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Blogue RBE

Qua | 18.12.24

As bibliotecas são espaços comunitários de confiança, refúgios acolhedores para todos

Hoje é Dia Internacional dos Migrantes

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De templos a fóruns e de livros a pessoas, as bibliotecas estão a transformar-se na sala de estar da sociedade. Mas como é que as bibliotecas podem garantir que cada indivíduo da sociedade possa ter um lugar nesta sala de estar comum? Haverá alguma forma de o movimento do conhecimento apoiar o movimento das pessoas e o contrário? Como podem as bibliotecas servir um mundo em deslocação?

Nesta época em que se vive a maior crise global de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial - o número de refugiados duplicou desde 2016, de acordo com o Fórum Global dos Refugiados 2023, a ameaça de fome que 343 milhões de pessoas enfrentam em 74 países do mundo, numerosos conflitos armados ativos, a pobreza, a crise climática - as bibliotecas tornaram-se, mais do que nunca, um abrigo para o corpo, a mente e a alma quando as pessoas tomam decisões difíceis, escolhidas ou forçadas, para sobreviver. As pessoas deslocadas estão espalhadas por todo o mundo à procura do local mais seguro para se instalarem com as suas famílias e, quando se mudam para um novo país, enfrentam desafios jurídicos, culturais, educativos e económicos, necessitando de informação, orientação e apoio.

As Diretrizes da IFLA para bibliotecas que apoiam pessoas deslocadas: Refugiados, Migrantes, Imigrantes, Requerentes de Asilo [1], atualização do documento de 2017 publicada no passado dia 16, são mais do que nunca necessárias como um documento orientador para bibliotecas que desejam apoiar comunidades deslocadas.

Estas orientações expandem o papel tradicional das bibliotecas, incentivando bibliotecários, gestores e educadores a atuarem como facilitadores de integração e inclusão. Adaptáveis a contextos locais e internacionais, as recomendações mostram que as bibliotecas desempenham um papel fundamental para que estes novos membros da comunidade se sintam bem-vindos e tenham sucesso nos seus esforços para se desenvolverem, curarem os seus traumas e seguirem em frente, salientando que cada biblioteca deve avaliar as suas próprias necessidades e capacidades para melhor apoiar as populações deslocadas.

No contexto global atual, as bibliotecas desempenham um papel crucial como espaços seguros e inclusivos: oferecem apoio às pessoas deslocadas, que muitas vezes enfrentam traumas e vulnerabilidades complexas, promovendo a sua integração nas comunidades de acolhimento. Facilitam, ainda, a aprendizagem mútua entre deslocados e as comunidades locais, fortalecendo o respeito pela diversidade cultural, linguística e social, e contribuindo para a coesão social e convivência pacífica.

As bibliotecas assumem igualmente uma função crucial na defesa dos direitos humanos ao proporcionarem acesso universal à informação. Isto inclui recursos sobre educação, saúde, emprego e procedimentos legais, respeitando os princípios de igualdade e não discriminação. O direito à informação, consagrado em tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é essencial para empoderar as pessoas deslocadas, permitindo-lhes reconstruir as suas vidas de forma digna e participativa, especialmente num mundo marcado pela desinformação.

Finalmente, as bibliotecas funcionam como espaços culturais essenciais, onde as pessoas deslocadas podem expressar livremente as suas culturas, línguas e identidades. Este apoio ajuda não apenas na recuperação emocional e integração das comunidades deslocadas, mas também na preservação da memória cultural e na valorização da diversidade. Ao promoverem o acesso às artes, à ciência e à cultura, as bibliotecas reforçam o bem-estar e a identidade cultural de cada indivíduo, desempenhando um papel vital na construção de sociedades mais inclusivas e resilientes.

