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Blogue RBE

Qua | 23.11.22

As ligações entre a Inteligência Artificial e a Educação (IA&ED)

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Recentemente, o Conselho da Europa divulgou o relatório ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND EDUCATION A critical view through the lens of human rights, democracy and the rule of law,[1] um estudo onde são examinadas as ligações entre a inteligência artificial (IA) e a educação (ED). Com o objetivo de fornecer uma visão holística que ajude a assegurar que a IA empodere e não sobrecarregue educadores e alunos, e que os futuros desenvolvimentos e práticas sejam genuinamente para o bem comum, o estudo está organizado em quatro partes:

1. Ligações IA&ED

2. Desafios-chave para a AI&ED

3. IA&ED e os valores fundamentais do Conselho da Europa

4. Desafios, oportunidades e implicações da AI&ED

Neste artigo apresentaremos uma resenha das principais ideias avançadas na primeira parte do documento, onde, após uma breve introdução ao que é e como funciona a IA, são analisadas as ligações entre a IA e a Educação em três vertentes:

- a utilização da IA para aprender (IA de apoio ao aluno, de apoio ao professor e de apoio ao sistema);

- a utilização da IA para obter informações sobre a aprendizagem (por vezes entendido como análise da aprendizagem);

- a aprendizagem sobre a própria IA, ou seja, literacia da IA, considerando tanto a dimensão humana como a tecnológica.

 

Aprendizagem com Inteligência Artificial

A aprendizagem com IA inclui o uso de ferramentas baseadas na IA no ensino-aprendizagem, e inclui o uso de IA para apoiar:

- os alunos, envolvendo ferramentas com sistemas inteligentes de tutoria, baseados no diálogo, ambientes de aprendizagem experimentais, avaliação automática da escrita, organizadores de aprendizagem, chatbots (conversadores) e IA para apoiar os alunos com deficiências;

- os professores (embora, com exceção da curadoria inteligente de materiais de aprendizagem, existam poucos exemplos).

- As instituições e os sistemas administrativos (recrutamento, calendarização, etc.) e gestão da aprendizagem;

Apoio ao aluno

- Eficácia pouco clara: O uso de IA de apoio ao aluno está rapidamente a tornar-se popular, no entanto, continuam a ser poucas as provas robustas e independentes do seu valor, pelo que muitas pretensões (tais como que o uso de IA na educação melhorará drasticamente a forma como os alunos aprendem) continuam a ser uma esperança. De facto, embora existam algumas exceções notáveis, trabalhos recentes salientam os limites técnicos, sociais, científicos e conceptuais da IA nos sistemas educativos e assinalam a falta de provas robustas e independentes quanto à sua eficácia ou sucesso na obtenção dos resultados pretendidos.

- Substituição de professores: Há quem avance o argumento bastante forte da importância de usar a IA para apoiar os alunos em contextos onde há poucos professores experientes ou qualificados, tais como nas zonas rurais dos países em desenvolvimento. No entanto, a utilização da tecnologia para substituir os professores aborda a sintoma deste problema-chave (crianças que não recebem a educação a que têm direito) e não a causa (a escassez global de professores). Embora algumas crianças possam beneficiar desta utilização da IA, os efeitos a longo prazo da utilização desta abordagem tecno-solucionista para resolver o que é essencialmente um problema social permanecem desconhecidos.

- Enviesamentos: Os criadores de IA&ED tendem a estar sedeados em países ocidentais, educados, industrializados, ricos e democráticos e estão, portanto, menos familiarizados com as necessidades dos jovens nos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, embora não existam provas específicas disponíveis, é provável que a IA&ED sofra da mesma falta de diversidade pela qual a IA em geral é bem conhecida, com resultados potencialmente enviesados em dados e algoritmos.

- Confiança: Para que as ferramentas de IA se tornem ainda mais amplamente utilizadas nas salas de aula, é essencial que professores, alunos, pais e outros intervenientes possam confiar que serão benéficas - que melhorarão a aprendizagem e não causarão quaisquer danos. Contudo, com demasiada frequência, o ónus da confiança recai sobre os intervenientes na sala de aula (para confiarem nas ferramentas de IA de apoio ao aprendente) em vez de nos fornecedores (para fornecerem ferramentas de IA de apoio ao aluno que sejam dignas de confiança).

