Bem-estar, também digital
No momento em que se desenrola o processo de decisão com o objetivo de levar à prática as recomendações da tutela quanto ao uso de telemóveis nas escolas, surgem por certo muitos argumentos favoráveis e outros tantos contrários a essas mesmas recomendações.
Se não ocorrer nenhum cataclismo global, o futuro será digital, a um nível que agora apenas começamos a entrever. Os benefícios, mas também os perigos são enormes.
O que fazer, então? A realidade altera-se a uma velocidade que não conseguimos acompanhar e a nossa visão fica muitas vezes a preto e branco: ou somos entusiasticamente a favor, ou visceralmente contra. Por vezes, numa mesma pessoa, coexistem esses dois estados de espírito, em momentos diferentes, ou então devido a sentimentos divididos.
A Rede de Bibliotecas Escolares está habituada a encarar as mudanças com pragmatismo e a agir em coerência com aquilo que advoga. Desde há muito que defende que o uso das tecnologias nas escolas deve estar ao serviço da aprendizagem e tem procurado, das mais variadas formas, dar o seu contributo para que isso aconteça, com a consciência de que a transição digital está em curso e de que as bibliotecas desempenham um papel fulcral nessa transição.
No entanto, as questões da segurança, da privacidade, dos comportamentos éticos online e, mais recentemente do bem-estar físico e digital, sendo essenciais à vida dos alunos, são também preocupações das bibliotecas que, por isso, marcam as suas práticas. Partilhamos a apreensão sobre a influência nefasta da dependência dos telemóveis e de outros dispositivos no desenvolvimento sócio-emocional e cognitivo dos alunos. Debatemo-nos com a sua crescente incapacidade de se concentrarem e, portanto, de realizarem leituras e aprendizagens aprofundadas. Por isso, em Saber usar os media, uma das partes do site Aprender com a biblioteca escolar – Atividades e recursos, nas atividades propostas para cada nível de ensino, existem algumas dedicadas a estas problemáticas. Mas precisamos sempre de continuar a pensar, de experimentar caminhos e de propor sugestões que, cada biblioteca escolar, cada agrupamento poderão, se as considerarem úteis, adaptar ao seu contexto.
Nessa linha, e com o intuito de apoiar as bibliotecas, e as escolas em que se inserem, na tomada de decisões que privilegiem o bem-estar e o desenvolvimento equilibrado dos alunos, partilhamos algumas sugestões, adaptadas da plataforma Common Sense Education e que podem/ devem ser postas em prática, seja qual for a decisão da escola quanto aos telemóveis.
- Refletir com os alunos sobre as razões que os levam a pegar no telemóvel, mesmo sem necessidade.
Muitas vezes esse comportamento pode dever-se a alguma ansiedade provocada por se encontrarem numa situação nova, ou por não estarem à vontade com as pessoas que os rodeiam, ou… Os alunos podem relatar as suas experiências, falar sobre o que fazem no telemóvel nessas ocasiões e pensar em como poderiam atuar se não tivessem telemóvel, refletindo nomeadamente sobre a possibilidade de conhecerem melhor os colegas e de fazerem amigos.
- Refletir com os alunos sobre como outras pessoas que gostam de estar com eles (pais, avós, outros familiares, amigos) se sentem ao vê-los sempre a olhar para um telemóvel ou tablet.
É importante que os alunos se coloquem no lugar do(s) outro(s), elenquem possíveis maneiras de agir, experimentem pô-las em prática e conversem sobre os resultados.
- Refletir com os alunos e com os pais sobre as suas atividades online e sobre como podem variá-las a seu favor.
É possível dar a conhecer aos alunos apps que favorecem o seu bem-estar (nutrição, fitness, mindfulness, competências socio-emocionais), disponibilizando-as nos tablets da biblioteca escolar.
Posteriormente, os pais podem ser convidados a conhecer as possibilidades que existem e a instalarem algumas dessas apps nos dispositivos dos filhos incentivando-os a usá-las, diversificando, assim o foco restrito da sua atenção.
- Refletir com os alunos sobre aquilo que é comum a todos nós, enquanto seres humanos: temos pessoas que amamos; temos medos, ansiedades, mas também sonhos e desejos; queremos sentir-nos incluídos; …
Encontrar estratégias para não nos esquecermos do que nos une, mesmo quando não estamos de acordo com os outros, é uma das chaves para uma convivência saudável em qualquer contexto, digital ou não.
- Refletir com os alunos sobre como podem aumentar o seu tempo e capacidade de concentração.
Sabemos que a capacidade de concentração dos alunos é cada vez menor e que ela é essencial a uma aprendizagem aprofundada. É importante implicar os alunos no encontrar de estratégias para estimular essa capacidade, (prescindindo do telemóvel) e, depois disso, criar as condições para que eles possam experimentar e comparar com o que teria acontecido se estivessem numa situação de atenção dividida com o telemóvel.
As bibliotecas escolares podem proporcionar oportunidades para que os alunos necessitem de realizar uma ou mais leituras aprofundadas para resolver um problema. Podem também, organizar o seu espaço, reservando um local para que os alunos possam experimentar a leitura individual e silenciosa e, depois de isso acontecer, conversar com eles sobre a experiência.
A escuta ativa de podcasts, sobre os quais se colocam questões prévias, também pode funcionar como um bom treino da concentração.
Prossigamos, então, na missão de fazer com que as bibliotecas escolares
“respondam de forma eficaz e inovadora aos desafios colocados à educação”. [1]
Referências
[1] Rede de Bibliotecas Escolares. (2021). Bibliotecas Escolares: presentes para o futuro. Programa Rede de Bibliotecas Escolares: Quadro estratégico: 2021-2027. RBE- Ministério da Educação. https://rbe.mec.pt/np4/?newsId=890&fileName=qe__21.27.pdf
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