Este documento, cuja consulta sugerimos, aponta caminhos para as bibliotecas em diferentes áreas:

1. Serviços e Programas

As bibliotecas desempenham um papel fundamental no fornecimento de serviços práticos para pessoas deslocadas. Esta secção sugere diversas abordagens e atividades:

  • Linguagem:
          º Desenvolver planos de acesso linguístico para oferecer suporte em várias línguas.
          º Criar uma coleção multilingue, com livros físicos e digitais nas línguas de origem e do país anfitrião.
          º Oferecer cursos de idiomas, incluindo tutoria individual e clubes de conversação.
          º Utilizar ferramentas visuais, como pictogramas e folhetos fáceis de ler, para superar barreiras linguísticas.
          º Estabelecer grupos de intercâmbio linguístico para que deslocados pratiquem o idioma local.

  • Informação:
          º Disponibilizar recursos básicos sobre direitos humanos, saúde, educação, emprego e integração.
          º Criar pacotes de informação com guias úteis traduzidos.
          º Desenvolver programas específicos, como ajuda na busca de emprego ou serviços legais em colaboração com associações.

  • Eventos:
          º Celebrar datas importantes, como o Dia Mundial dos Refugiados e a Semana dos Refugiados.
          º Organizar festivais culturais, exposições de arte, sessões de cinema e eventos de hora do conto.
          º Promover clubes de leitura multilingues e atividades de artesanato para incentivar a integração.

  • Tecnologia:
          º Oferecer acesso gratuito à internet e a dispositivos eletrónicos.
          º Facilitar o preenchimento de formulários online, criação de contas de email e uso de serviços digitais.
          º Fornecer notícias e recursos digitais tanto do país de acolhimento quanto dos países de origem.

2. Políticas das bibliotecas

Esta secção incentiva a implementação de políticas claras que garantam o respeito pela dignidade e inclusão de todas as pessoas:

  • Política de Respeito e Dignidade:
          º Promover um ambiente acolhedor e seguro para todos os utilizadores, independentemente do seu estatuto migratório.
          º Adotar uma política de tolerância zero contra estereótipos e atitudes negativas.

  • Política de Privacidade:
          º Proteger a privacidade dos utilizadores, garantindo que informações pessoais não sejam partilhadas.

  • Equidade no Acesso:
          º Garantir que todos tenham acesso aos serviços da biblioteca, mesmo que não possuam documentos de identidade.
          º Criar cartões temporários para deslocados que ainda não têm documentação oficial.

  • Comunicação Inclusiva:
          º Usar linguagem positiva para comunicar regras e serviços.
          º Desenvolver materiais visuais (pictogramas) e folhetos traduzidos em várias línguas.

3. Formação de pessoal

A formação contínua do pessoal é essencial para garantir serviços eficazes e culturalmente sensíveis:

  • Tópicos de formação:
          º Sensibilidade cultural e comunicação intercultural.
          º Gestão de preconceitos e treino sobre neutralidade e inclusão.
          º Privacidade e segurança de dados.
          º Formação em primeiros socorros psicológicos para lidar com traumas e situações sensíveis.

  • Preparação e implementação:
          º Avaliar as necessidades do pessoal através de questionários.
          º Trabalhar com organizações locais e especialistas para oferecer formação específica.
          º Incluir pessoas deslocadas nas formações, permitindo que compartilhem as suas experiências.

  • Acompanhamento pós-formação:
          º Realizar avaliações contínuas e fóruns para feedback.
          º Criar equipas dedicadas à melhoria constante dos serviços.

4. Parcerias e avaliação

As bibliotecas não trabalham sozinhas. A construção de parcerias é crucial para maximizar o impacto:

  • Parcerias:
          º Colaborar com ONGs humanitárias, associações de refugiados e instituições governamentais.
          º Criar parcerias com escolas, universidades e instituições GLAM (Galerias, Bibliotecas, Arquivos e Museus).
          º Trabalhar com associações jurídicas para fornecer serviços legais gratuitos.

  • Avaliação de necessidades:
          º Realizar pesquisas para compreender melhor a população deslocada local (idade, origem, línguas faladas).
          º Consultar diretamente as pessoas deslocadas através de grupos de foco e entrevistas.

  • Avaliação dos serviços:
          º Medir o impacto através de formulários anónimos e histórias pessoais.
          º Documentar o uso dos serviços e partilhar resultados com parceiros e autoridades.

