As nossas opiniões são mais moldadas pelo que aprendemos em linha do que pelo que aprendemos nas escolas?
Fonte: https://bit.ly/39eLyO3
A iniciativa Futuros da Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) está a gerar um debate global para moldar o futuro do conhecimento e aprendizagem, da sociedade e do planeta.
Este debate é fundamental porque os problemas atuais são de natureza complexa e global, obrigando a que trabalhemos em conjunto para encontrar soluções.
A UNESCO sugere que cada um na sua comunidade e, sobretudo nas escolas e universidades, se organize em grupo e promova a reflexão e transformação, a partir de uma série de quatro vídeos e questões:
Como pode a educação realmente contribuir para resolver a crise climática?1
A ação humana está a provocar a extinção em massa das espécies biológicas, a destruição das florestas e a poluição do ar, levando, pela primeira vez, cientistas a considerar que a vida da humanidade na Terra pode vir a tornar-se impossível. Devemos abandonar a escola e dirigir todos os esforços para ações de campanha que mobilizem os líderes mundiais e a população para a alteração dos sistemas de produção e consumo? Uma vez que se verifica que as pessoas com níveis mais elevados de educação são quem tem maior pegada ambiental, a resposta à crise climática não passará também pela mudança da própria escola através, por exemplo, de um sistema híbrido de aprendizagem?
O novo normal: o que precisa ser diferente em relação ao passado [pré-Covid]? 2
A Covid-19 tornou o ser humano consciente da sua vulnerabilidade, das desigualdades sociais e da necessidade de outras pessoas, inclusive profissionais cuja visibilidade e voz têm tido pouca expressão nas decisões coletivas. O que aprendemos com a crise pandémica? Que novas necessidades surgiram e quais são essenciais e devem manter-se? Que novo normal temos intenção de construir?
O que precisa ser aprendido na escola com professores e alunos? 3
Por motivos de conflito armado, desastres naturais e pandemias a escola pode fechar, devendo repensar-se as suas atividades através de sistemas remotos acessíveis a todos (internet, televisão, rádio), em que o papel da família e comunidade na aprendizagem é essencial. Que competências e conteúdos de aprendizagem devem ser reforçadas? Que agentes devem ser mais envolvidos na educação e na escola?
As nossas opiniões são mais moldadas pelo que aprendemos em linha do que pelo que aprendemos nas escolas? 4
Crenças, sentimentos e comportamentos são mais orientados por empresas privadas (Google, Facebook, YouTube, Instagram, Twitter) a que recorremos informalmente, do que por profissionais de educação e ensino que trabalham em contexto formal? Quais são as consequências para a escola e o currículo do peso crescente do informal?
Para a resposta a esta última questão e vídeo a UNESCO sugere a leitura de Tristan Harris, americano de 37 anos, especialista em ética da persuasão humana na Google (2013-2016), onde criou a apresentação, A Call to Minimize Distraction & Respect Users’ Attention/ Uma Chamada para Minimizar a Distração e Respeitar a Atenção do Utilizador 5, co-fundador e presidente do Center for Humane Technology/ Centro para a Tecnologia Humana 6, organização sem fins lucrativos criada em 2018 para gerar uma alternativa à tendência de manipulação e adição das grandes plataformas digitais. Harris é também co-apresentador do podcast sobre tecnologia Your Undivided Attention/ A sua Atenção Indivisível e a principal voz de The Social Dilemma/ O Dilema das Redes Sociais, documentário baseado em testemunhos de ex-trabalhadores de topo destas empresas e que as bibliotecas podem usar para reforçar a reflexão, com as crianças e jovens, sobre os riscos de normalização de comportamentos aditivos em relação a tecnologias digitais, designadamente dispositivos móveis - o sítio dispõe de um guia 7 para promover, inclusive à distância, a discussão em grupo.