Apoio ao professor

- Substituição: Muitos já expressaram a sua esperança de que a IA venha a poupar tempo aos professores, outros sugeriram que a IA, a dada altura, tornará redundantes os professores - ou pelo menos o seu papel será reconfigurado como organizadores/ facilitadores de tecnologia de sala de aula, encarregados de gerir o comportamento dos alunos e de assegurar que a tecnologia seja ligada.

- Pouco desenvolvimento: A IA&ED tem-se concentrado na utilização da IA para apoiar diretamente os alunos, com o objetivo de melhorar a aprendizagem, geralmente assumindo (substituindo) as funcionalidades do professor, tais como através de tutoria adaptativa alimentada pela IA. Tem havido muito pouca atenção à IA concebida especificamente para apoiar os professores.

- Pouca disponibilidade: Recentemente tem havido alguma investigação, sobre o uso da IA para pesquisar a Internet a fim de fazer curadoria de recursos e foram disponibilizadas ferramentas concebidas para analisar e apoiar as práticas dos professores, a gestão do tempo e a planificação de aulas. No entanto, muito pouco disto foi aproveitado pelos agentes comerciais ou está amplamente disponível.

- Avaliação: A IA tem-se concentrado nas ferramentas que visam avaliar automaticamente as tarefas dos alunos para poupar tempo ao professor. Contudo, a IA não é capaz da profundidade de interpretação ou precisão de análise que um professor humano pode dar. Mesmo que a IA fosse capaz de uma classificação justa e precisa do texto livre, a implementação de tal sistema também ignoraria o que um professor fica a saber sobre os seus alunos quando lê o que escreveram.

- Eficácia pouco clara: A IA pode poupar tempo aos professores, embora haja poucas provas disso, mas continua a não ser claro qual poderá ser o seu impacto na qualidade do ensino-aprendizagem.

Apoio às instituições de educação

- Tipos de uso: As principais ferramentas de IA para apoio à instituição são as que permitem a automatização de processos relacionados com as admissões dos alunos, a simplificação da comunicação com os alunos e a planificação da afetação de recursos.

- Previsão de abandono: A utilização de IA para prever o abandono escolar é também uma área de investigação popular, sendo o seu objetivo compreender os fatores que podem ter impacto sobre as desistências, prevê-las e reduzi-las. No entanto, há ainda poucas provas da eficácia de tais sistemas, ou mesmo se as ligações estabelecidas são preditivas ou causais.

 

Inteligência Artificial para conhecer a aprendizagem

- Dados: Os sistemas de IA recolhem grandes quantidades de dados incluindo dados sobre as respostas dos alunos às perguntas, o que dizem, o seu estado afetivo (por exemplo, interessados ou distraídos), onde clicam e como movem o seu rato no ecrã, para citar apenas alguns. Uma única sessão, com uma criança a interagir com um sistema educativo eletrónico com IA, gera um número muito significativo de dados que representam traços digitais de aprendizagem.

- Traços digitais: Os traços digitais de aprendizagem permitem aumentar a compreensão das partes interessadas sobre os comportamentos dos alunos, com o objetivo de melhorar a aprendizagem e os ambientes em que ela ocorre. O conhecimento destes dados permite igualmente criar automatismos (por exemplo, uma plataforma de aprendizagem adaptativa).

- Beneficiários: Embora ainda existam poucas provas de que a análise de dados de aprendizagem melhora o ensino-aprendizagem, são, aparentemente, os alunos que beneficiam. No entanto, também os fornecedores de IA&ED tiram proveitos, uma vez que utilizam os dados com objetivos de gestão de negócio. A questão que permanece é compreender como é que os alunos, os professores, a escola, ou o sistema educativo mais alargado beneficiam dessa análise de dados de aprendizagem possibilitada pela IA.

