. Procuramos construir uma comunidade onde os alunos trabalham determinadas questões e hesitações à medida que escrevem juntos. Que interesse tem o texto não ter falhas na edição se estiver pouco desenvolvido e for insípido?

Embora ambas tenhamos criado grupos que escrevem em conjunto nas nossas salas de aula durante anos, descobrimos que o envolvimento aumentou quando também conectámos os nossos alunos por todo o país. Estes foram estimulados quando lhes foi dada a oportunidade de interagirem de forma significativa com alunos de outras culturas e origens. Colocámo-los em grupos de seis  ̶ três alunos das turmas da Kelly agrupados com três alunos das turmas da Penny. Não lhes solicitámos apenas que partilhassem os seus esboços dentro destes pequenos grupos, mas também que pedissem reações específicas aos membros do grupo no Flipgrid.

O que entendemos por reações específicas? Todos nós já tivemos alunos que chegam ao pé de nós e, pousando o esboço do trabalho, dizem: «Pode ajudar-me?» Trata-se do ato “incapacidade de tomar decisões”, aprendido pelos alunos - um exemplo de jovens escritores que atribuem o processo de tomada de decisão ao professor. Os alunos devem ir mais além. Exigimos que peçam aos colegas de grupo feedback específico sobre os seus esboços. Para exemplificar o que pretendemos, fazemos nós a primeira vez. Por exemplo, os pedidos no Flipgrid foram os seguintes:

Kelly: «Obrigada por aceitares dar uma vista de olhos ao meu trabalho. Há duas coisas que gostava que visses com atenção. A primeira é a parte em que eu grito “Pára!” e ao mesmo tempo a minha mãe grita “Pára!”. Não sei, parece-me um pouco pesadão e estranho. Por isso, pergunto-me se, como leitora, concordas com essa parte. A outra questão é que há três momentos diferentes no texto em que eu digo que o meu pai e eu fechámos os olhos um ao outro. Foi uma repetição intencional. Pergunto-me se funcionou contigo. Parece-te que foi forçada? Foi lamechas? Ou funcionou? Será que reparaste nisso? Por favor, podes dar uma vista de olhos?»

Penny: "Espero que possas responder a uma pergunta. Este texto é sobretudo sobre o quanto gostei de estar com o meu pai e, no entanto, sinto que toda a primeira parte é tão obscura que não fica suficientemente clara depois disso  ̶  quer dizer, realmente, o ele ter vindo ao meu jogo de ténis não mostra que esteja muito envolvido…e continua a não estar até ao final da página 2 e ao início da página 3 onde começo a entrar no que, para mim, realmente importa. Por isso, sinto que há aqui um certo desequilíbrio. Podes comentar o que pensas sobre isto? Obrigada.»

Criámos dois modelos diferentes de pedir uma reação. A Kelly pediu ajuda para dois momentos específicos do seu texto, enquanto a Penny quis saber se as cenas que tinha escolhido contribuíram para a compreensão da sua relação com o pai ao longo do tempo. A Kelly e a Penny responderam aos pedidos uma da outra, e os alunos também reagiram aos esboços das autoras. Depois foi a vez deles.

Aqui está Alyssa a pedir feedback ao seu grupo:
«Preciso de alguns conselhos sobre o final. Sinto-me como se o tivesse precipitado um pouco. Passei muito tempo a explicar a primeira parte e o final é como se  ̶  Pum!  ̶ isto aconteceu e adeus. Por isso, digam-me o que pensam.» 

A nível nacional, Noelia respondeu:
«A conclusão - acho que adoraria a tua conclusão se pelo menos terminasse quando disseste que estavas inconsciente. Porque quando disseste que estavas “sem apêndice”, parece que já sabemos que vais ser operada, mas quando terminas com “estava inconsciente” cria algum suspense. Por isso penso que seria melhor se acabasse assim... pode levar o leitor a dizer, “Uau, ela vai ser operada”. E deixa-nos em suspense para perguntar o que aconteceu a seguir.»