Para Tristan Harris a tecnologia digital não é um instrumento neutro que evolui ao acaso. A criação de tecnologia tem um conteúdo, a mente humana, que o seu fabricante, à semelhança de um mágico, conhece e explora as vulnerabilidades e limites para um interesse específico, a obtenção de lucro que consegue sempre que conquista a atenção do utilizador. Para o efeito, usa técnicas que moldam as mentes e comportamentos, agarrando o utilizador aos produtos de publicidade e propaganda que empresas que as financiam vendem. Exemplos destas técnicas são o incentivo e exploração de:
1. Narcisismo do eu, alimentando a necessidade humana de aprovação social e não o confrontando com conhecimentos e opiniões diferentes (contraditório). Pode gerar infantilização e, no limite, um sistema de human downgrading/ degradação humana em grande escala que pode provocar um retrocesso civilizacional;
2. Emoções sobre a razão, expressas por exemplo, em títulos de notícias que fomentam a desinformação, mais apelativos porque chocam ou são dissonantes da realidade. Segundo o MIT Computer Science & Artificial Intelligence Lab referido no documentário, “’Notícias falsas’ [oxímoro ou expressão enganosa que deve evitar-se] espalham-se seis vezes mais rápido do que notícias verdadeiras” e “De acordo com o Conselho Europeu de Investigação, um em cada quatro americanos visitou pelo menos um artigo noticioso falso durante a campanha presidencial de 2016” 8. A par da desinformação circulam teorias da conspiração, explicações alternativas da realidade e formam-se opiniões extremas (polarização) e discurso de ódio que apelam mais ao cérebro instintivo (límbico) do que ao bom senso ou reflexão lógica fundamentada (cérebro frontal), descredibilizando os media e instituições democráticas. Neste contexto compreende-se, por exemplo, o ataque ao Capitólio dos EUA, a 6 de janeiro;
3. Síndrome de FOMO (fear of missing out/ medo de perder algo), distúrbio psicológico induzido por técnicas como a das notificações ou da transmissão automática, no fim de um conteúdo, do início do conteúdo seguinte ou de conteúdos que apelam ao “novo” ou “mais recente lançamento”, critério puramente comercial que nada indica sobre a qualidade de um conteúdo. O uso aditivo de equipamentos tende a provocar desconcentração, isolamento social, depressão e mesmo suicídio.
Formas mais subtis de suscitar a interação com o equipamento são likes, tags, emojis, reticências que aparecem quando alguém está a escrever e que preveem e interferem na ação humana, mantendo o utilizador ligado o máximo de tempo possível. Também o scroll em busca de algo que se possa vir a ganhar liberta dopamina (hormona do prazer), aproximando o utilizador do contexto das slotmachines em que o jogador acredita ganhar na próxima jogada;
4. Obsessão com métricas – e.g. quantidade de cliques ou likes observados que supostamente medem a atenção dispensada ou preferência do utilizador – e que podem ser gerados por falsos utilizadores que alimentam e garantem a aparente eficácia do sistema.
Devemos, por isso, mudar os paradigmas:
- De uso e ensino de tecnologia nas escolas porque, mais importante do que conhecer e usar novas ferramentas, é necessário perceber como a tecnologia funciona e está a moldar e a aprisionar a mente e perceção humana da realidade, degradando as suas decisões e relações sociais.
Uma das instituições parceiras do Center for Humane Technology é a Common Sense Education/ Educação para o Senso Comum que disponibiliza recursos (idiomas inglês e espanhol) que ajudam as escolas nesta missão 9.
- De construção da tecnologia que deve devolver o controlo e bem-estar ao utilizador, incentivar a sua consciência e atenção plena e ser usada para o bem comum.
Neste contexto, Tristan Harris inicia o movimento Time Well Spent/ Tempo Bem Gasto que pretende transformar o design de software, de modo a que ele seja impedido de explorar as vulnerabilidades psicológicas do utilizador, contando inclusive com um “juramento de Hipócrates” no qual se compromete a tratar as pessoas com respeito.
Com base nesta tendência há empresas de software e dispositivos móveis que passaram a apresentar funcionalidades nesta área, embora não sejam suficientes e contradigam a maioria das opções disponíveis pelas mesmas empresas.