5. Desafios e soluções

O documento identifica desafios comuns enfrentados pelas bibliotecas e propõe soluções:

  • Falta de Financiamento: Buscar parcerias, financiamento de instituições e doações da comunidade local.
  • Xenofobia: Promover programas educativos e eventos que incentivem a compreensão cultural e combatam discursos de ódio.
  • Questões Políticas Complexas: Atuar com neutralidade, respeitando as leis locais, enquanto apoia os direitos dos deslocados.

E as bibliotecas escolares?

Com base nestas diretrizes da IFLA, apresentamos 10 sugestões práticas para as bibliotecas escolares acolherem alunos migrantes:
1. Desenvolver uma coleção multilingue
Adquirir livros e recursos educativos nas línguas de origem dos alunos migrantes, incluindo livros infantis, dicionários, materiais de apoio ao ensino de línguas e histórias culturais. Isto ajuda os alunos a manterem a sua identidade cultural ao mesmo tempo que aprendem o português.

2. Criar espaços de aprendizagem da língua
Organizar clubes de leitura ou grupos de conversação onde os alunos migrantes possam praticar o português num ambiente acolhedor e informal. Disponibilizar materiais como guias visuais, jogos educativos e livros “fáceis de ler”.

3. Produzir materiais de comunicação inclusivos
Desenvolver folhetos informativos da biblioteca com pictogramas, símbolos e texto traduzido para as línguas faladas pelos alunos migrantes. Utilizar sinalização visual dentro da biblioteca para tornar o espaço mais acessível.

4. Promover eventos culturais e celebrações
Organizar eventos culturais que celebrem as tradições dos países de origem dos alunos migrantes, como festivais de contos, apresentações de música ou exposições de arte. Estas iniciativas valorizam a diversidade cultural e fortalecem o sentido de pertença.

5. Criar um programa de mentoria
Envolver alunos locais ou mais experientes para atuarem como mentores dos novos alunos migrantes. Estes pares podem ajudar na integração, apresentando os recursos da biblioteca e incentivando a participação em atividades.

6. Disponibilizar acesso a recursos digitais
Proporcionar acesso a computadores, internet e ferramentas de tradução online. Criar uma secção digital com ligações úteis no canal da biblioteca, incluindo conteúdos educativos, recursos linguísticos e notícias dos países de origem dos alunos.

7. Realizar sessões de contos multilingues
Promover sessões de histórias multilingues onde os alunos possam ouvir contos nas suas línguas de origem e na língua local. Estas atividades permitem uma troca cultural e facilitam a aprendizagem do novo idioma.

8. Trabalhar em parceria com a comunidade educativa
Colaborar com os professores para identificar as necessidades dos alunos migrantes e disponibilizar recursos específicos, como livros de apoio ao currículo e atividades para reforço de aprendizagens. Parcerias com pais e associações locais podem também ser úteis.

9. Incentivar o acesso à biblioteca
Oferecer visitas guiadas à biblioteca com interpretação nas línguas de origem, explicando os serviços disponíveis e como utilizá-los.

10. Promover atividades criativas inclusivas
Organizar oficinas de arte, jogos educativos, clubes de escrita e outras atividades onde os alunos possam expressar-se livremente. Estas atividades ajudam na socialização, reduzem o stress da adaptação e incentivam a partilha das suas culturas e histórias pessoais.

As bibliotecas escolares desenvolvem, já há bastante tempo, estas e outras ideias.

São espaços acolhedores, inclusivos e facilitadores da integração dos alunos migrantes, promovendo o respeito e valorização da diversidade cultural e linguística.

A Rede de Bibliotecas Escolares disponibiliza o recurso de apoio A de Acolher, que se encontra em atualização, com contributos recolhidos a partir da prática diária das bibliotecas escolares.


[1] IFLA. (2024). Diretrizes da IFLA para bibliotecas que apoiam pessoas deslocadas: refugiados | migrantes | imigrantes | requerentes de asilo. https://repository.ifla.org/items/7ce3fe3e-ce77-4dcb-9912-2e7d2dfcaab5 

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0