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Blogue RBE

Qui | 09.05.24

Antropologia Digital e Storytelling

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1. Partilhar histórias na internet

Uma das áreas que o relatório New Horizons in Digital Anthropology: Innovation for understanding humanity  (UNESCO & Liiv Cnter, 2023) identifica como facilitando o aprofundamento e o crescimento da Antropologia Digital em todo o mundo é contar histórias digitais autênticas, que deem conta do ambiente cultural em que as pessoas realmente vivem:

Narração de histórias por cidadãos digitais (digital citizen storytellers) pode ser a próxima geração de etnografia digital em escala e poderia seguir a tendência para o fenómeno dos conteúdos autopublicados e gerados pelos utilizadores a que temos assistido na última década (eg. vlogs, TikTok)” (UNESCO & Liiv Cnter, 2023, p. 54).

O uso destes meios informais e acessíveis pode contribuir para reconhecer que há diferenças locais e para resolver problemas das comunidades representadas, beneficiando-as.

Apesar deste relatório não mencionar o papel das bibliotecas e dos jovens, esta é uma abordagem participativa, colaborativa, reflexiva e de proximidade que as bibliotecas escolares, em articulação com os professores curriculares, podem apoiar.

Cremos que pode assumir outros formatos digitais e multimédia criativos que as bibliotecas escolares desenvolvem no dia-a-dia, por exemplo: museu ou exposição virtual; concurso de escrita/poesia/diário…) ou vídeo; histórias em família; programa de rádio/ podcast ou de televisão; teatro de escrita e documental; exposição de fotografia; sessão de testemunhos, photovoice, etno-musicalidades, música comentada, rap ou performance.

Para estas atividades, as crianças e jovens partem da sua experiência/realidade local e da atenção às pessoas e às comunidades e, com base na leitura/escrita e em outras formas de expressão cultural, bem como na exploração de ferramentas e dispositivos digitais, transmitem - em qualquer suporte e ambiente - um ponto de vista próprio dos seus sonhos, inquietações e realizações. Esta expressão ajuda a preservar e a disseminar o património e a identidade da comunidade a que a pertencem, dando visibilidade e criticando preconceitos ou hierarquias e apontando soluções para a mudança e a proteção dos seus direitos fundamentais. 

2. Preservar a cultura dos povos originários e locais e dos grupos marginalizados

De acordo com a IFLA, cujas diretrizes a Rede de Bibliotecas Escolares adota, o saber dos povos originários/indígenas - viviam nas terras antes de terem sido colonizados/“descobertos” - e dos povos tradicionais, com uma cultura e identidade próprias, como o povo Roma, tem um valor intrínseco e importante porque acrescenta, às culturas maioritariamente representadas no espaço público, formas de compreensão, de espiritualidade e de expressão do mundo únicas, que as enriquecem e porque estes povos souberam, ao longo da História, adotar formas de vida sustentáveis que preservam a natureza e com as quais importa aprender para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030.  

Os bibliotecários devem trabalhar ativamente para “Proteger o conhecimento tradicional indígena e o conhecimento tradicional local para o benefício dos povos indígenas, bem como para o benefício do resto do mundo” (IFLA, 2010).

De forma respeitosa e inclusiva e envolvendo, capacitando e colaborando com estas comunidades, os bibliotecários podem implementar ações que permitam reunir, preservar e divulgar digitalmente este património, para memória futura.

Com o mesmo propósito podem trabalhar com grupos marginalizados, conforme prevê o IFLA/UNESCO Multicultural Library Manifesto:

“bibliotecas de todos os tipos devem refletir, apoiar e promover a diversidade cultural e linguística nos níveis internacional, nacional e local e, assim, trabalhar para o diálogo intercultural e a cidadania ativa.

[…] Atenção especial deve ser dada a grupos frequentemente marginalizados em sociedades culturalmente diversas” (IFLA/UNESCO, 2006).

Fazem parte dos 12 Grupos de Interesse Especial (Special Interest Groups) da IFLA, por exemplo, os grupos Informações e Bibliotecas para Mulheres e Utilizadores LGBTQ (IFLA, 2024).

Podem constituir importante ajuda à Etnografia Digital feminista e LGBTQ, seminários e eventos, comunidades de leitores em linha, projetos com associações locais, listas de vídeos, de curtas-metragens, de podcasts e de outra informação com referência a estas comunidades e que possa ser disponibilizada na internet pelas bibliotecas escolares.  Nesta área a UNESCO e o Liiv Center apresentam a principal referência literária mundial e expressam sua intenção em desenvolve-la no futuro (UNESCO & Liiv Center, p. 25).

 Segundo Gabriela Ramos, Diretora-Geral Adjunta para as Ciências Sociais e Humanas da UNESCO, adotar um ponto de vista antropológico em ambiente digital permite:

  • “Compreender como é que a tecnologia intersecta com as sociedades humanas” e identificar as estruturas que provocam os seus efeitos nefastos: desinformação, desigualdades, preconceitos, polarização e crescimento de movimentos políticos extremistas, vigilância digital e problemas de saúde mental. Estas são “questões sensíveis para o correto funcionamento e legitimidade dos governos, a defesa da dignidade humana e o desenvolvimento social inclusivo”;

  • Conhecer as perceções dos cidadãos para “melhorar a informação pública e combater as campanhas de desinformação sobre questões sensíveis como vacinas ou mudanças climáticas” e regular, de forma mais eficaz, o espaço digital;

  • “Identificar a formação de novas comunidades digitais, geralmente invisíveis” que exercem um comportamento discriminatório, numa paisagem cultural global e tendencialmente homogénea (UNESCO & Liiv Center, p. 1)

Segundo James Ingram, fundador do Liiv Center for Innovating Digital Anthropology, com o qual a UNESCO celebrou, em 2021, uma parceria, os políticos precisam de fundamentar as suas decisões “mais do que em dados quantitativos e económicos, em dados profundamente humanos, enraizados na Antropologia” e holísticos, que servem, de forma ética e inclusiva, o bem comum, gerando sentido, empatia e contribuindo para alcançar a Agenda 2030.  (UNESCO & Liiv Center, p. 7).

3. Humanizar as práticas digitais

New Horizons in Digital Anthropology é a primeira publicação global sobre o tema e defende uma complementaridade entre cientistas de dados e antropólogos digitais para humanização das práticas digitais e para que as decisões políticas reflitam as necessidades de todas as pessoas.

Reconhece que há obstáculos para a inovação digital em Antropologia, como a divisão/desigualdade de acesso e a disparidade de investimentos, bem como áreas facilitadoras do progresso no setor nas quais importa investir, como ferramentas tecnológicas e arquivos de inovação antropológica e cultura de acesso aberto.

Referências

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0