É assim que Harris desafia cada um a Take Control/ Tomar o Controlo 10 da própria vida através de sugestões, das quais damos exemplos:
- Desligue notificações;
- Nunca siga as Recomendações: Escolha sempre;
- Controle o tempo de utilização, procurando outras fontes de informação e de prazer, desfrutando do mundo e das pessoas reais e desconecte totalmente um dia por semana;
- Confirme a informação antes de a partilhar e interromper outra pessoa;
- Fomente o espírito crítico e um certo ceticismo saudável;
- Abandone sítios que promovem a indignação;
- Siga vozes com as quais discorda;
- Remova aplicações tóxicas: em vez de Facebook amigos, preferir Signal, em vez de TiKToK usar Marco Polo, em vez de Instagram, usar VSCO. Também podem ser úteis as seguintes ferramentas: Flux (sono), Moment (mudança de hábitos no ecrã), Pocket (leitura); Insight Timer (mindfulness).
No período de confinamento, devido à Covid-19, aumentou o uso e dependência das tecnologias digitais, pelo que urge refletir sobre as implicações desta tendência. A propósito, celebrou-se a 5 de março de 2021 o Dia Nacional da Desconexão11 que promove uma pausa de 24 horas na tecnologia “para desacelerar vidas num mundo cada vez mais agitado”. Esta é uma data que se comemora desde 2009 na primeira sexta-feira de março, mas pode ser lembrada regularmente na biblioteca. O sítio oficial contém inúmeras propostas de ação, mas ler um livro, não conversar sobre trabalho (w-talk), fazer pão ou praticar ioga podem ser possibilidades a ter em conta. Já agendou o seu próximo detox digital?
Referências
1. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). (2020a). Debating the Futures of Education: How can education really contribute to solving the climate crisis? Paris (França): Autor. Disponível em: https://bit.ly/34E674m [acedido em 4 de março de 2021].
2. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). (2020b). Debating the Futures of Education: The new normal. Paris (França): Autor. Disponível em: https://bit.ly/33zxf3V [acedido em 4 de março de 2021].
3. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). (2020c). Debating the Futures of Education: What needs to be learned at school? Paris (França): Autor. Disponível em: https://bit.ly/2OFBKTD [acedido em 4 de março de 2021].
4. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). (2020d). Debating the Futures of Education: Are our views more shaped by what we learn online than what we learn in schools? Paris (França): Autor. Disponível em: https://bit.ly/39eLyO3 [acedido em 4 de março de 2021].
5. Harris, T. (2013). A Call to Minimize Distraction & Respect Users’ Attention. EUA: Google. Disponível em: http://www.minimizedistraction.com/ [acedido em 4 de março de 2021].
6. Center for Humane Technology Foudation. (2018). Center for Humane Technology. EUA: Autor. Disponível em: https://www.humanetech.com/ [acedido em 4 de março de 2021].
7. Orlowski, J. (Dir.). (2020). The social dilemma. EUA: Netflix. 89’. Disponível em: https://www.humanetech.com/the-social-dilemma [acedido em 4 de março de 2021].
8. Gordon, R. (2019). Melhor verificação de fatos para notícias falsas. EUA: MIT Computer Science & Artificial Intelligence Lab. Disponível em: https://www.csail.mit.edu/news/better-fact-checking-fake-news [acedido em 4 de março de 2021].
9. Common Sense Education. (2003). Everything You Need to Teach Digital Citizenship. EUA: Autor. Disponível em: https://www.commonsense.org/education/digital-citizenship [acedido em 4 de março de 2021].
10. Center for Humane Technology Foudation. (2018). Center for Humane Technology: Take Control. EUA: Autor. Disponível em: https://www.humanetech.com/take-control [acedido em 4 de março de 2021].
11. Unplug Collaborative. (2020). National Day of Unplugging. EUA: Autor. Disponível em: https://www.nationaldayofunplugging.com/ [acedido em 4 de março de 2021].