- Objetivos: Existe o risco de os objetivos de melhoria do processo de ensino-aprendizagem serem substituídos pelos objetivos comerciais das empresas fornecedoras de IA&ED, transformando-se, abusiva e inconscientemente, as crianças de todas as salas de aula em fontes de informação para decisões de negócio.

- Transparência: As empresas privadas não partilham rotineiramente os dados de investigação relativa aos seus sistemas. Há uma transparência muito limitada em relação às taxas de erro e muitos produtos de IA&ED estão a ser adotados com provas de eficácia muito limitadas e fraca supervisão. Há também muitos produtos educativos que afirmam utilizar IA, mas não o fazem de facto. Esta assimetria informativa prejudica o Estado e a sociedade civil.

- Resultados: As empresas multinacionais e os seus produtos não só estão a moldar alunos e professores individuais, mas também questões de agenda relacionadas com a governação e as políticas nacionais. Embora exista alguma literatura que aborda o que as empresas de IA&ED estão a aprender com a utilização dos seus sistemas por parte dos alunos, ainda não é claro como é que isso influencia a nossa compreensão do modo como a aprendizagem acontece, como o ensino deve ser alterado e como a aprendizagem deve ser medida.

 

Aprendizagem sobre a IA (Literacia da IA)

- Duas dimensões: As dimensões tecnológica e humana têm sido importantes para o desenvolvimento das TIC, mas a dimensão humana raramente tem sido abordada em profundidade. Uma vez que as técnicas de IA em muitos casos visam imitar e até ultrapassar processos cognitivos humanos, é, agora, crucial dar à dimensão humana da IA a mesma importância que a dimensão tecnológica. A literacia da IA deve incluir tanto a dimensão tecnológica (o modo como funciona) como a dimensão humana e o impacto da IA (no ser humano, na cognição, na privacidade, nos organismos, etc.) assim como explicações sobre as pessoas, o poder e as motivações políticas por detrás da adoção de cada tomada de decisão automatizada.

- Objetivo da educação: Enquanto os decisores políticos não forem claros sobre o objetivo da educação (por exemplo, transferir conhecimentos, aumentar o sucesso nos exames, ajudar os jovens a desenvolver o seu potencial individual e a autorrealizarem-se, ou a promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todos os povos) e enquanto não forem implementadas as políticas apropriadas, o que deve ser ensinado sobre a IA permanece discutível.

- Destinatários: Todos os cidadãos devem ser encorajados e apoiados para atingirem um certo nível de literacia de IA, devendo ter os conhecimentos, aptidões e valores necessários para o desenvolvimento, implementação e utilização de tecnologias de IA.

- Projetos: Em todo o mundo existem vários projetos de programação e ensino de código que estão a promover, de algum modo, um currículo em IA, liderados por empresas comerciais e ONG. Estes currículos comerciais de IA, bem financiados e desenvolvidos por peritos em IA em vez de por educadores, voltam a levantar questões incómodas sobre o envolvimento do setor privado na educação e sobre o impacto nos alunos dos seus imperativos comerciais.

- Dimensão tecnológica: Todos os projetos de currículo de IA tendem a centrar-se na dimensão tecnológica da IA com exclusão da dimensão humana, exceto para uma breve incursão na ética da IA.

- Dimensão Humana: O objetivo de abordar a dimensão humana da literacia da AI é possibilitar que todos compreendam o que significa viver com a IA e como tirar o melhor partido do ela oferece, protegendo-se simultaneamente de qualquer influência indevida sobre a sua ação ou dignidade humana. Para isso os jovens devem ser ajudados a compreender a forma como a IA, a automatização e especialmente a tomada de decisão automatizada, pode afetar a forma como são tratados na sociedade. Por outras palavras, todos os jovens precisam de compreender se a IA com que se envolvem consciente ou inconscientemente os trata de forma justa.

 

Referência

[1] Holmes, W., Persson, J., Chounta, I., Wasson, B. & Dimitrova, V. (2022). ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND EDUCATION A critical view through the lens of human rights, democracy and the rule of law. Council of Europe. https://rm.coe.int/artificial-intelligence-and-education-a-critical-view-through-the-lens/1680a886bd

Fonte da imagem: obra referida em [1]

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