Esta é apenas uma das reações que Alyssa recebeu. Agora imagine os contributos que recebeu de outros escritores do seu grupo. O valor que estes contributos representam foi rapidamente multiplicado, uma vez que Alyssa leu, de seguida, cinco ensaios dos alunos do seu grupo e respondeu a cada uma das suas perguntas. Teve de imergir na escrita de outros alunos, o que a expôs a todo o tipo de tentativas de escrita que podem ter acabado por influenciar o seu próprio esboço. E todas estas leituras e reações são acompanhadas de uma gratificação: os alunos aprendem que o escritor deve especificar o foco do seu pedido de ajuda. 

Fora dos grupos de escrita, reforçamos isto. Nenhum esboço é aceite pelo professor, a menos que o aluno escritor tenha feito uma pergunta que conduza o olhar do professor para a leitura do rascunho. Um aluno pode perguntar: "As minhas transições funcionam?" ou "Tenho provas suficientes para defender esta posição?”

Também gostaríamos de registar que a importância da reação dos colegas se estende para além da resposta durante o processo de escrita. Houve alunos a responder uns aos outros na fase de pré-escrita. Christian estava a ter dificuldade em definir o foco da sua pesquisa, por isso pediu ajuda no Flipgrid da turma.

«A minha investigação debruça-se sobre o Queen Mary - o navio na Califórnia. A questão principal é se as histórias de fantasmas são reais. Depois tenho subtópicos. Tenho alguns que apenas dão o pontapé de saída para o principal. Aqui estão: Quando e de onde veio o navio? Relativamente à história de o navio ser assombrado, qual foi o principal objetivo e utilização quando foi originalmente construído? Porque é que foi transformado num hotel? E depois tenho mais uns subtópicos - quero fazer pesquisas sobre os tabuleiros ouija. De facto, quero saber tudo sobre eles... tudo o que pudermos saber. Quero pesquisar sobre quem fez a lista dos Dez Lugares Mais Assombrados de sempre. Quero saber como é que eles decidem isso. Porque apenas o dizem, mas não explicam, só fazem uma descrição de todas as coisas que foram assombradas. Não explicam porque é que este é mais assombrado que os outros. Quero perceber porque é que é assim. E por agora é só isto. Espero que me possam dar algumas ideias que sejam melhores do que as que tenho. Obrigado.»

O pensamento de Christian, tal como o de muitos alunos no início do processo de escrita, está disperso. Deveria escrever sobre o Queen Mary? Sobre os dez lugares mais assombrados de sempre? Sobre os tabuleiros ouija? Queremos ajudar cada um destes alunos, mas o tempo do professor é limitado. Quando os alunos pedem ideias a outros alunos, isso pode ajudá-los a começar. Joseph publicou uma resposta.

«Em relação à tua pesquisa sobre o Queen Mary, e se está ou não assombrado… de facto, tenho uma amiga que foi lá no fim-de-semana passado e me contou como ouviu os canos a retinir à distância. Poderia tratar-se apenas de efeitos sonoros. Também viu que quando tirou uma fotografia, o rosto de um fantasma apareceu. Assim, hoje em dia com a tecnologia, levanta-se a questão de saber se o Queen Mary faz ou não isto por causa dos turistas e do dinheiro, ou se é realmente real. Portanto, podes pesquisar mais e tentar descobrir se é realmente autêntico ou não.»

A resposta de Joseph ignorou grande parte das reflexões de Christian e concentrou-se numa questão: será que os fantasmas existem mesmo?  O Christian começou a investigar isso e veio ao escritório de Penny depois de estar acordado toda a noite a seguir este fio condutor. Ficou intrigado e fascinado. Redirecionou toda a pesquisa para esta perspetiva.

Os grupos de escrita fazem mais do que dar feedback aos alunos sobre o seu trabalho. Eles criam comunidades.
Excerto do livro 4 Essential Studies: Beliefs and Practices to Reclaim Student Agency, de Penny Kittle e Kelly Gallagher. Publicado por Heinemann, Portsmouth, NH. Reimpresso com a permissão da Editora. Todos os direitos reservados.

 

Referência
O artigo «Penny Kittle e Kelly Gallagher escrevem sobre os benefícios da escrita em grupo entre pares» foi originalmente publicado no sítio Edutopia. a 14 de janeiro de 2022. Texto traduzido livremente a partir do inglês.

 

Republica-se o artigo de 04.03.2022

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0